A regulamentação do órgão estadunidense Food and Drug Administration (FDA) a respeito da lei do Bioterrorismo (Bioterrorism Act) deve forçar quem exporta alimento para os EUA a ter um relacionamento mais próximo com os produtores. Esta é uma das conclusões do assessor especial da Câmara de Comércio Exterior (Camex), Aluisio Tupinambá, que retornou recentemente de seminário promovido pelo FDA em Washington sobre o assunto, informou a assessoria de imprensa do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC).
Para Tupinambá, as normas do FDA, elaboradas com o objetivo de facilitar a rastreabilidade dos produtos vendidos para os EUA, induzirão mudanças na prática de negócios entre os fabricantes do alimento, os armazenadores e as empresas que exportam o produto.
De acordo com as regras, o exportador deve ter um registro da sua empresa no FDA, nomear um agente responsável nos EUA e enviar um aviso prévio sobre os embarques das mercadorias. Nesse aviso, deve constar o número do registro do exportador e também o número do registro dos fabricantes da mercadoria e dos armazenadores.
É neste ponto que, para Tupinambá, haverá mais dificuldade, segundo a assessoria de imprensa. Uma pequena empresa que venda, por exemplo, cestas de Natal para os EUA, com vários tipos de alimentos adquiridos de fabricantes nacionais, precisará procurar todas as empresas produtoras e pedir que elas se cadastrem no FDA e forneçam o número do registro. Além disso, os armazéns pelos quais o produto passou e portos ou empresas aéreas que transportarem a mercadoria precisarão ter o registro.
“Atualmente, já existe a obrigação de um aviso prévio, mas não havia a necessidade de registro. Uma empresa podia exportar o alimento fabricado por outra sem que o produtor sequer soubesse. A partir de agora, os dois terão de conversar e se acertar sobre o registro. Se o produtor não conhecer o exportador, poderá ficar receoso de se registrar e, depois, vir a ser acionado pelo FDA caso tenha havido alguma alteração no alimento nas fases de embarque e venda”, afirmou Tupinambá.
Se o FDA detectar, a qualquer momento, alguma alteração no alimento, todos os elos da cadeia serão chamado a prestar explicações. Segundo Tupinambá, como informou a assessoria de imprensa do MDIC, o FDA desaconselhou que o registro do fabricante seja apresentado no rótulo ou em uma página da empresa na internet. A idéia é evitar que pessoas não idôneas possam comprar a mercadoria, alterá-la e depois vender o produto aos EUA. Para ele, no contexto global das exportações brasileiras aos EUA, as normas não deverão ter um impacto tão significativo, mas é provável que aconteça um rearranjo no mercado e os pequenos intermediários sejam prejudicados.
De janeiro a setembro deste ano, o Brasil exportou U$ 1 bilhão em alimentos aos EUA. A Camex tem tomado providências para alertar os exportadores sobre as normas do FDA, enviando correspondências para federações de indústria e de agricultura, associações de classe e Sebrae. A Câmara também tem agendado seminários com sindicatos de despachantes, armazéns, portos, companhias aéreas e de courrier. As prefeituras das cidades onde há maior concentração de exportadores de alimentos têm sido informadas sobre as normas. Os Correios também foram acionados, já que, no caso do Exporta Fácil, será necessário mudar os formulários, para incluir campos destinados ao registro no FDA.
Tupinambá ressaltou que os procedimentos práticos a serem tomados pelas empresas não são tão complicados. Elas têm até o dia 12 de dezembro para se registrar no FDA, o que pode ser feito por Internet ou correio. A nomeação do agente nos EUA pode vir a aumentar o custo da exportação, mas há possibilidade de o agente ser um amigo ou parente do exportador, ou ainda de várias empresas se juntarem para pagar um representante, diminuindo o gasto. O agente não será responsável diretamente por alguma alteração na mercadoria, mas somente pelos dados do registro, ou seja, por garantir que aquela empresa está mesmo no endereço mencionado e que as mercadorias que produz são as mesmas apontadas no cadastro.
Apreensão
Segundo Cláudio Silveira Brisolara, assessor técnico do Departamento Econômico da Faesp (Federação de Agricultura do Estado de São Paulo), que esteve em um seminário nos Estados Unidos sobre bioterrorismo, de maneira geral, as empresas estadunidenses estão mais apreensivas que as brasileiras, pois a lei também se aplica a seus produtos.
Brisolara revelou que há pontos falhos nessa lei, os quais deverão ser modificados e revisados, ação prevista para o primeiro semestre de 2004, o que ele considera um aspecto positivo da lei. Entretanto, de acordo com o assessor técnico, “o representante do governo que explicou as exigências da legislação não soube responder a 60% das perguntas”, indicando que muitas questões não estão claras.
Um dos pontos geradores de dúvida é a necessidade de a empresa ter um representante nos EUA. “Pessoa pode ser física ou jurídica, e não há definição quanto a isso”, destacou. Outra questão é o transporte, pois, a princípio, se a mercadoria fica no caminhão mais que 24 horas, é considerado armazenamento, o que obrigaria a empresa a ter o registro. “São absurdos, falhas, que terão de resolver”, complementou.
No mercado de carnes, outra dúvida. “Se há uma butique de carne que só trabalha com esse tipo de produto, é obrigatório o registro. O contra-senso está no fato de não haver a exigência caso a carne seja apenas um dos produtos vendidos no estabelecimento. Os participantes do evento brincaram, dizendo que, assim, a sugestão é que o açougue venda verdura”, revelou Brisolara.
O setor de carnes brasileiro, em sua opinião, está preparado para isso, pois já trabalham com exigências a mais quanto a registros. “Diante da necessidade de comunicar previamente qualquer alteração nas informações da carga, conseqüentemente, do prazo para tal, o que preocupa é o a fama de desorganização do Brasil, que vai de produto com etiqueta trocada até esquecimento de envio de alguns certificados. O registro é mais um documento que poderá atrasar o processo”, avaliou.
Brisolara informou que o registro é feito uma vez somente e não se paga, sendo necessário apenas manter atualizado o cadastro, em prazo determinado, uma tarefa a mais pelos responsáveis por exportações.
A preocupação com o bioterrorismo, em sua opinião, não é um protecionismo de mercado disfarçado, mas legítima, inclusive por questões de saúde pública, ao contrário da legislação de rotulagem de carne, que está em discussão nos Estados Unidos.
A lei
O Bioterrorism Act determina, entre outras exigências, que o FDA receba notificação prévia sobre alimentos importados pelos Estados Unidos, destinados ou não ao consumo interno, e registro de instalações, estadunidenses e estrangeiras, que fabricam, processam, empacotam, distribuem, recebem ou armazenam alimentos para consumo humano ou animal no território dos EUA.
De acordo com a Faesp, as regras que mais afetam exportadores são: obrigatoriedade de registro de produtores, processadores e exportadores de alimentos para consumo nos EUA junto ao FDA; notificação prévia de todos os embarques de alimentos ao FDA; criação e manutenção de registros, que deverão estar à disposição da FDA; apreensão de alimentos que possam colocar a saúde publica em risco; e nomeação de um agente comercial residente nos EUA.
Ainda segundo a Federação, estão isentos de registro: estabelecimentos agrícolas que não exportem diretamente seus produtos aos Estados Unidos; varejistas; instituições sem fins lucrativos, que preparem ou sirvam alimentos diretamente aos consumidores; embarcações pesqueiras que não processam a pesca; regulados de forma exclusiva e em sua totalidade pelo Departamento de Agricultura.
De acordo com o documento disponibilizado no site da Faesp sobre a Lei do Bioterrorismo, os registros devem ser mantidos eletronicamente ou em versão impressa, por prazos de um ano, nos casos de alimentos perecíveis e comidas para animais, ou dois anos, para todos os outros alimentos. A data-limite para cumprir a exigência depende do porte do estabelecimento: seis meses, após a emissão da regulamentação final para companhias com mais de 500 empregados; 12 meses para companhias com menos de 500 e mais de dez empregados full-time; e 18 meses para pequenos negócios, com dez ou menos empregados full-time.
Fonte: Mirna Tonus, da Equipe BeefPoint