Há onze anos morando na cidade universitária de Fort Collins, o fluminense André Nogueira já não se imagina voltando à terra natal. Egresso do mercado financeiro, o executivo migrou de Nova York ao Estado americano do Colorado em 2007 para ajudar a colocar de pé os planos dos irmãos Batista, donos da JBS. Inicialmente à frente da diretoria financeira da Swift, gigante de carne bovina que acabara de ser adquirida pela empresa brasileira, Nogueira assumiu uma operação que vinha perdendo em torno de US$ 50 milhões por ano.
Em pouco mais de uma década, o cenário mudou completamente. No ano passado, os negócios sob o guarda-chuva da JBS USA – que inclui produção em toda a América do Norte, na América Central, na Europa e na Oceania – registraram o melhor resultado de sua história, com um lucro líquido de US$ 2 bilhões, o que ajudou a aplacar a pressão financeira que se seguiu à delação premiada de Joesley e Wesley.
O ambiente favorável para a JBS nos Estados Unidos, sustentado pela combinação de maior oferta de gado bovino e economia americana aquecida, reforçam a visão de Nogueira, que preside a JBS USA, de que a companhia brasileira apenas começou a colher os frutos da reestruturação deflagrada em 2007. A expectativa dele, já declarada na semana passada a analistas, é que o negócio de carne bovina nos EUA – o mais importante para a JBS – seguirá entregando bons resultados ao menos até 2021.
O momento positivo reforça a percepção de que, mais cedo ou mais tarde, a empresa fará a abertura de capital de suas operações fora do Brasil na bolsa de Nova York. Não à toa, a JBS USA mantém um conselho consultivo composto por figuras proeminentes como o ex-presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, John Boehner, e o ex-presidente da Securities and Exchange Commission (SEC), Harvey Pitt.
“É um time forte que se um dia, ou quando a empresa fizer o IPO, será a base do conselho de administração”, disse Nogueira em entrevista a jornalistas em Greeley, no Colorado, sede da companhia nos Estados Unidos.
O IPO, que acabou adiado depois da delação dos irmãos Batista, é uma operação com potencial para “destravar” o valor de mercado da JBS e conferir uma dimensão mais precisa sobre o que a companhia se tornou nesses últimos dez anos. Atualmente, a empresa fatura cerca de US$ 55 bilhões por ano, e aproximadamente 80% desse montante é gerado pelos negócios da JBS USA, de acordo com o executivo.
“Não existe nenhuma empresa como um parque fabril como o nosso”, ressaltou Nogueira. A declaração é justificada pelo presidente da JBS USA com dados financeiros e geográficos. Entre as maiores companhias do segmento, não há outra que tenha tamanha relevância em todas as carnes (bovina, suína, frango e cordeiro) e, ao mesmo tempo, seja líder em mais de um grande país produtor de proteínas animais.
Importante concorrente e também diversificada em proteínas, a americana Tyson Foods está praticamente restrita aos EUA – com a recente aquisição da Keystone, terá também produção de carne de frango na Ásia, mas o negócio, ao menos inicialmente, será pouco representativo nas vendas. Por sua vez, a brasileira Marfrig e a chinesa WH Group são relevantes globalmente, mas só em uma proteína – carne bovina e carne suína, respectivamente.
Com essas operações, Nogueira acredita que a JBS é a empresa mais bem posicionada para abastecer a crescente demanda da Ásia. Hoje, cerca de 15% das vendas da empresa são destinadas àquele continente. “As vendas na Ásia são de US$ 8 bilhões. Ninguém vai estar nem perto disso”, disse Nogueira. Em alguns mercados, a companhia é absolutamente dominante.
Hoje, 25% da carne bovina consumida pelos japoneses é da JBS. A companhia exporta ao Japão a partir de suas operações nos EUA, na Austrália e no Canadá. O Brasil não tem autorização para vender ao país asiático.
A demanda japonesa aquecida tem sido uma das alavancas para os bons resultados da JBS nos EUA. Em julho, a companhia exportou 30% da carne bovina que produziu nos EUA, um recorde, destacou o executivo. Ao lado de Tyson e Cargill, a JBS divide a liderança da produção de carne bovina nos Estados Unidos, com 25% do abate de bovinos no país.
Além das exportações – em termos gerais, os americanos só perdem para o Brasil no volume de carne bovina comercializada internacionalmente -, a JBS vem se beneficiando do pleno emprego nos EUA. “A correlação entre crescimento econômico e consumo de carne bovina é alta”, observou Tim Shellpeper, um dos principais executivos do negócio de carne bovina da JBS USA.
Por outro lado, o crescimento da oferta e do consumo de carne bovina nos EUA pode se refletir negativamente nos negócios de frango e, principalmente, no de suínos, que foi afetado pelas tarifas impostas por México e China no âmbito das disputas comerciais travadas por esses países com a administração do presidente americano Donald Trump.
Segundo Nogueira, a grande fonte de preocupação é o México, maior destino das exportações de carnes da JBS nos EUA. No caso chinês, o Brasil é o principal fornecedor de frango e carne bovina, o que atenua o impacto da tensão comercial com os americanos.
Escala colabora para impulsionar resultados nos EUA
Toda semana, a JBS abate cerca de 600 bois no “pequeno” frigorífico que tem em Omaha, no Estado americano de Nebraska, para a produção de carne bovina orgânica. Se estivesse no Brasil, o abatedouro com capacidade para processar 1,1 mil cabeças ao dia no total seria considerado uma grande unidade. Nos EUA, trata-se da menor planta da JBS.
A comparação entre as operações de carne bovina da JBS nos Estados Unidos e no Brasil dá uma ideia do quão diferente são as escalas dos dois negócios. Considerando apenas os negócios de gado bovino criado especialmente para abate, carro-chefe da JBS USA, o faturamento é da ordem de US$ 10 bilhões (cerca de R$ 40 bilhões), de acordo com o presidente da companhia nos EUA, André Nogueira.
Como um todo, a JBS USA Beef – que inclui os negócios na Austrália e no Canadá -, tem receita líquida de US$ 22 bilhões. No Brasil, a receita líquida anual do negócio de carne bovina supera R$ 25 bilhões.
Os três frigoríficos de referência da empresa nos EUA, em Greeley (Colorado), Cactus (Texas) e Grand Island (Nebraska), têm capacidade para abater 6 mil bovinos ao dia. No Brasil, a maior planta, em Campo Grande (MS), não chega a abater 3 mil bois. O rendimento de carne por boi também é muito diferente: 300 quilos de carcaça por animal no Brasil e mais de 350 quilos nos EUA.
A produção de carne bovina nos EUA é concentrada em poucos frigoríficos porque o gado fica em uma área menor – alojados em confinamentos. No Brasil, por outro lado, os frigoríficos são de menor porte e o gado está mais espalhado. Economicamente, só faz sentido comprar bois em um raio de cerca de 300 quilômetros. Além disso, o confinamento não é a regra na pecuária brasileira. Apenas 10% do volume de gado abatido ao ano é oriundo do sistema intensivo de engorda.
Essas diferenças entre a pecuária dos dois países ajudam a explicar por que no Brasil a JBS, que á líder, tem mais de 35 frigoríficos. Nos EUA, são apenas nove abatedouros – quatro destinados ao abate de gado bovino criado nos confinamentos especialmente para o abate (“fed beef”) e as outras para o descarte de vacas (“regional beef”). Segundo Nogueira, o negócio é assim separado porque os animais estão localizados em regiões diferentes. Os frigoríficos que abatem mais vacas estão nas regiões de pecuária leiteira.
Também há diferenças nas vendas de carne no varejo. Nesse caso, no entanto, o Brasil está mais avançado. “Há menos marca de carne bovina nos Estados Unidos do que no Brasil”, disse o executivo da JBS, empresa pioneira em marcas de carne no mercado brasileiro com a Friboi.
De acordo com Nogueira, as marcas próprias das redes varejistas dominam o mercado americano, sobretudo no segmento de “case ready” – carne na bandeja, segmento muito forte nos Estados Unidos pela importância da carne moída nas vendas no país. Atualmente, 50% da carne bovina comercializada nos EUA se dá na forma de carne moída, disse o executivo.
Fonte: Valor Econômico.