Por Francisco Fido Fontana1
Uma nova maneira de fazer rotação de culturas ou um novo jeito de reformar pastagens? Na imensidão pecuária do Brasil existem alguns dizeres que podem resumir o desejo de todo pecuarista, “boi não pode tomar vento na canela” e “raça entra pela boca”. É um resumo bem curto da importância das pastagens na alimentação de 180.000.000 de cabeças bovinas e cerca de 20.000.000 de ovinas.
Por outro lado já dizia Henry Ford no início do século XX no seu livro Caminho da Prosperidade : “Só se pode falar de agricultura quando se conserva a fertilidade do solo.Se ela diminui com as sucessivas colheitas, o nome que lhe corresponde é mineração”. E isto me lembra outro ditado rural “Existem duas coisas que não se consegue enganar, Deus e o Solo”.
Para abordagem do tema acima é necessário responder de antemão a pergunta colocada: rotação de cultura ou reforma de pastagens? Esclarecendo que não é uma coisa nem outra, tratando-se sim de um sistema de produção que não deve ser encarado somente do ponto de vista da Tecnologia de Produto e sim da Tecnologia de Processo (ou de Conhecimento) pois engloba diversas relações entre solo-clima-planta-animal.
Devemos nos lembrar que o paradigma do desenvolvimento sustentável não é uma utopia somente benéfica e desejável, mas uma forma de aproveitamento dos solos em benefício da sociedade através da utilização dos recursos do Bioma, porém sem agredí-lo. A construção deste modelo tecnológico é resultado de pesquisas equilibradas e oportunas, pois o que se buscou foi a complementação do modelo da revolução verde.
Revolução Verde foi o termo usado pelo agrônomo norte americano Norman Borlaugh, prêmio Nobel da Paz de 1970 para designar alternativas tecnológicas rurais como uso de sementes melhoradas, adubos químicos e defensivos agrícolas numa agricultura mais intensiva que o modelo convencional, tal programa ajudou a salvar da fome milhões de habitantes do mundo, em especial da Ásia e da África.
Mas em regiões de clima tropical e com solos mais frágeis, o que se notava após alguns anos deste modelo estar a prova, era o aumento da erosão, do assoreamento dos rios e imensas nuvens de poeira na época do preparo do solo. Tais fatos punham a prova não somente a sobrevivência financeira dos protagonistas deste enredo (os agricultores) como também da própria humanidade (teoria maltusiana).
Alguns agricultores do Paraná notadamente da região dos Campos Gerais, com destaque Nonô Pereira e Frank Djikstra, que não queriam continuar a produzir erosão e prejuízos, buscaram ser protagonistas do seu próprio futuro e diligentemente com apoio técnico da Fundação ABC (Arapoti, Batavo e Castrolanda) de Pesquisa, iniciaram o desenvolvimento da tecnologia do Plantio Direto na Palha, visando o controle da erosão. Como muitas vezes acontece, atiraram no que viam e acertaram num monte de coisas que não haviam visto.
A visão que na época não tiveram era que ao deixar resíduos das culturas anteriores sobre o solo, eles estavam não somente evitando o escorrimento superficial e o impacto das gotas de chuva no solo (ou seja o princípio da erosão); mas também estavam aumentando a quantidade de matéria orgânica no solo, diminuindo a amplitude térmica e a evapotranspiração, aumentando a quantidade de microorganismos (bactérias, fungos, etc.) e macroorganismos (minhocas, corós, besouros, cupins, formigas, etc.) no solo e como conseqüência diversos processos ocorriam no ecossistema dos solos.
Podemos citar que a decomposição é o processo chave, pois disponibiliza nutrientes (mineralização) para o crescimento das plantas; fora isto devido ao processo de humificação (criação de húmus) são formados colóides negativos que aumentam a capacidade de reter cátions como o cálcio e o magnésio.
Estes organismos do solo não alteram somente as características químicas do solo pela decomposição mas modulam fortemente também as características físicas do mesmo. Pois sua movimentação aumenta a porosidade e com isto aumenta a capacidade de retenção de água e troca de gases. Então ao introduzir o plantio direto na palha em nossas propriedades rurais, com um correto manejo da palhada, estaremos otimizando a decomposição, ciclagem de nutrientes e formação de agregados estáveis.
Tudo isto torna o Plantio Direto uma alternativa sustentável para a produção de soja e milho. Só que para entrar neste sistema e mantê-lo viável são necessários alguns pré-requisitos: correção da fertilidade do solo (calagens, fosfatagens e correções de potássio) pois a autogênese dos elementos minerais ainda não existe, com a honrosa exceção do nitrogênio obtido da atmosfera pelas associações simbióticas com as raízes das leguminosas; a outra condição sine qua non é a Rotação de Culturas.
Iremos nos deter por alguns instantes na rotação de culturas e na sua importância para o sistema de plantio direto.
A monocultura ou mesmo o sistema contínuo de sucessão do tipo milho safrinha/soja; trigo/soja; aveia/soja, tendem a provocar degradação das características físicas e químicas do solo e conseqüente queda da produtividade das culturas; além de proporcionar condições ideais para propagação e perpetuação de doenças, pragas e plantas daninhas.
A rotação de culturas consiste na alternância de culturas cujas características se complementem através dos anos, por exemplo gramíneas são recicladoras de potássio e exportadoras de nitrogênio, leguminosas são produtoras de nitrogênio (via simbiose) e extratoras de potássio. Além disto as gramíneas dispõem de raízes tipo cabeleira e as leguminosas do tipo pivotante, ou seja extraem os nutrientes do solo para seu crescimento a diferentes profundidades no perfil, o que faz com que a reciclagem de nutrientes perdidos por uma cultura possam ser reaproveitados pela seguinte.
A escolha do sistema de rotação a ser adotado nas propriedades deve obedecer a particularidades regionais e sempre procurando que as culturas envolvidas neste planejamento tenham objetivos comerciais para diversificar a renda e as entradas da propriedade, além disto, as plantas que participarem do planejamento devem atender a algumas premissas: diversificar as atividades laborais da propriedade, maior quantidade possível de biomassa, elevada taxa de crescimento, possuir alguma capacidade de resistência ao frio e a seca, não se tornar planta infestante, ter um sistema radicular forte e profundo, ser recicladora de nutrientes, elevada C/N (carbono / nitrogênio, pois baixa relação C/N associada a temperaturas elevadas e alta umidade levam a uma decomposição acelerada desta matéria morta não proporcionando adequada cobertura do solo).
O modelo de plantio direto e rotação de culturas desenvolvido pela pesquisa do sul e sudeste do Brasil visava a viabilidade de um modelo para estas regiões em grande parte sob clima temperado, a rotação mais praticada principalmente nos Campos Gerais do Paraná envolvia as culturas de trigo e aveia no inverno e soja e milho no período do verão. Sendo o esquema mais comum: no inverno 2/3 da área de lavoura cobertas com aveia e 1/3 com trigo, no verão 2/3 com soja e 1/3 com milho.
A não observância de rotação na soja, ocasionada pela ocorrência de preços elevados nas últimas safras tem facilitado a ocorrência de pragas e doenças antes não problemáticas tais como ferrugem e nematóides. Devido ao risco produtivo e comercial apresentados pelas culturas do trigo e da aveia branca em algumas regiões, temos observado que um problema que vem ocorrendo é a monocultura da aveia preta, que além dos riscos da monocultura não é uma cultura comercial na plena acepção da palavra.
Se na região que é o berço do Plantio Direto no Brasil vemos problemas produtivos e comerciais, imaginem o que ocorre e as dificuldades para formação de palhada de maneira economicamente sustentável em grandes extensões deste nosso país continental e tropical. Pois as altas temperaturas e o período seco no Centro Oeste e regiões do Nordeste, impedem ou dificultam a implantação de culturas comerciais no período de abril a setembro, sendo comum a implantação de culturas sobre ervas daninhas, mais para economizar tempo no preparo do solo do que dentro do conceito de um sistema produtivo ou quando dentro de um sistema mais planejado a cobertura mais comum é o milheto, que repetindo o problema da aveia no sul do país não é uma cultura comercial.
Já em novas fronteiras agrícolas como Nortão do Mato Grosso e entorno de Santarém o maior problema é a persistência da palhada por causa das altas precipitações e temperaturas além da elevada umidade amazônica. Outra dificuldade é o alto custo do transporte para o milho, cultura conhecida pela maior produção por unidade de área em relação a soja, cultivos alternativos como o arroz de sequeiro são viáveis somente em regiões específicas.
Por outro lado temos os problemas apresentados pela pecuária, que em grande parte do território brasileiro é movida a pastagens com pouco volume de massa e a sazonalidade inerente a este tipo de cultivo, com pouco conhecimento por parte da imensa maioria dos pecuaristas, do potencial de produção das gramíneas e leguminosas forrageiras quando bem manejadas em sua fisiologia e bem nutridas nas suas necessidades. Vemos áreas em que derrubada a mata nos primeiros anos de formação da pastagem viçam os mais belos pastos, que em 1 ou 2 anos dão lugar a pastagens degradadas e com baixa capacidade de suporte.
Qualquer um de nós lembra ou já ouviu falar da introdução da braquiária nos cerrados, quando no início dos anos 70, pastagens nativas onde eram necessários vários hectares de terra para suportar uma única cabeça foram substituídas pelas braquiárias, que passavam imediatamente a suportar cerca de 1,0 cabeça/ha nos primeiros anos.
Os pecuaristas destas regiões acharam que tinham “enricado”, pois passaram a poder ter grandes rebanhos nas suas terras graças aquele “capim milagroso” que não precisava de adubações, nem de calcário, nem de manejo correto. Claro que a medida que o tempo passava seus pastos degradavam, pela diminuição da fertilidade dos solos, seus filhos ficavam mais velhos e a demanda por recursos era maior; aqueles que não abriram os olhos a tempo tiveram que se desfazer de parte ou até de todo patrimônio rural para poder sobreviver, pois dinheiro para as necessárias reformas dos pastos não havia. Pastos onde engordavam cem reses agora só comportavam metade daquele estoque inicial.
Devido a problemas técnicos e comerciais desta ordem é que aprimorou-se o conceito da integração lavoura pecuária, inicialmente como forma de viabilizar a pecuária e a agricultura no inverno do sul do país. Primeiramente utilizando a aveia para pastejo depois incorporando azevém e leguminosas ao sistema. Atualmente um dos modelos mais produtivos da integração agricultura pecuária de inverno é o praticado na região de Guarapuava-PR (com aporte de pesquisa pela FAPA e UFPR), que chega conforme o clima e o período a abrigar até 5 U.A./ha com ganhos de peso superiores a 1 kg/dia/UA com picos de até 1,8 kg/dia/UA.
Sobre áreas já corrigidas é introduzida uma mistura de aveias, azevém, trevo vermelho, trevo branco e cornichão (as leguminosas inoculadas com estirpes apropriadas), com uma adubação de plantio de 60 kg de P e 60 kg de K/ha, além de 10-15 kg/ha de N para favorecer o arranque inicial com posterior cobertura de mais 100 kg de N/há em 1 ou 2 aplicações.
Cada planta tem sua função no sistema: a aveia fornece um pastoreio inicial mais cedo que o azevém, o trevo vermelho é para colocar N biológico no sistema já no primeiro ano pois o trevo branco só estará plenamente instalado no sistema a partir do segundo ano, bem como o cornichão serve para aqueles anos de inverno mais quente. No primeiro ano é plantado soja, permitindo um pastoreio mais longo, de cerca de 120 dias; já no segundo ano as plantas de inverno principalmente o trevo e o azevém que sofreram ressemeadura natural serão pastejados sem necessidade de novo cultivo por cerca de 90 dias quando será plantado o milho (a época apropriada é mais cedo que o soja) em plantio direto, a dessecação é normal com glifosato nas doses recomendadas sem risco para o trevo já que para eliminá-lo seriam necessários 1.440 gramas de ingediente ativo do glifosato, na limpeza do milho não devem ser utilizados herbicidas a base de atrazina. Conforme o ano ocorrem até aumentos de produtividade no milho, pois o trevo rebrota e coloca N biológico numa época em que os tratores não conseguiriam mais entrar na roça para jogar uréia ou similar. Neste sistema o grande gargalo da pecuária deixa de ser o inverno e passa a ser o verão, é necessário ajustar a lotação para permitir sobras de pastagem para cobertura de solo no plantio direto.
Um outro sistema de integração lavoura pecuária que teria uma aplicabilidade maior no país, pela flexibilidade que permite visto ser um sistema que beneficia o inverno ou época da seca e o verão ou época das águas em qualquer região onde seja viável o cultivo de soja e a criação do gado, com a pastagem perene entrando no esquema de rotação em substituição ao milho. Pode-se visualizar esquematicamente abaixo a seqüência de cultivos:
Este modelo é vantajoso em relação ao esquema tradicional de rotação de culturas em plantio direto porque a cobertura morta gerada pela aveia no caso do esquema somente agricultura, passa de somente geradora de despesas para agregadora de valores via produção de carne, enquanto a palhada advinda das pastagens perenes já se pagou pela mesma razão.
A dessecação das pastagens é feita com 1440 gramas de glifosato/ha e o plantio direto é realizado com plantadeiras comuns de plantio direto somente com molas mais fortes ou no caso de terrenos pesados com “facão”, os tratos culturais da soja são os mesmos do cultivo em plantio direto normal com a exceção de que normalmente não é necessária a aplicação de latifolicidas (herbicidas para folhas largas), pois em pastagens bem nutridas e manejadas normalmente não encontraremos inços. É conveniente que os pulverizadores possuam rodados do tipo “tandem” para diminuir as oscilações das barras de pulverização se os pastos usados forem de hábito cespitoso ou entoucerador.
Quando não são realizadas adubações de cobertura nas pastagens com NPK, a média ano de lotação tem atingido cerca de 3 Unidades Animais por hectare. Existem casos como o do eng.agrônomo e agropecuarista paranaense Celso Mirofuse que além de adubar as pastagens há vários anos, alcançando altos níveis de fertilidade em seus solos, também os mantém em regime de pastoreio rotacionado, consorciado com leguminosas e em integração com a agricultura, com isto alcançando médias de 11 UA/ha e em talhões excepcionais chegou a atingir impensáveis 17 UA/ha por determinado período.
É uma técnica viável de ser utilizada por pecuaristas de cabeça aberta, mesmo que não sejam agricultores ou possuam maquinário, em parceria com agricultores que utilizem o sistema de produção do plantio direto.
Podemos citar que os principais ganhos no sistema de integração lavoura pecuária com soja são:
Da agricultura para pecuária
– retorno mais rápido do capital investido
– produção de forragem na época mais crítica do ano
– fornecimento de nutrientes (adubo residual e nitrogênio)
– recuperação da produtividade dos pastos
– economia na implantação das pastagens
– facilita a troca de espécies forrageiras
Da pecuária para agricultura
– recuperação dos solos (física,química e biologicamente)
– melhora a estrutura física dos solos
– aumento da matéria orgânica no solo
– maior armazenamento de água no solo
– cobertura do solo para o plantio direto
– reciclagem de nutrientes
Vantagens da integração lavoura pecuária
– aumento na produção de soja
– redução dos custos de produção
– produtores mais capitalizados
– melhora a fertilidade dos solos
– aumento na produção de carne
– maior estabilidade econômica
– sustentabilidade
– melhora a conservação dos solos
– permite a formação da palhada e com boa persistência
– geração de empregos
Se imaginarmos que a área de pastagens no Brasil é de 220 milhões de hectares, abrigando um rebanho de 180 milhões de cabeças e a área da agricultura de grãos é de 40 milhões de hectares, donde sai uma produção de 120 milhões de toneladas, é possível imaginar o potencial de produção de carne e grãos neste sistema, onde a agricultura deixa de competir com a pecuária e ambas passam a ser complementares para o aumento da produtividade e da renda.
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1Francisco Fido Fontana, Eng. Agrônomo pela UFPR, Pós Graduado em Administração Rural /UFV, Produção de Ruminantes/UFla, Pastagens UEM e UFPR. Agropecuarista em Arapoti-PR e consultor em pastagens e pastoreio rotacionado com cercas elétricas convencionais/energia solar.