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Infecções uterinas em bovinos (parte 1)

Resumo

As infecções uterinas apresentam alta prevalência em rebanhos bovinos. Embora com menor ocorrência em gado de corte, em relação ao gado leiteiro, ainda assim é uma patologia que merece destaque naquele tipo de exploração. A importância econômica se traduz pela redução da rentabilidade da atividade por afetar o desempenho reprodutivo dos animais, aumentar gastos com medicamentos e mão-de-obra e até levar à morte. Em bovinos, as infecções uterinas devem ser divididas em dois grupos: aquelas que afetam o útero durante a fase de involução pós-parto (infecção puerperal) e as que acometem este órgão quando o mesmo já se encontra involuído (infecção pós-puerperal). O primeiro tipo de infecção geralmente tem caráter mais agudo e representa risco concreto de vida ao animal. As infecções pós-puerperais têm um caráter mais crônico e raramente levam a qualquer sintomatologia sistêmica. É importante a diferenciação do tipo de infecção pois, além da gravidade, risco de vida ao animal e curso da doença, aspectos como sintomas, achados e possibilidades de tratamento podem variar. O tratamento desta patologia merece grande atenção por estar relacionado diretamente à saúde pública, pois resíduos de antibióticos utilizados no tratamento são eliminados no leite por um certo período, em que este se torna impróprio para o consumo humano.

Introdução

A eficiência reprodutiva é um dos principais fatores de sucesso na bovinocultura, por estar diretamente relacionada com a produtividade dos rebanhos. Um bom desempenho reprodutivo leva a um maior número de partos ao ano, aumentando o número de crias, que podem ser comercializadas ou aproveitadas no plantel, como reposição, acelerando o melhoramento genético.

São inúmeras as condições que interferem na eficiência reprodutiva dos bovinos. Os distúrbios no período pós-parto têm uma grande importância neste contexto, pois podem afetar a vida reprodutiva do animal. O estabelecimento de uma nova gestação depende do reinício da atividade ovariana (Ferreira, 1991), além de um ambiente uterino apropriado para receber o novo produto da concepção (Loeffler et al., 1999). Segundo Sreenan & Diskin (1987), a fecundação ocorre em 90% dos casos após a monta natural ou inseminação artificial. Porém, apenas 60 a 70% destes zigotos formados terão desenvolvimento a termo. Boa parte das perdas deve-se a um ambiente uterino inadequado para o desenvolvimento inicial da gestação, mesmo antes da implantação, provocado por diversos fatores, como alterações nos padrões de secreção uterina, decorrentes de condições ambientais inadequadas e modificações conseqüentes de infecções uterinas; problemas metabólicos relacionados à nutrição, e distúrbios hormonais. Devido à elevada ocorrência e os efeitos deletérios à performance reprodutiva, as infecções uterinas merecem diagnóstico e tratamento efetivos.

Um tratamento ideal deveria constar de uma droga amplamente disponível no mercado, ter custo reduzido, ser de fácil aplicação, ser eficiente, reduzir os riscos de vida, promovendo a cura rapidamente e permitindo ao animal o estabelecimento imediato da gestação, e apresentar o mínimo possível de tempo de eliminação de resíduos no leite, reduzindo as perdas com o descarte do produto e diminuindo os riscos à saúde humana.

Revisão de literatura

Os problemas uterinos após o parto são relativamente comuns, principalmente quando ocorre algum distúrbio com a parturiente, como retenção dos anexos fetais, capaz de elevar consideravelmente a incidência de infecções uterinas após o parto (Fernandes et al., 1998; Fernandes, 1999; Fernandes et al, 2000; Mitev et al., 2000).

Além dos problemas ao parto, como distocias, retenção de placenta e outros, a incidência de infecção uterina está relacionada com variáveis ambientais, principalmente a temperatura e umidade relativa elevadas (Fernandes et al., 1998), tipo de manejo dos animais (Waltner et al, 1993), prevalência de doenças infecto-contagiosas como rinotraqueíte infecciosa bovina (IBR), leptospirose e brucelose (Dhaliwal, et al. 1996; Lewis, 1997), aspectos nutricionais (Studer, 1998; Loeffler, et al. 1999), ou quando a monta natural ou inseminação artificial não se processa com a adequada higiene (Noakes et al, 1991).

Nos casos de infecção uterina, em geral, não há possibilidade de estabelecimento ou manutenção de uma nova gestação, havendo morte dos gametas ou embrionária e retorno do animal ao estro. Dependendo da gravidade do processo, ou seja, quando ocorrem lesões capazes de alterar a produção de PGF2a pelo endométrio, a sintomatologia característica seria o anestro (Ferreira et al., 2000).

As infecções uterinas são citadas geralmente como causas de baixa performance reprodutiva (Fernandes, 1999, Loeffler et al.,1999; Ferreira et al., 2000). Por ser de alta prevalência, esta patologia ganha em importância pelos efeitos nefastos que produz na performance reprodutiva e na saúde dos animais. Os efeitos danosos relacionados à reprodução ocorrem devido ao atraso no retorno à normalidade do útero (atraso na involução) após o parto o que traz como conseqüência um maior período de serviço.

Wassmuth et al. (2000) citam que a herdabilidade da ocorrência de infecção uterina é baixa, variando entre 3 e 14%, indicando os fatores do meio como principais condições predisponentes. A repetibilidade da ocorrência de infecção uterina em diferentes partos é citada como pequena, cerca de 25%, segundo Mantysaari et al. (1993). De acordo com os resultados destes trabalhos pode-se concluir que os principais fatores predisponentes à ocorrência de infecção uterina estão relacionados ao ambiente.

Miller & Dorn (1990), num trabalho de avaliação dos prejuízos ocasionados pela infecção uterina em vacas leiteiras, estimaram uma perda média de US$45,00 por animal afetado, conseqüência de redução de fertilidade, gastos com medicamentos, queda na produção e descarte de leite dos animais tratados. Em gado de corte, talvez o prejuízo possa ser menor, em decorrência da não necessidade de eliminação do leite, porém os outros prejuízos seriam semelhantes.

Em bovinos, as infecções uterinas precisam necessariamente ser classificadas quanto ao seu tipo. Esta classificação leva em consideração se já ocorreu a total involução uterina pós-parto. Esta característica é importante pois vai nortear o prognóstico, a característica do quadro (agudo ou crônico) e as formas de tratamento.

1) Infecção uterina puerperal

A infecção uterina puerperal é aquela que acomete o útero durante a sua fase de involução. Nesta fase, a infecção uterina tem caráter agudo. Merece intervenção rápida, pois existe risco inclusive de morte do animal. Apresenta ocorrência variável, de 6 a 25%. Freqüentemente, acompanha casos de retenção de anexos (placenta), distocias, auxílio ao parto ou outros distúrbios com a parturiente (Fernandes, 1999; Fernandes et al., 2000). Animais com condição corporal ruim ao parto também são acometidos com maior freqüência (Fernandes et al., 1998; Wassmuth et al., 2000).

Para a vaca, puerpério tem sido definido como o período que vai do parto até o aparecimento do primeiro estro no qual nova gestação possa ser estabelecida, o que implica em completa involução uterina e retorno da atividade endócrina, com plena reativação e sincronia do eixo hipotálamo-hipófise-ovário, que permita crescimento folicular, estro, ovulação, concepção, desenvolvimento do corpo lúteo e gestação (Malven, 1984, Marques Júnior, 1993). Outros autores definem a fase puerperal como a fase de involução uterina. Para fins meramente práticos, adota-se esta última classificação, para abordagem do tipo de infecção.

Figura 1: Útero de vacas em diferentes períodos pós-parto

Não existe sincronia entre o início da atividade ovariana, que se reinicia e pode estar completa em torno de duas a três semanas após o parto, e a involução uterina, que parece estar completa em torno de 35 dias após o mesmo (Noakes, 1988; McEntee, 1990). Segundo Marques Júnior (1993), o período puerperal é dos mais importantes no contexto do manejo, por representar o período de maior vulnerabilidade do animal a problemas que afetam a fertilidade futura e a eficiência reprodutiva.

A vaca tem um tipo de involução do útero bastante complexa, em parte devido ao tipo de placenta presente nesta espécie. Após a parição, os cotilédones fetais se separam das carúnculas maternas. A massa uterina, logo após o parto normal, pesa aproximadamente 10kg, caindo para 0,7-0,8 kg até a 6ª semana após o parto, quando ocorre uma involução total. Assim, no período logo após o parto observa-se uma mudança na massa do tecido uterino de mais de 10 vezes o seu tamanho (Kask et al., 1999).

Os microrganismos encontrados em animais com infecção uterina puerperal são de diversos tipos (flora bacteriana mista). Geralmente são agentes oportunistas presentes no meio ambiente, que após a inoculação e devido a fatores predisponentes (calor e nutrientes), se instalam e se desenvolvem rapidamente no útero, causando a infecção. Neste período, o útero está repleto de sangue e outros líquidos que funcionam como excelente meio de cultura para as bactérias. A inércia uterina é favorecida pelo processo inflamatório que, por sua vez, fornece condições para a multiplicação dos agentes (Noakes et al., 1991).

Segundo Fernandes et al. (2000), a infecção uterina puerperal tem 3 tipos de evolução. O animal pode se curar do processo, pode evoluir para um quadro de infecção pós-puerperal, que é a situação mais freqüente, ou ir a óbito. Esta última condição geralmente é ocasionada por toxemia e/ou bacteremia. A morte é possível, e não rara, pois no período de involução, a capacidade de absorção uterina está muito aumentada, o que eleva o risco das toxinas ou mesmo das bactérias chegarem facilmente à corrente sanguínea.

Os efeitos danosos incluem retardo no reinício da atividade ovariana cíclica e involução uterina, redução no escore corporal, maior incidência de infecções uterinas pós-puerperais, e aumento no número de serviços por concepção (Francos & Mayer, 1988; Werven et. al. 1992, Fernandes, 1999). Quando o animal não vem a óbito, os efeitos na reprodução decorrem de duas situações principais: retardo na involução e uma maior contaminação uterina (Fernandes, 1999).

O aparecimento de sintomatologia sistêmica não é raro. Febre e/ou anorexia são os sinais mais observados (Markusfeld & Ezra, 1993; Cohen et. al., 1996). Estas situações são mais freqüentes nos casos de infecções puerperais, ou seja, aquelas que acometem o útero durante a fase de involução pós-parto.

Uma das principais situações que levam à infecção uterina puerperal é a retenção de placenta (Figura 2). Esta condição normalmente resulta de alterações na sua liberação normal dos placentomas ou de inércia uterina, sendo que ambas as condições possuem várias causas, segundo Santos & Marques Júnior (1996). Quando a placenta não é expulsa dentro de 48 horas, esta sofre uma progressiva putrefação e um processo de liquefação. Estes processos predispõem a multiplicação das bactérias que, juntamente com a putrefação dos anexos fetais, diminuem a atividade do miométrio, levando à inércia uterina (Peter & Bosu, 1988). O processo normal de involução uterina pode ocorrer mesmo na presença de uma certa contaminação bacteriana, que em condições normais, é eliminada dentro de 2 a 3 semanas quando a população não é exagerada (Al-Sadi et. al., 1994). Segundo Cohen et. al. (1996), a proliferação excessiva de bactérias leva à infecção, retardando a involução do útero, que é imprescindível para o restabelecimento dos ciclos estrais. Um fator agravante é que, segundo Joosten & Hensen (1992), o principal mecanismo de defesa uterina, a fagocitose bacteriana, está diminuída em casos de retenção de placenta. Estes autores relatam que esta atividade está diminuída mesmo antes do parto, o que indica ser uma causa, e não um efeito, da retenção.

Figura 2: Retenção de placenta, uma das principais causas de infecção uterina puerperal

A presença da placenta retida, intervenções obstétricas e outros distúrbios favorecem a entrada de um maior número de microrganismos para a luz uterina. Estes agentes, durante a multiplicação, produzem substâncias responsáveis por um processo inflamatório na parede uterina, o que retardaria a involução. Freedman (1994) e Fernandes (1999) citam que animais que tiveram retenção de placenta aos 30 dias pós-parto, apresentaram uma incidência de infecção uterina maior em relação aos animais com parto normal.

Ao exame clínico, os principais achados estão relacionados a um animal no período pós-parto, que pode ou não exibir sinais sistêmicos de infecção. O útero está aumentado de volume, caído na cavidade abdominal, apresenta conteúdo líquido no interior, fétido e possui parede espessada e friável. Neste período, não há atividade ovariana. Esta situação não é decorrente da infecção, mas do período pós-parto em questão (Fernandes et al., 2000).

Figura 3: Útero de uma vaca com infecção puerperal

Os sintomas principais incluem descarga vaginal purulenta, sanguinolenta, fétida (figura 4) e presença de crostas nos pêlos da região perineal e cauda. O animal pode apresentar contrações abdominais visando à expulsão do material. Quando o processo não está mais restrito ao útero, são observados os sinais sistêmicos como hipertermia, prostração, anorexia. Caso o animal não seja rapidamente tratado, são possíveis perturbações digestivas, como timpanismo. O quadro final, quando o tratamento não vem a tempo ou não é adequado, é a morte, que geralmente ocorre por toxemia e/ou bacteremia.

O histórico reprodutivo, principalmente o tempo decorrido do parto e condições do mesmo, são de vital importância para o diagnóstico. Estas informações devem ser obtidas antes do exame do animal. De posse destes dados, proceder a um exame clínico geral, pois não são raras as manifestações sistêmicas. Inspecionar e anotar a condição corporal, e proceder a um exame de palpação retal a fim de verificar o grau de involução uterina e a presença e aspecto do conteúdo. Se necessário, realizar vaginoscopia, quando o exame de palpação retal não fornecer dados suficientes para constatar a presença da infecção (Fernandes et al 2000; Fernandes et al, 2001).

Figura 4: Vaca com infecção uterina puerperal

Segundo a literatura, um bom tratamento deveria controlar a proliferação bacteriana, evitando sinais sistêmicos de infecção e dar condições para que a involução uterina se processe sem maiores anormalidades, auxiliando com isto na remoção do material contaminado. As drogas para tratamento desta condição, ou seja, uma infecção de curso agudo, causada por uma flora mista, e que depende de tratamento rápido e eficiente, devem apresentar amplo espectro de ação, formação de níveis circulatórios rapidamente após a aplicação, e difícil aparecimento de cepas resistentes (Fernandes, 1999; Fernandes et al., 2000). A eficiência dos tratamentos deveria ser mensurada pela cura clínica, mas também pela fertilidade futura dos animais, visto que as condições decorrentes da infecção uterina poderiam interferir na vida reprodutiva futura dos animais afetados.

Quando a infecção uterina já está instalada, principalmente quando o animal apresentar sintomatologia sistêmica, é necessária a aplicação de antibióticos de largo espectro por pelo menos 5 dias. Vários autores relatam sucesso do tratamento de infecções puerperais com uma única aplicação sistêmica de antibióticos em veículos de liberação lenta, para tratamento de infecções puerperais, quando esta aplicação é feita logo após a ocorrência de um distúrbio ao parto, antes de uma maior proliferação bacteriana (Fernandes et al, 2000; Fernandes & Granja Jr, 2001).

O tratamento com antibioticoterapia parenteral associado a análogos sintéticos da prostaglandina fornece ótimos resultados, por combater as duas situações nefastas relacionadas à infecção puerperal (tabela 1). Os antibióticos controlam a proliferação bacteriana e as prostaglandinas favorecem a involução uterina (Fernandes, 1999).

Tabela 1. Eficiência do tratamento de infecções uterinas puerperais decorrentes de retenção de placenta com oxitetraciclina associada ou não ao cloprostenol

O trabalho mostra que a associação do antibiótico com a prostaglandina foi benéfica ao promover uma involução uterina mais rápida e com isto favorecer a eliminação dos agentes e o retorno à atividade reprodutiva pós-parto.

Vários trabalhos (Markusfeld & Ezra, 1993; Kask et al,1998), citam a utilização somente de prostaglandinas para tratamento de animais com infecção puerperal. Segundo estes autores, a não aplicação de antibióticos se deve ao fato de evitar descarte de leite, pela presença de resíduos. Porém, nestes casos de utilização somente de prostaglandinas, o animal deve ser monitorado quanto à temperatura corporal pelo menos duas vezes ao dia. Caso a temperatura eleve, é um sinal que o processo infeccioso não está mais restrito somente ao útero, sendo necessário, nesta situação, a utilização de antibióticos via sistêmica. No caso de gado de corte, como não existe a necessidade de eliminação do leite, a restrição ao uso de antibióticos, via sistêmica, não deve ser considerada de forma enfática.

Vários trabalhos (Fernandes , 1999; Fernandes et al., 2000; Fernandes & Granja Jr, 2001; Fernandes et al., 2001) mostram que o tratamento imediato com antibióticos em preparações de longa ação, de distúrbios ao parto que condicionam o aparecimento de infecções puerperais, pode reduzir consideravelmente a intensidade dos sintomas sistêmicos, o risco de morte e as seqüelas do processo de infecção uterina que, neste período, está se instalando.

O tratamento local (infusões uterinas) não é recomendado nesta fase. Na fase puerperal, o útero encontra-se muito volumoso, bem vascularizado, e com uma grande capacidade de absorção de substâncias. Por estas condições, mesmo que se colocasse certa quantidade de antibiótico no interior do útero, não haveria como preencher toda a extensão interna do órgão, além da droga rapidamente passar para a corrente sangüínea (Kask et al., 1998; Fernandes, 1999).

Independente do tratamento pelo qual se opte, o animal deve ser reavaliado 15 a 30 dias mais tarde antes de retornar a reprodução. Uma das evoluções mais comuns é a infecção pós puerperal, que também carece de tratamento.

O controle da ocorrência da infecção uterina puerperal depende de medidas que visam evitar a ocorrência dos fatores predisponentes. Dentre elas, pode-se citar a correção nutricional visando uma boa condição corporal ao parto (Figura 5); programação de partos em locais pouco contaminados, controle das condições de estresse peri-parto e rápido tratamento de qualquer distúrbio com a parturiente, como retenção de placenta, distocias, auxílio ao parto e outros.

Figura 5. Vacas com uma boa condição corporal ao parto estão menos sujeitas à infecção pós-parto

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E-mail do autor: cacf@biotran.com.br

1 Comment

  1. feliciomanoel araujo disse:

    quero agradecer pela elaboraçao desta matéria,ao qual veio a me exclarecer sobre infecçoes puerperal,parabens pela matéria!