Em comentário anterior abordamos o problema do conflito entre frigoríficos e produtores sobre rendimento de carcaça. Dissemos que esse fato se agrava quando a relação entre preço pago ao produtor e valor da arroba reconstituído com base nos preços de venda dos componentes da carcaça (traseiro, dianteiro e ponta de agulha) diminui. É a primeira reação do frigorífico para compensar a diminuição de seu lucro ou o aumento de eventuais perdas. Eventuais perdas fazem parte do risco de mercados regidos pela famosa lei da oferta e procura. É claro que nenhuma empresa opera para acumular perdas. O que deve ser ajustado é o preço pago e não o rendimento de carcaça, pois o preço é ou deveria ser resultante de negociação, seja pontual ou através de contrato, onde as partes são livres para decidir. Uma vez acertado o preço, qualquer subterfúgio, como diminuir o rendimento de carcaça, é uma atitude condenável e deveria ser caracterizado como delito (lamentavelmente alguns consideram esperteza).
Em mercados livres, os ajustes tendem a ocorrer espontaneamente no curto e médio prazos. No caso da cadeia da carne bovina isso parece não ocorrer ou ocorre de uma maneira precária por problemas relacionados à própria cadeia. Ao invés de procurar resolver esses problemas de maneira transparente, tomam-se atitudes que tendem a aumentar a intensidade dos conflitos. Notícias dessa semana relatam reuniões de frigoríficos para estabelecer preços limites a ser pagos ao produtor, o que caracterizaria formação de cartel que aparentemente é ilegal e passível de sofrer as penas da lei. Em mercado livre e competitivo, cada um deve pagar aquilo que tem condição de repassar. Quem paga a mais vai ou deveria sofrer as conseqüências, isto é, ser alijado do mercado. A formação de cartel caracteriza cumplicidade e desonestidade de propósitos, sendo um fator gerador de conflitos dentro de qualquer cadeia de produção.
De alguma maneira era previsível que após a superação dos surtos de aftosa, o retorno do Uruguai e da Argentina ao mercado mundial de carne bovina teria algum reflexo nos preços, tanto externos como internos, pois a oferta seria aumentada e logicamente canais de comercialização seriam explorados. Além desse aumento de oferta, a redução do consumo de carnes por problemas de hábito (carne vermelha na Quaresma e Semana Santa) ou de diminuição de renda (todas as carnes), é outro fator complicador ocorrendo justamente na época de início de safra de carne bovina. Para complicar ainda mais aconteceu a crise econômica Argentina (previsível ou não?).
Sendo previsível o que foi dito acima, porque as lideranças do setor produtivo não propuseram e exigiram das autoridades e componentes da cadeia produtiva uma política para atenuar os efeitos deletérios que já estão acontecendo. Frigoríficos parecem estar usando a importação de carne da Argentina como uma arma para reduzir os preços internos a níveis mais baixos do que seriam razoáveis. Por sua vez, entidades nacionais estão propondo aos produtores boicote à exportação e ao “Brazilian Beef”.
“Talvez” a euforia causada pelo bom desempenho do setor de carnes em 2001 tenha dificultado uma análise mais crítica e preventiva do que poderia acontecer nesse início de 2002. Os integrantes da cadeia da carne bovina precisam mostrar maturidade e tratar de fazer um pacto visando diminuir os prejuízos e eventual desestruturação da produção e comercialização de carne no Brasil.
Vamos aproveitar a crise para melhorar de fato o relacionamento entre os componentes da cadeia da carne e caminhar em direção à exploração eficiente do nosso imenso potencial de produção de carne bovina.