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In dubio pro reo

A expressão In dubio pro reo é uma das duas expressões que conheço do latim. Representa o princípio jurídico da presunção da inocência, que diz que em caso de dúvida, o réu será favorecido. A expressão é um dos pilares do direito penal e está intimamente ligada ao princípio da legalidade. E por que escrever sobre isso? Pelo fato de que me causou revolta a notícia que li esta tarde (16/02/2011), veiculada pelo Ministério Público. Na notícia, inflados de orgulho, Ibama e Ministério Público comemoram que atrasaram o embarque de 17 mil bois para o Egito. Até aí tudo bem. Todos querem privilegiar quem opera na legalidade. O problema é que mais uma vez o Ministério Público está transferindo responsabilidades. A responsabilidade de fiscalização dos órgãos, tanto Ibama como MPF, foi passada para o comprador.

A expressão In dubio pro reo é uma das duas expressões que conheço do latim.

Representa o princípio jurídico da presunção da inocência, que diz que em caso de dúvida, o réu será favorecido. A expressão é um dos pilares do direito penal e está intimamente ligada ao princípio da legalidade.

E por que escrever sobre isso?

Pelo fato de que me causou revolta a notícia que li esta tarde (16/02/2011), veiculada pelo Ministério Público. Na notícia, inflados de orgulho, Ibama e Ministério Público comemoram que atrasaram o embarque de 17 mil bois para o Egito.

A operação estava sendo organizada pela Wellard, uma empresa australiana especializada em transporte marítimo de bovinos vivos. Foi barrada pela “eficiente” fiscalização brasileira.

Os órgãos comemoram que, com ações deste tipo, estão atuando na defesa dos interesses do produtor legalizado. Ou seja, apenas quem estiver dentro da lei pode exportar ou vender no mercado interno.

Até aí tudo bem. Todos querem privilegiar quem opera na legalidade. Ninguém, honesto e de sã consciência, defenderia o contrário.

Mas a questão não é essa. A Wellard estava sendo punida com o atraso, e com o consequente aumento de custos de proporções enormes (imagino eu pelo que conheço), por não comprovar legalmente que os animais eram provenientes de fazendas que não estavam desmatando, e nem usando mão de obra escrava.

Abro um parênteses: entenda por mão de obra escrava aqueles funcionários com irregularidades na carteira de trabalho. Aqueles iguais os que vemos aos montes, milhares deles, trabalhando no centro de São Paulo, no comércio, nas residências ou tentando arrebanhar clientes para médicos, advogados, corretores e outros prestadores de serviço, transformados em sanduiches de letras, em todas as capitais do Brasil. Fecho aqui o parênteses.

A matéria ainda sentencia: “Não foi por falta de aviso que ocorreu esse atraso e seus eventuais prejuízos.” E lembram que a partir do dia 31 de janeiro começou a valer o acordo “que estabelece responsabilização judicial das empresas que adquirirem produtos de pecuaristas irregulares.”

A Wellard, neste caso, precisaria dos documentos que seriam levantados e fornecidos pelos pecuaristas.

Estes – os pecuaristas – precisariam comprovar que deram entrada no pedido de obtenção do Cadastro Ambiental Rural (CAR) da Secretaria de Estado de Meio Ambiente (Sema) do Pará, incluindo, no mínimo, mapa que contenha o polígono do imóvel, obtido com GPS (Global position system) de navegação.

No final da matéria mais uma vez o Ministério Público se vangloria: “assim, frigoríficos, comerciantes atacadistas ou varejistas, fábricas, curtumes, exportadores, entre outros empresários da cadeia da pecuária, passarão a dar exclusividade às negociações com proprietários rurais que estejam agindo dentro da lei, valorizando o produto de quem trabalha de forma regular.”

Pois bem, para o distraído, ou para o preguiçoso mental, parece lógico que Ibama e Ministério Público atuem dessa forma.

Natural, pois – mais uma vez – quem entre os de bom caráter não deseja a legalidade?

O problema é que mais uma vez o Ministério Público está transferindo responsabilidades.

A responsabilidade de fiscalização dos órgãos, tanto Ibama como MPF, foi passada para o comprador. No caso em questão trata-se da Wellard e seus clientes egípcios. Mas pode ser o frigorífico, outros pecuaristas, enfim, toda a cadeia como eles mesmos descrevem.

A iniciativa privada, misteriosamente, virou polícia e órgão de fiscalização.

E o Estado, gordo e inchado como nunca, senta e espera que os empresários exerçam a função deles de identificar quem é ou não ilegal. Na prática, isso se traduz em custos, prejuízos, ineficiência, burocracia, etc.

E o absurdo, a meu ver, não para por aí. Vejam o caso do produtor.

Hoje em dia, além de trabalhar, o sujeito é obrigado a provar que é honesto para poder continuar trabalhando.

Vamos voltar à expressão latina, base do princípio da legalidade. Aqui no Brasil, o pecuarista foi transformado em réu, de uma hora para outra, e do nada.

A única justificativa para transformá-lo em réu é o fato de que o Estado é incompetente para identificar quem está ou não legalizado.

Além de ser transformado em réu, a dúvida passa a ser toda contra ele. Aqui o produtor é bandido até que ele, e unicamente ele, prove o contrário.

A propósito, alguém sabe responder qual é o grau de dificuldade para se regularizar documentos no Pará? Pois é…este é outro assunto, riquíssimo.

Por fim, o Ministério Público está transformando em hábito essa transferência de responsabilidades.

O ano passado, numa infeliz e estúpida iniciativa, investiu rios de dinheiro numa campanha publicitária chamando o consumidor a não comer carne ilegal.

Imaginaram eles, do alto de sua miopia mental coletiva, que por alguma razão o consumidor fosse capaz de identificar, nas gôndolas de um supermercado, se a carne veio ou não de fazendas legalizadas.

Quer reduzir a ilegalidade? Combatam a corrupção, instruam e equipem melhor os fiscais de campo.

E para combater a corrupção não precisa de muito esforço. Nem vai ser necessário sacolejar nas estradas ou pisar no barro; basta procurar por perto.

Depois dessa, só colocando em prática a outra expressão que conheço do latim: “in vino veritas… in cerevisia felicitas“.

0 Comments

  1. cassio augusto disse:

    Meus parabéns pelo excelente artigo Sr. Maurício !

  2. Leonardo Siqueira Hudson disse:

    Prezado Maurício
    Parabéns pelo artigo.
    Regularizar documentos no estado do Pará é praticamente impossivel.

  3. celso de almeida gaudencio disse:

    Prezado Maurício
    Fosse contundente e competente.
    Reaja inteligentemente mesmo a um tratamento não inteligente (Lao-Tsé).
    Aja como se suas atitudes fizessem diferença. Porque elas fazem (Dalai Lama).

  4. Claudio Alberto Zenha Carvalho disse:

    Regularizar documento no Pará é impossível, mas se sair um dinheirinho…….

  5. José Manuel de Mesquita disse:

    Prezado Maurício,

    Acabei de ler seu artigo, apesar de estar publicado há algum tempo…
    Por algum acaso, a coluna “Atualizações Mypoint” desde ontem a noite está relacionando artigos já postados como se novos fossem, motivo pelo qual tomei conhecimento de sua existência, e felizmente me surpreendi com a riqueza de conceitos nele existente.

    Não por acaso, agora começo a entender melhor o que talvez esteja acontecendo…

    Não por acaso, agentes do estado agora tão preocupados com o “bioma amazônico”, estão agindo contra os que resolveram exportar “bovinos vivos”…

    Afinal, como explicar que todos esses animais foram criados em áreas proibidas e nunca foram detectados pelos órgãos responsáveis… Nas quantidades mencionadas, é quase impossível que não se detectasse ilegalidade nas propriedades que os produziram…

    Após tomar conhecimento do artigo na Veja – edição 2.207, pagina 31 – “Holofote”
    A última do Joesley (JBS), chego a conclusão de que deve haver algum dedo no “muito-nacional e de seus dirigentes” no assunto tratado em seu artigo, afinal se não exportarem bois em pé… sobra mais para o mesmo exporta-lo “desmembrado, fatiado, ou mesmo processado”…

    Complicar a vida de quem produz, reduzir eventuais opções de venda, e vender nas condições impostas por eles…

    Só não contavam com a firme oposição mostrada pela Senadora Kátia Abreu…

    Sempre alerta com essa gente, eles não desistem facilmente e voltarão a carga, afinal a dívida com o BNDES é grande e alguém tem que paga-la… como sempre, me parece que o couro do pecuarista ainda não vale nada…

  6. Maurício Palma Nogueira disse:

    Prezado José Manuel,

    Muito obrigado pelo seu comentário relacionado ao meu artigo. É uma enorme satisfação.

    Apesar das posições da diretoria do JBS, não acredito que tenha a ver com essa pressão. Tanto o JBS como os demais são igualmente vítimas de uma postura dogmática e desinformada dos órgãos brasileiros. Uma pena, acho que ainda perderemos muito.

    Atenciosamente,

    Maurício Palma Nogueira
    engenheiro agrônomo