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Importância dos resíduos agropecuários na alimentação animal

Por Onaldo Souza1 e Izabele Emiliano dos Santos2

A oferta e demanda de alimentos para a população humana nos países em desenvolvimento, exige a cada dia que passa, um crescimento da pecuária superior ao da agricultura. Na atualidade, é necessário restringir ao máximo a competição de alimentos concentrados entre homens e animais.

Estima-se que um terço dos cereais produzidos no mundo, se destina a alimentação dos animais domésticos, em detrimento da população humana, carente destes produtos. Assim, se deve recomendar e orientar cada vez mais, o uso de subprodutos e resíduos lignocelulósicos na alimentação animal, quando devidamente tratados e corretamente administrados na dieta dos ruminantes.

Os subprodutos e resíduos agropecuários como as palhas, o bagaço de cana-de-açúcar, casca de arroz, etc. são materiais fibrosos e inevitavelmente produzidos devido a diversos cultivos e em especial aos cereais e cultura da cana-de-açúcar.

A quantidade disponível destes materiais é muito grande em todo o mundo e basta dizer que se apenas 5% fossem utilizados de maneira correta na alimentação animal, poderia suprir as necessidades dos rebanhos existentes no mundo e assim atender as demandas de energia e proteínas da população mundial.

A América Latina produz aproximadamente 500 milhões de t/ano de subprodutos agro-industriais e o Brasil produz quase a metade destes subprodutos, o que se poderia produzir a mais, quase 15 milhões de toneladas de carcaça bovina para alimentar nossa população tão carente de proteínas de origem animal de excelente qualidade.

Estes materiais são geralmente abundantes em fibra e ricos em lignina e sílica, entretanto o potencial de celulose que existe nestes e que podem servir como fonte de energia para os animais ruminantes, é um fato conhecido há mais de um século e o autor deste artigo insistentemente tem evocado e chamado a atenção para a utilização destes resíduos na alimentação animal, no sentido de minimizar o alto índice de mortalidade dos rebanhos, quanto minimizar os efeitos danosos da seca na produção animal em zonas áridas e semi-áridas.

Embora estes materiais apresentem baixo valor nutritivo, são de grande utilidade nestas regiões quando devidamente tratados e tecnicamente administrados na alimentação, animal, pois de outra forma, não há como alimentar os rebanhos na escassez de volumosos, por ocasião da seca periódica que ocorre todos os anos sem exceção.

Por outro lado, o mundo tem que revisar os conceitos de administração de concentrados no arraçoamento animal, com vistas a diminuir a concorrência entre homem e animal no que se refere ao consumo de cereais, uma vez que os ruminantes podem perfeitamente fazer bom aproveitamento de materiais lignocelulósicos que não servem na alimentação humana, transformando-os em carne, leite e outros produtos nobres na alimentação da população humana e assim haver melhor planejamento quanto à utilização de resíduos na alimentação animal.

Ao longo destes anos, o autor vem insistentemente apontando soluções sistemáticas quanto ao aproveitamento destes subprodutos e resíduos na alimentação animal, pois, estes materiais quando adequadamente tratados e tecnicamente orientados na alimentação animal, podem representar um enorme benefício à população mundial.

Composição química

A composição química destes materiais, assim como o valor nutritivo, depende de vários fatores, como por exemplo o amadurecimento excessivo da planta quando a maioria dos nutrientes passam para a formação dos frutos. Outros fatores podem ainda afetar a composição química e o valor nutritivo de subprodutos e resíduos, como a fertilidade dos solos, condições climáticas, etc.

Os resíduos possuem três grupos de compostos orgânicos principais:

    1 – A celulose
    2 – A hemicelulose
    3 – A lignina

A celulose é o composto químico orgânico que existe em maior abundância nas plantas e em toda a superfície terrestre. É aproveitada pelos ruminantes em diferentes gruas, com valores que oscilam desde 20 até 90%, O tratamento com uréia fará com que a mesma seja mais disponível no trato gastrointestinal do animal, devido ao rompimento da forte ligação entre lignina e celulose.

Valor nutritivo

Palhas e outros resíduos são pobres em proteína bruta e possuem pouca solubilidade da parede celular, apresentam baixa digestibilidade e pouca palatabilidade, assim sendo, sua ingestão voluntária é limitada, o que limita em atender as necessidades orgânicas dos animais quando as consomem como fonte única de nutrientes.

O tratamento químico com uréia, dissolve a lignina, sílica e parcialmente a hemicelulose, contribui para incrementar o valor nutritivo destes materiais, seu consumo voluntário, sem alterar a estrutura cristalina da celulose, tornando-a mais disponível ao corpo animal.

Digestibilidade dos resíduos lignocelulósicos

A digestibilidade destes materiais depende do grau de lignificação das paredes celulares, já que isto determina o maior ou menor acesso de enzimas celulolíticas aos polissacarídios da parede celular. Quanto maior for o conteúdo de lignina da planta, menor será o ataque e consequentemente, menor a digestão. A lignina se encontra unida quimicamente à celulose e principalmente a hemicelulose. Limita a eficácia de ação dos microorganismos ruminais já que estes se fixam pouco ou quase nada nas paredes fortemente lignificadas.

A digestibilidade destes materiais, depende de fatores como:

    1 – Estado de amadurecimento da planta no momento da colheita;
    2 – Proporção de folhas;
    3 – Da espécie e da variedade;
    4 – Das condições do meio, já que a digestibilidade diminui, quanto mais seco se apresenta o material e mais hajam sido submetidos a temperaturas elevadas;
    5 – Da altura de corte e tempo de permanência no solo.

Valor energético e protéico

O valor energético dos resíduos e o potencial da celulose como fonte de energia para a alimentação de ruminantes, é conhecido pelo homem, há mais de um século e a habilidade dos ruminantes de utilizar materiais lignocelulósicos, depende da atividade microbiana do rumem, que por sua vez necessita de nutrientes necessários para o perfeito desenvolvimento da população microbiana do rúmen.

Palhas e outros resíduos contêm aproximadamente 80% de nutrientes que são potencialmente digestíveis, que são fontes de energia, porém a digestibilidade destes materiais é de apenas 45-50%. A baixa ingestão de energia é geralmente devido ao baixo consumo, pois os animais não conseguem ingerir mais de 3% de seu peso corporal, porque a velocidade de passagem destes materiais é lenta no trato gastrointestinal.

Uma das principais vantagens que apresenta o tratamento químico com uréia de materiais fibrosos, é a adição de nitrogênio que fica fixado nestes após o tratamento. A percentagem de fixação, depende das condições de tratamento, como a dosagem de uréia, nível de umidade utilizado no tratamento, qualidade inicial do produto tratado, duração do tratamento, etc.

Melhora do valor nutritivo

O crescente interesse pelos resíduos lignocelulósicos tem despertado a comunidade científica mundial na busca de soluções para melhorar o aproveitamento destes materiais, quando usados na alimentação animal.

Existem duas maneiras básicas que podem investigar a melhora do valor nutritivo destes materiais lignocelulósicos:

    1 – Suplementação adequada para aumentar sua digestibilidade e velocidade de consumo;
    2 – Tratamentos por diferentes técnicas.

Tratamento químico

O tratamento químico é o mais eficiente método de incrementar o valor nutritivo destes materiais fibrosos, para uso na alimentação animal.

É conhecido que o consumo de palhas é melhorado através do tratamento químico, aumentando entre 30 e 70%, segundo o tipo de palha usado na alimentação e que o incremento em seu valor nutritivo, depende de diversos fatores com que as palhas foram tratadas, como por exemplo, o conteúdo de umidade, percentual de uréia utilizada, temperatura durante o tratamento, tempo de tratamento.

Tratamento com uréia

A uréia é uma substância branca, cristalina e solúvel em água. Contem 46% de Nitrogênio e possui um equivalente protéico de 287% (46 x 6.25). Foi descoberta por Roule em 1773 e Prout (1818), assim estabeleceu sua composição química:


É preferida por muitos criadores, em relação a outros agentes químicos, porque é de fácil execução nas propriedades e acessível aos pecuaristas, de custo barato, além de ser bastante conhecida e de fácil manejo.

O tratamento prático de palhas e outros resíduos com solução de uréia tem proporcionado resultados satisfatórios em países como Bangladesh (Saadullah et al., 1981); Índia (Verma, 1981); Srilanka (Jayasuriya, 1981); Jayasuriya & Perera, 1982); Portugal (Dias da Silva, 1986); Espanha (Souza, 1996); Brasil (Souza, 1998/2002).

O tratamento com uréia envolve basicamente uma mistura de 4-6 kg de uréia dissolvida em 100 litros de água, para tratar 100 kg de palhas e posteriormente armazenar o material tratado em ambiente hermeticamente fechado, durante certo tempo, de acordo com temperatura ambiente.

Para garantir a distribuição uniforme da solução aquosa sobre o material a tratar, é necessário se conhecer a quantidade total de MS que se pretende tratar.

Para uma grande quantidade de material a ser tratado, pode-se distribuir a solução de maneira uniforme, através de um pulverizador, de modo que a solução seja distribuída por igual, em todo o material a ser tratado. Ao final da pulverização se pode cobrir todo o material, com uma lona de polietileno, de maneira que o ambiente se torne hermeticamente fechado.

Fatores que influem no tratamento

Os fatores que influem no tratamento podem ser apontados:

– Concentração de uréia aplicada;
– Teor de umidade do resíduo;
– Tempo de exposição do amoníaco no material a ser tratado;
– Temperatura ambiente

Efeito da umidade

A água é indispensável no tratamento e o teor ideal no material a ser tratado com uréia é de 30 a 40%. Resíduos com alto teor de umidade, apenas é necessário diluir a uréia para uniformizar sua distribuição no material a ser tratado. Umidade em excesso pode ser prejudicial ao tratamento.

Efeito da temperatura e tempo de tratamento

A atividade ureásica pode diminuir tanto pela baixa, como pela alta temperatura. Em condições tropicais a temperatura ambiente é satisfatória para o tratamento. Uma semana é o tempo suficiente para o tratamento.

Percentual de uréia utilizado no tratamento

O autor recomenda níveis de concentração de 5 a 6 kg de uréia/100 kg de palha. A observação a ser feita aqui é que deve-se prestar atenção no teor de matéria seca do material a ser tratado, pois a concentração de uréia deve ser com base na matéria seca do substrato.

Como fazer o tratamento e utilizar os resíduos tratados

    1- Em uma superfície plana de preferência limpa e livre de objetos pontiagudos, estira-se uma lona de polietileno;
    2- Colocar por camadas o material previamente triturado ou mesmo triturado na hora;
    3- Pulverizar com uniformidade todo o material;
    4- Fechar hermeticamente a lona (fechando bem as bordas para evitar a saída de gazes formados);
    5- Abrir com sete dias;
    6- Esperar pelo menos 02 a 04 horas antes de fornecer ao gado.

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1Onaldo Souza é Pesquisador EMBRAPA/ Tabuleiros Costeiros-UEP de Rio Largo. Doutor em Produção Animal

2Izabele Emiliano dos Santos é acadêmica de Zootecnia CECA/UFAL. Estagiária Embrapa Tabuleiros Costeiros

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