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Lições australianas

Recentemente o Brasil alcançou a posição de maior exportador mundial de carne bovina, desbancando tradicionais produtores e exportadores como EUA e Austrália. Esses países têm sua cadeia produtiva muito bem estruturada e muito voltadas para a exportação (notadamente a Austrália), assim a análise das ações desses países pode ser uma ótima fonte de informações para a pecuária brasileira.

A Austrália é há décadas um dos maiores exportadores de carne bovina do mundo. Sua população é pequena e não absorve toda a produção, praticamente obrigando a Austrália a exportar seu produto. Hoje a Austrália exporta aproximadamente 70% de sua produção, situação oposta ao do Brasil, que destina aproximadamente 80% da sua produção para o mercado interno.

Essa dependência do mercado externo forçou os australianos a ter uma cadeia produtiva muito organizada e capaz de atender aos mais exigentes mercados compradores.

Um dos grandes responsáveis pelo sucesso da pecuária australiana é o MLA- Meat and Livestock Australia, entidade criada em 1960 e que tem como missão: “Liderança Mundial para Carne Vermelha Australiana”. É uma entidade criada por produtores e que trabalha em diversas frentes sempre com o foco de cumprir a missão determinada em seu edital de criação.

A entidade atua nas áreas bovina, ovina e caprina, porém todos os aspectos abordados nesse artigo serão relativos exclusivamente à carne bovina. As atividades do MLA se baseiam em 3 pilares básicos, que são aumentar acesso a mercados, aumentar a demanda por carne vermelha australiana e conduzir pesquisas que gerem vantagens competitivas ao produtor australiano.

O custeio das atividades é feito através da cobrança de uma taxa na comercialização de animais, que hoje é de AU$ 3,50 para bovinos adultos e AU$ 0,90 para bezerros. Esse dinheiro é complementado por contribuições voluntárias de frigoríficos e outros integrantes da cadeia produtiva e cada dólar da entidade investido em pesquisa é adicionado de igual quantia por parte do governo. Isso gera anualmente cerca de AU$ 70 milhões para custear a entidade.

Cada país que compra carne australiana tem um tratamento diferenciado pelo MLA, que elabora estratégias individuais de marketing para cada mercado consumidor. O mercado interno australiano também é considerado como mais um mercado consumidor e por isso também tem seu plano exclusivo de marketing.

Dentre as diversas atividades desenvolvidas pela entidade, destacam-se a atuação como “centro de inteligência” para a cadeia produtiva, reunindo e analisando informações sobre estatísticas de produção e exportação de países concorrentes; a representação da carne bovina australiana no mundo; busca de parcerias comerciais; interlocutor com o governo para assuntos de interesse do setor; promoção e informação ao consumidor sobre carne bovina, etc.

A existência desse tipo de instituição cria uma série de vantagens para a pecuária australiana, pois aglutina esforços em torno de um interesse comum que é a expansão do negócio pecuário, seja ele através de exportações ou da expansão do mercado interno. A atuação no mercado internacional facilita muito os contatos de empresas australianas com clientes externos e um plano de marketing direcionado para cada “cliente” facilita sobremaneira as trocas comerciais.

O fato de hoje sermos os maiores exportadores colocou o Brasil em destaque no cenário mundial e nossos concorrentes farão de tudo para recuperar a posição. É hora do Brasil ter uma postura pró-ativa e criar meios de consolidar essa posição, pois nossos concorrentes com certeza estão trabalhando duro para retomá-la.

Essa posição de destaque vai trazer novos desafios ao Brasil, como a existência de documentos como a “Conexão Hamburger”, estudo patrocinado por uma ONG, que relacionou o aumento de consumo da carne brasileira no exterior ao aumento da destruição da Amazônia. Esse foi somente o primeiro, novos desafios surgirão e cabe a cada um dos integrantes da cadeia produtiva trabalhar para consolidar essa posição. Trabalho esse que tem que incluir a promoção e informação de seu produto ao consumidor.

Os outros principais exportadores de carne bovina do mundo, como Canadá, Nova Zelândia e EUA têm entidades que realizam esse tipo de trabalho chamado de “marketing institucional”, resta saber quando o Brasil vai despertar para essa necessidade e atuar mais agressivamente nesse setor.

O momento é favorável ao Brasil, mas se não nos mobilizarmos, ele pode passar e o mercado atual não perdoa a inércia frente às oportunidades.

0 Comments

  1. Angélica Simone Cravo Pereira disse:

    Um dos grandes “entraves” para a falta de estimulação, ou ainda a desorganização da cadeia é que a grande maioria do consumidor, no Brasil, é constituída pela “dona de casa”, que em grande parte, quando chega ao local de compra pede “carne para bife”.

    Portanto, o fornecimento de informações adequadas, como por exemplo o SIC (Serviço de Informação da Carne) no Brasil, é de extrema importância nesse cenário. Analisar ainda, o comportamento desses consumidores, motivá-los (satisfação da necessidade do consumidor) a realização de propagandas e promoções, criação de marketing (de relacionamento com o consumidor) estabelecendo a fidelidade do produto para com ele, certamente agregará maior valor ao produto final.

    Porém, essas e outras estratégias devem envolver todo o segmento da carne bovina, afinal, todos são inteiramente responsáveis pelo sucesso e trajetória desse produto perante o mercado interno e externo.

    Abraços,

  2. marcelo disse:

    Parabéns pelo artigo lições australianas, muito objetivo e bem articulado, mostra a diferença entre o que se produz e o que se comercializa. Gostaria apenas de acrescentar que ficou de fora a encruzilhada que vive o produtor, nesse comércio somente os frigoríficos estão levando vantagem e cada vez mais tem de produzir com maior qualidade a um preço muito menor, não é levado em conta nunca o aumento de custos, um abraço e parabéns!!!