Grandes compradores de carnes, como restaurantes e varejistas, estimulam inovações em segurança na indústria de carnes
As recentes inovações da indústria de carnes dos Estados Unidos visando melhorar a segurança alimentar abrangem vários aspectos, como novos testes de patógenos, equipamentos de alta tecnologia e sistemas de gerenciamento da oferta até novas redes de vigilância. A inovação, juntamente com a sua difusão através da reprodução destas medidas em outras companhias, ajuda a reduzir os custos com a segurança alimentar e a aumentar as opções aos consumidores. Com a inovação, os consumidores podem escolher melhor o nível de segurança que desejam.
Apesar de as inovações no campo da segurança alimentar serem desejáveis, os processadores de carnes enfrentam desafios especiais que enfraquecem seus incentivos para investir nas melhorias de segurança dos alimentos. No entanto, algumas redes de restaurantes e grandes varejistas estão estimulando os frigoríficos a superar estes desafios. Estes grandes e experientes compradores de carnes estão preparando o ambiente e reforçando os padrões de segurança, criando mercados para a segurança dos alimentos. Como resultado disso, eles estão direcionando aumentos nos investimentos em segurança alimentar através da rede de fornecimento de carnes nos Estados Unidos.
Fracos incentivos
Em uma pesquisa conduzida durante 50 anos, economistas dos EUA descobriram que a “apropriabilidade”, ou seja, a capacidade de controlar e explorar os benefícios da inovação, tem um papel essencial na inovação. Uma firma investirá em inovação de segurança alimentar somente se esperar colher benefícios, como aumento nas vendas, preços especiais para alimentos mais seguros, aumento na eqüidade das marcas, lealdade dos consumidores, redução de custos de recolhimentos de produtos e redução de responsabilidade.
Infelizmente os produtores de carne têm tido dificuldades de se apropriar dos benefícios das inovações de segurança porque a melhoria na segurança alimentar é um atributo difícil de vender aos consumidores. Para a maior parte das pessoas, a segurança alimentar é um atributo de crédito, significando que os consumidores não podem avaliar a existência ou a qualidade do atributo antes de comprar, ou até depois que eles consumiram o produto. Os consumidores não podem geralmente determinar se o alimento foi produzido com os melhores ou os piores procedimentos de segurança ou se o alimento apresenta algum risco para a saúde. Por exemplo, os consumidores não podem detectar pela inspeção, pelo cheiro ou pelo preço se uma carne está contaminada com o agente causador da encefalopatia espongiforme bovina (EEB).
As companhias de alimentos têm comercializado com sucesso uma longa lista de produtos envolvendo atributos de crédito. Por exemplo, as companhias promovem seus produtos orgânicos ou não manipulados geneticamente e desenvolveram uma série de maneiras, como por exemplo, a certificação, para verificar essas credenciais. No entanto, na área de segurança alimentar, os produtores estão agindo lentamente na adoção destes mecanismos de verificação ou em promover seus procedimentos de segurança.
Uma das razões disso pode ser o fato de que, ao promover seus registros de boa segurança alimentar e, desta forma, revelar piores registros de segurança de seus competidores, as companhias estariam revelando informações gerais dos alimentos que podem alarmar os consumidores. As empresas temem que os consumidores não reajam bem diante de afirmações do tipo “nossa contagem de Salmonella é 50% menor do que da marca concorrente”. Os produtores de carne podem decidir que, apesar deste tipo de publicidade poder diferenciar seu produto de outros com pior qualidade, qualquer menção pública aos riscos de segurança poderia afastar os consumidores.
Além disso, as companhias podem querer evitar garantias específicas de segurança que poderiam expô-la a uma maior responsabilidade. Não é fácil garantir a segurança alimentar, particularmente no caso de contaminação por patógenos. Ainda que produtores cuidadosos possam reduzir bastante seus riscos, eles também podem sofrer problemas de segurança alimentar. Desvios de procedimentos planejados, incertezas com relação à contaminação de entrada, não funcionamento de equipamentos, fatores relacionados aos funcionários, crescimento posterior de patógenos e variabilidade de amostras, podem contribuir para potenciais brechas na segurança.
Finalmente, alguns produtores de carne podem não investir na segurança alimentar na produção porque não têm experiência técnica ou sabem que a probabilidade de serem pegos no caso de uma doença transmitida por alimentos é pequena. Por exemplo, uma pessoa que adoece após comer carne moída contaminada não pode ter certeza de que o hambúrguer lhe causou a intoxicação. O período de um a cinco dias entre a ingestão e o surgimento de sintomas dificulta a detecção do alimento causador da doença. Estas incertezas reduzem os riscos de descoberta da companhia que tinha falhas em seus procedimentos de segurança.
Mercados para segurança alimentar
O que aconteceu na última década que estimulou a inovação da segurança alimentar? Em primeiro lugar estão os requerimentos mais rígidos para controle de patógenos demandados por grandes compradores de carnes, que criaram mercados para a segurança alimentar através de sua habilidade de reforçar os padrões de segurança com testes e auditorias de processos e ao recompensar os fornecedores que estavam de acordo com os padrões de segurança e punir os que não estavam. Essas companhias são chamadas de “capitães de canal” – compradores experientes que monitoram os altos e baixos da segurança de sua cadeia de fornecedores. Através de contratos com estes capitães de canal, os processadores de carnes estão mais aptos a se apropriar dos benefícios de seus investimentos em novas tecnologias de segurança alimentar.
Dois estudos de caso e uma pesquisa nacional em processadores de carnes nos EUA mostram o papel destes compradores experientes em criar um mercado para a segurança alimentar e direcionar inovações.
Estudo de caso: Jack in the Box
Depois da morte de várias crianças em 1993 por causa de um intoxicação por E.coli O157:H7 causada por carne bovina moída contaminada, a rede de fast food Jack in the Box cancelou todos os seus contratos com fornecedores de hambúrgueres, exigiu novas garantias de segurança e solicitou que as companhias de carnes trabalhassem com eles para garantir a segurança em seus hambúrgueres. Diante disso, a Texas American Foodservice Corportation foi uma das duas companhias que responderam ao desafio. A empresa, maior fornecedora de hambúrgueres para redes de fast food, desenvolveu um sistema de amostragem e testes para carne bovina moída e hambúrgueres para patógenos microbianos. A Texas American colaborou com a companhia farmacêutica DuPont, que desenvolveu um sistema superior para detectar a E.coli O157:H7 como causa de doença em humanos. O sistema de detecção da DuPont usa a tecnologia da Reação em Cadeia da Polimerase (PCR), que é mais rápida e mais confiável do que os métodos tradicionais de testes microbiológicos. A Texas American e a DuPont trabalharam juntas para aplicar a tecnologia de PCR à carne bovina moída.
A Texas American também desenvolveu um protocolo de amostragem para seu novo sistema. Os protocolos de amostragem são críticos no manejo dos riscos de patógenos porque, apesar do teste de todos os produtos não ser economicamente viável, é necessário testar um número suficiente de produtos para administrar os riscos a um nível aceitável. A Texas American testa amostras em três locais da planta: na entrada da carne bovina, na produção de carne moída no final do processo de moagem e na produção de hambúrgueres. As amostras são coletadas em intervalos de 15 minutos e os fornecedores são notificados se algum patógeno for detectado. Além disso, a temperatura de entrada da carne bovina precisa ser de 40 graus Fahrenheit (4,44oC) ou menos, e toda carne precisa ser moída dentro de cinco dias depois que a carcaça é separada em cortes. Testes aleatórios verificam a eficácia dos procedimentos sanitários da Texas American.
A emergência de compradores tecnicamente experientes e o desenvolvimento de um mercado para hambúrgueres mais seguros permitiu que a Texas American se beneficiasse de seus investimentos em segurança alimentar. A empresa evoluiu de um produtor de commodities dependente do mercado spot para um fornecedor de contrato. Um fornecedor de contrato sabe quanto produto será distribuído em datas determinadas e pode planejar seus estoques e sua programação de produção de acordo com isso. Esta mudança permitiu que a Texas American melhorasse sua eficiência operacional através de um melhor planejamento da capacidade de utilização, investimentos de capital, planejamento de gastos e outras atividades de negócios. A Texas American também está apta a usar sua experiência no controle de patógenos para atrair novos clientes. A empresa estima que de 25-30% de suas novas vendas entre 1998 e 2001 ocorreram devido a seus novos sistemas de segurança.
Estudo de caso: Frigoscandia Equipment
O desenvolvimento e a comercialização do sistema de pasteurização a vapor de carne bovina da companhia Frigoscandia Equipment ilustra o efeito propagador que a emergência de mercados para segurança alimentar pode ter em toda a cadeia de fornecimento de carnes.
Em 1993, a Frigoscandia Equipment, companhia sueca de refrigeração, projetou um sistema para reduzir o nível de microrganismos, particularmente patógenos, na superfície de carcaças de carnes usando vapor. O uso de vapor par matar patógenos não foi novo, mas a aplicação na carne bovina sim. Uma cabine de aço inoxidável foi instalada no final da linha de abate, logo antes das carcaças entrarem no refrigerador. Dentro da cabine, um cobertor de vapor mata os patógenos da superfície da carne bovina. Esta, limpa, entra no refrigerador, para depois serem feitos os cortes.
Para reduzir os riscos de comercialização e adaptar melhor a invenção às necessidades da indústria de carne bovina, a Frigoscandia Equipment fez uma parceria com a Excel, segundo maior frigorífico de carne bovina dos EUA. Com a experiência da Excel na operação de plantas de empacotamento de carne bovina, a inovação pode ser testada em estabelecimentos grandes e de alta velocidade para criar uma nova tecnologia comercialmente viável. A Frigoscandia e a Excel pediram então para os microbiologistas da Universidade do Estado de Kansas testar independentemente a performance de redução de patógenos do equipamento. A equipe da Universidade descobriu que a pasteurização a vapor era o método de controle mais eficiente já estudado na redução de bactérias patogênicas da superfície da carne bovina oriunda de animais recém-abatidos.
Depois de receber a aceitação da tecnologia pelo Serviço de Inspeção e Segurança dos Alimentos (Food Safety and Inspection Service – FSIS), do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) em 1995, a Frigoscandia Equipment começou a comercializar seu equipamento. A empresa se beneficiou desta inovação com as fortes vendas.
Em 1997 a Excel instalou o equipamento em todas as plantas de abate de bovinos e a IBP, maior frigorífico de carne bovina dos EUA, anunciou sua intenção de instalar o equipamento em suas plantas. A Excel se beneficiou com sua precoce colaboração com a Frigoscandia se posicionando como líder em segurança alimentar, além de ter obtido um aumento nas vendas de carne bovina e em seus contratos.
Pesquisa nacional confirma importância de especificações dos compradores
Ambos os estudos de caso mostram a importância dos capitães de canal na criação de mercados para segurança alimentar e no impulso à inovação. Mas como expandir este fenômeno em toda a indústria de carnes?
Uma pesquisa nacional feita nas plantas de abate e processamento de carnes dos EUA foi conduzida pelo Serviço de Pesquisa Econômica (Economic Research Service – ERS) e pela Universidade do Estado de Washington. A pesquisa continha 40 questões sobre tecnologias e práticas de segurança alimentar em cinco categorias: equipamentos, testes, retirada do couro (para plantas de abate de bovinos), higiene e operações da planta (incentivos a funcionários por detectarem falhas na segurança).
Um índice de zero a um foi criado para classificar o uso de tecnologias e práticas de segurança nos estabelecimentos de carnes. As plantas ganhavam classificações altas se tinham equipamentos sofisticados de segurança, conduziam testes de patógenos mais abrangentes ou empregavam mais operações intensivas de higiene. Os dados revelam uma ampla variação nas práticas de segurança alimentar nas plantas dos EUA.
Os índices de segurança alimentar são consideravelmente mais altos em todas as cinco categorias de segurança para companhias que enfrentam especificações sobre controle de patógenos de seus compradores do que para aquelas que não enfrentam. Por exemplo, plantas que disseram que seus produtos precisam se adequar a rígidos requerimentos dos compradores, incluindo compradores estrangeiros, tiveram classificação de 0,77 para testes, enquanto que aquelas que não tinham que se adequar a requerimentos de compradores tiveram classificação de 0,35. Estes resultados apóiam o que foi visto nos dois estudos de caso. Os compradores que pagam um preço prêmio ou uma garantia de vendas para padrões mais altos de segurança permitem que os fornecedores se beneficiem de investimentos em tecnologias de segurança alimentar.
Em todas as cinco categorias, o índice de segurança alimentar foi marcadamente maior em companhias exportadoras do que naquelas que não exportam, sugerindo que os compradores estrangeiros estão impondo requerimentos de segurança e agindo de forma semelhante aos grandes compradores domésticos. As diferenças nos índices são maiores para equipamentos, testes e tecnologias de retirada do couro do que para higiene e operações da planta.
Grandes compradores também se beneficiam
A emergência de grandes e experientes compradores está ajudando a criar mercados para a segurança alimentar e a estimular inovações neste sentido. A questão é porque eles estão fazendo isso, o que eles ganham com isso. As grandes redes de restaurantes e varejistas são capazes de se apropriar de alguns dos benefícios de seus investimentos porque aumentam sua reputação em segurança alimentar. Mais importante ainda as empresas se beneficiam destes investimentos através da redução dos riscos associados com doenças transmitidas por alimentos.
Isso é duplamente importante para restaurantes, que tendem a ter um maior risco de responsabilidade do que outros fornecedores de carne porque são mais facilmente identificados do que outros e porque são responsáveis pela preparação do alimento final. Além disso, restaurantes e redes de varejo têm muito a perder se forem identificados como fonte de um surto de doença alimentar, especialmente seus grandes investimentos na integridade de suas marcas.
O papel do governo
O sucesso das redes de restaurantes e varejo que estimulam as inovações no setor de segurança alimentar mostra a importância da informação na performance de segurança. Neste sentido, uma política governamental objetivando aumentar a informação sobre produtores seguros e não seguros poderia ajudar a estimular a inovação. O Governo Federal, por exemplo, poderia publicar mais informações sobre segurança alimentar referente à performance de plantas individuais e seus produtos, permitindo assim que os consumidores e os compradores comerciais comparem os registros de segurança. Rótulos aprovados pelo governo como “Segurança Alimentar Aprimorada” seriam uma dica adicional aos consumidores. Esta informação aumenta a visibilidade dos inovadores em segurança, permitindo que eles se apropriem dos benefícios de seus investimentos.
Bibliografia consultada
Serviço de Pesquisa Econômica (Economic Research Service – ERS) do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), adaptado do artigo “Savvy Buyers Spur Food Safety Innovations in Meat Processing” (Elise Golan, Tanya Roberts e Michael Ollinger)