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Indicadores de qualidade em carne

Por Carlos V. M. Peña1

A produção de carne para comercialização deve ter como princípio, o de preservar as condições microbiológicas e sensoriais da carne, garantindo a obtenção de um produto nutritivo e que não ofereça riscos à saúde do consumidor (Picchi, 2004).

Um critério essencial para qualidade de carne é seu status higiênico, que é decisivamente determinado pela presença e atividade de microorganismos (Kaniou, 2001).

Durante o processo de obtenção de carne, seja esta para consumo de in natura ou como matéria-prima para elaboração de produtos cárneos, operações de abate como esfola e evisceração são consideradas pontos críticos de controle, determinando a maior ou menor contaminação da carcaça.

Os animais, quando abatidos, ficam desprotegidos com a desativação do sistema imunológico. Deste modo, ao longo da linha operacional, até a obtenção dos cortes, inevitavelmente, a carcaça entra em contato com diferentes espécies de microrganismos presentes no couro, patas, pêlos, utensílios (facas), equipamentos (mal higienizados), manipuladores (uniformes), água da lavagem, ar do matadouro e, ainda, contato acidental com carcaças sanitariamente comprometidas.

Estes microrganismos são capazes de produzir alterações, bem como veicular doenças, desde que encontradas condições apropriadas para desenvolvimento trazendo como conseqüência, custos elevados para a sociedade, que incluem gastos médico-hospitalares, perda de produtividade pela ausência de trabalhadores nos locais de emprego e até morte prematura.

Assim, a necessidade de implantar e validar sistemas de segurança alimentar destinados ao controle sanitário resulta evidente, ajudando a produzir alimentos que não ponham em risco a saúde dos consumidores, bem como, a reduzir os fatores que interferem na qualidade organoléptica da carne.

A utilização de indicadores higiênicos sanitários visa a avaliar a qualidade do alimento. Com isto, microrganismos indicadores são grupos ou espécies de microrganismos que, quando presentes, podem fornecer informação sobre contaminação de origem fecal, presença de patógenos ou deteriorantes, indicando também condições sanitárias durante processamento, produção ou armazenamento do produto alimentício.

O grupo de coliformes (Escherichia, Enterobacter, Citrobacter e Klebsiella) apresenta por hábitat o trato gastrointestinal do homem e dos animais. Na contagem de coliformes diferenciam-se dois grupos: coliformes totais e coliformes fecais; aqueles, conhecidos como indicadores da qualidade sanitária ou da contaminação de alimentos, evidenciando falhas nas práticas de higiene e sanificação; estes, utilizados como indicadores de contaminação fecal, denotando condições higiênico-sanitárias deficientes. A determinação de ambos os grupos indica a qualidade higiênica em relação a procedimentos de abate, manipulação e armazenamento, segundo Jay (1994), 2,39 log10 UFC.cm-2.

Os microrganismos aeróbios mesófilos constituem o grupo que inclui a maioria de microrganismos acidificantes. Estes têm sido utilizados como indicadores microbiológicos de qualidade, proporcionando uma idéia sobre o tempo de vida útil; apontando matérias-primas contaminadas ou processamento insatisfatório, bem como, tempo e temperatura inadequados durante produção ou armazenamento. Por outro lado, grande número de bactérias patogênicas, de origem alimentar, são mesófilas (crescimento de 30oC a 40oC).

Assim, altas contagens de mesófilos revelam condições favoráveis para o desenvolvimento de patógenos (e.g. Clostridium botulinum, Yersinia enterocolitica, Escherichia coli, Listeria monocytogenes), além de estarem associados com alterações organolépticas do produto (acima de 106 UFC.g-1). Ainda, sua determinação é usada no monitoramento das Boas Práticas de Fabricação (BPF).

Quanto aos microrganismos psicrotróficos (desenvolvimento entre 0oC e 7oC), algumas espécies podem causar modificações organolépticas (odores anormais). Assim, a deterioração de carne armazenada sob temperatura de refrigeração, geralmente, é um fenômeno de superfície, representado pelo gênero Pseudomonas em condições aeróbicas (dotada de atividade proteolítica e lipolítica), e pelo gênero Lactobacillus, quando em condições anaeróbicas (3-5 log10 UFC.cm2, após resfriamento).

Um importante parâmetro de controle que determina o crescimento dos microrganismos é a temperatura. Quanto mais baixa for, menor será a velocidade das reações bioquímicas ou atividade microbiana.

A formação de substâncias de baixo peso molecular (e.g. histamina, tiramina, cadaverina, putrescina), conhecidas como aminas biogênicas, está relacionada com o metabolismo de aminoácidos precursores, associada com as condições de desenvolvimento de microrganismos, entre estes: mesófilos, enterobactérias, Lactobacillus, Micrococcus, Staphylococcus e mais. Estas aminas podem ser consideradas como indicadores do nível de contaminação microbiológica, assim como, ser úteis indicadores da qualidade higiênica da carne e/ou das condições higiênicas na fabricação de produtos cárneos.

A determinação de aminas biogênicas resulta também apropriada para determinar a deterioração incipiente, também usada para avaliar o grau de frescor da carne sendo que, elevadas quantias implicam em carne de limitada qualidade higiênica.

Desta forma uma alternativa aos métodos rotineiros usados na avaliação da deterioração da carne, como determinação microbiológica ou jurado sensorial, é o teste químico. Este reflete as mudanças bioquímicas que ocorrem na carne (Slemr, 1985).

A presença de aminas biogênicas em alimentos é de especial interesse para saúde pública em decorrência aos efeitos fisiológicos e toxicológicos. A histamina (vasodilatador) está frequentemente associada com intoxicação alimentar, inflamação no tecido epitelial, vômitos, enjôo, diarréia, dor de cabeça, etc. Já a tiramina, vasoconstritor, eleva a pressão sangüínea, também envolvida em intoxicações alimentares. Por outro lado, cadaverina e putrescina diminuem a pressão arterial, podendo também potencializar o efeito de outras aminas; ademais, na presença de nitratos, podem reagir, gerando precursores de nitrosaminas, substâncias químicas com efeito mutagênico, neurotóxico, nefrotóxico e cancerígeno.

Surtos de intoxicações alimentares em vários países têm sido associados ao consumo de peixes (atum, bonito, cavala). Além disso, também foram registrados surtos atribuídos a queijo (tipo Gouda, Cheddar, Gruyère). Estes surtos foram atribuídos ao consumo de alimentos contendo histamina e outras aminas.

Apesar dos efeitos deletérios das aminas biogênicas resulta difícil determinar o limiar tóxico destes compostos, devido aos mecanismos de destoxificação apresentarem variações individuais assim como, aos possíveis efeitos sinérgicos potencializando o efeito deletério como: consumo de álcool, medicamentos para o tratamento de depressão e outros. Importante destacar que estratos populacionais como indivíduos imunodeprimidos podem apresentar maior suscetibilidade a aminas biogênicas.

Neste sentido com a implantação do sistema de perigos e pontos críticos de controle na indústria pesqueira, os EUA adotaram limites máximos toleráveis de histamina (50 mg.kg-1) para aceitação do produto, recomendando a adoção de dados científicos, como a presença de outras aminas biogênicas como critério para avaliar o frescor e grau de deterioração do pescado (FDA, 1995). Presença de aminas biogênicas indica quebra na cadeia de frio, assim cuidado especial deve ser tomado durante expedição e transporte.

A Comunidade Européia admite um teor máximo de 10mg/100g em peixes, o Mercosul adotou limite semelhante, outros países têm adotado medidas tecnológicas implantando programas de inspeção para diminuir ou evitar a presença de histamina, dentre delas: controle rigoroso de temperatura, higiene no processamento e uso de culturas iniciadoras no processo de fermentação (Lima, 1999).

Na literatura, existem várias propostas para a adoção de métodos alternativos à análise sensorial e determinação microbiológica de microrganismos indicadores em carne. Assim, Hernández (1997) propõe a soma de cadaverina, putrescina, tiramina e histamina como um índice razoável para avaliar o frescor da carne; bem como sinais incipientes de deterioro, onde valores abaixo de 5 mg.kg-1 indicariam alta qualidade higiênica do produto.

Do mesmo modo, Vinci (2002), sinala a determinação de aminas biogênicas como indicador de qualidade e deterioração incipiente da carne. Esta determinação resulta efetiva ao revelar estágios iniciais de deterioro da carne (embalada, ou não, a vácuo), inclusive, antes de apresentar sinais de deterioro perceptíveis através da análise sensorial ou da análise microbiológica, sendo útil na avaliação de carne transportada/armazenada por longo período (Yano, 1995). É o caso de carne destinada para exportação.

A relação estrita dos alimentos com a saúde pública e seu papel na economia de um país requer a necessidade por padrões sanitários que atendam a qualidade, segurança e redução de transmissão de doenças veiculadas por alimentos.

No país, a RDC-ANVISA no12 (02/01/2001) dispõe sobre os padrões microbiológicos sanitários para alimentos. Portanto, respeitando os critérios de equivalência, a probabilidade de exigência para adoção de limiares de aminas biogênicas para carne e produtos cárneos, por parte dos países importadores pode sinalar uma adaptação da legislação vigente. Esta já é uma realidade para aceitação de pescado pelo mercado externo.

A colonização da carne por microrganismos realiza-se principalmente na superfície. Assim, um procedimento prático para diminuir o teor de aminas biogênicas é lavar o produto apenas retirado da embalagem. A lavagem remove quantias substanciais de aminas, por estas se localizarem principalmente na superfície (Kaniou, 2001).

Referências Consultadas
BRASIL. Ministério da Saúde. ANVISA. Resolução – RDC n° 12 de 2 de janeiro de 2001. Regulamento Técnico sobre Padrões Microbiológicos para Alimentos.

FDA. Decomposition and histamine-Raw, Frozen Tuna and Mahi-Mahi; Canned Tuna; and Related Species; Revised Compilance Policy Guide; Availability. Fed. Regist. 149, 39754-39756,1995.

HERNANDEZ-JOVER, T.; IZQUIERDO-PULIDO, M.; VECIANA-NOGUES, M. T. et alli. Biogenic Amine and Polyamine Contents in Meat and Meat Products. J. Agric. Food Chem. v. 45, p. 2098-2112, 1997.

JAY, J. Microbioogia de los alimentos. Zaragoza. Acribia. 1994.

KANIOU, I.; SAMOURIS, G.; MOURATIDOU, T. et alli. Determination of biogenic amines in fresh unpacked and vacuum-packed beef during storage at 4°C. Food Chemistry. v. 74, p. 275-280, 2001.

LIMA, A. & GLORIA, M. Aminas Bioativas em Alimentos. SBCTA. v. 33, p. 70-79, 1999.

PICCHI, V. Higienização em Estabelecimentos de Abate de Bovinos. Rev. Nacional da Carne. v. 332, outubro 2004.

SLEMR, J., BEYERMANN, K. Concentration Profiles of Diamines in Fresh and Aeribiocally Stored Pork and Beef. J. Aric. Food Chem. v. 33, p. 336-339, 1985.

VINCI, G. & ANTONELLI, M. L., Biogenic amines: quality index of freshness in red and white meat. Food Control. v. 13, p. 519-524, 2002.

VECIANA-NOGUÉS, M. T.; MARINÉ-FONT, A.; VIDAL-CAROU, M. C. Biogenic Amines as Hygienic Quality Indicators of Tuna. Relationship with Microbial Counts, ATP-Related Compounds, Volatile Amines, and Organoçeptic Changes. J. Agric. Food Chem. v. 45, p. 2036-2041, 1997.

YANO, Y.; KATAHO, N.; WATNABE, M. et alli. Changes in the concentration of biogenic amines and application of tyramine sensor during storage of beef. Food Chemistry. v. 54, p. 155-159, 1994.

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1Carlos V. M. Pena é médico veterinário e mestrando em Ciência e Tecnologia dos Alimentos pela UFSM

0 Comments

  1. Bruno de Jesus Andrade disse:

    Caro Carlos,

    Muito interessante esse artigo, obrigado por trazer assuntos novos e de muita importância a nós, visto que o mundo caminha em uma direção que se o Brasil quiser acompanhar, terá que mudar muita coisa.

    Parabéns e até mais.

  2. Elissandra Silva Basilio disse:

    Muito bom este artigo, pois trata-se de um assunto de muita importancia, tranzendo assim conhecimento para o nosso dia dia, a ajudando assim pesquisas na area, como foi o meu caso.

    Parabéns.