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Liderança nos lucros: uma visão da estrutura de comercialização da pecuária de corte

Por Carlos Vicente Cidade1

Se existir algum beneficiado direto com o processo de reestruturação produtiva da cadeia de pecuária de corte, esse é o consumidor, pois, com o processo de globalização o consumidor brasileiro passou a perceber a distância da qualidade dos produtos consumidos fora do país e os que eram consumidos internamente. Isso por que o forte protecionismo às empresas brasileiras, decorrente da política de industrialização por substituições de importação, relegou o parque industrial brasileiro a uma estrutura arcaica e onerosa. Com o fim dessa política na chamada “Era Collor”, o processo de abertura econômica, que encheu as prateleiras das lojas de produtos importados, trouxe à tona essa realidade. Porém, o preço desses produtos ainda eram inacessíveis a grande maioria da população. No entanto, com Plano Real, já no governo de Fernando Henrique Cardoso, a opção pela paridade cambial entre a moeda brasileira e o dólar americano, causou uma verdadeira “febre de consumo” desses produtos importados, o que viria a contribuir com a mudança no perfil do consumidor brasileiro.

Entretanto, do lado da indústria o reflexo imediato desse processo não foi tão positivo, pois, sentiu bastante o golpe, tendo, inclusive, que assistir atônita ao fechamento de inúmeras empresas e, em alguns casos, de setores inteiros, como o de autopeças por exemplo. A falta de competitividade interna se transformou numa verdadeira batalha para recuperar o “tempo perdido”, ou melhor, o mercado perdido. Nesse processo de ajustamento alguns setores tomam a dianteira e as empresas passam agora a competir externa e internamente. Hoje, passado o susto, já é possível estabelecer os avanços decorrentes desse processo, como por exemplo os ganhos de escala e produtividade das empresas nacionais oriundos da crescente utilização de tecnologias de ponta nos procedimentos de produção.

Especificamente, no que se refere ao setor pecuário, além dos vultosos investimentos necessários ao seu reenquadramento no mercado, esse ainda se vê frente a um processo de rigidez de preços causados pelo crescimento de consumo de bens substitutos como frango, massas e produtos de preparo instantâneo. Ademais, há ainda o efeito renda, pois, nesses primeiros anos do Real a economia não apresentou crescimento econômico significativo e como vimos, a carne, em geral, é um produto considerado “bem normal”, logo, sua possibilidade de expansão está ligada diretamente ao crescimento da renda da população.

O processo de reestruturação produtiva na região amazônica já começa a dar sinais de ajustamento, mas ainda apresenta um profissionalismo incipiente, trazendo como conseqüência um produto de baixa qualidade e uma profunda distorção entre um elo e outro da cadeia, ou seja, do produtor ao consumidor, o processo de geração de valor ao produto é diferenciado e isolado em cada uma das suas etapas. A compreensão desse canal de comercialização e das transformações ocorridas ao longo desse processo determinará os seus pontos críticos e permitirá a adoção das estratégias de ataque aos mesmos.

A cadeia produtiva da pecuária de corte apresenta-se desarticulada e pouco integrada, motivo pelo qual se torna cada vez mais ameaçada pela concorrência de outras carnes, como as de frango e de suínos. Essa concorrência pode ser sentida por meio do preço e/ou da qualidade, pois, ao avançarem no processo de integração da cadeia, esses produtos conseguiram estabelecer preços mais competitivos via redução de custos e ainda sobre a certificação do produto, atrelado a um planejamento de marketing agressivo.

No caso da carne bovina, é preciso analisar cada segmento da cadeia isoladamente para, depois, fazer uma análise sistêmica de todo o processo, conforme sugerido no quadro esquemático apresentado abaixo. O primeiro segmento, o da produção animal, é divido em dois setores, o de cria e o de recria e engorda. No setor de cria, o marketing é trabalhado em função das raças dos animais e no setor de recria e engorda as demandas estão quase sempre direcionadas aos fatores de produção, como terra e capital (crédito). Portanto “não há” nesse segmento a preocupação com a valorização do produto “carne bovina”, não por acaso, esse será o segmento mais esmagado da cadeia, no que diz respeito ao preço do produto.


O segundo segmento da cadeia é o dos matadouros e frigoríficos. Nesse setor os entraves estão primordialmente na existência de muitos matadouros clandestinos, no baixo grau de tecnificação das plantas produtivas da maioria dos frigoríficos e ainda, do processo incipiente de verticalização da produção. O fato que merece destaque nesse setor é a forte presença dos atravessadores, que atuam como intermediários entre o produtor e os matadouros e entre os matadouros e o comércio varejista dos centros urbanos. Nesse canal de comercialização os animais, via de regra, não são bem cuidados, além de serem abatidos em padrões sanitários condenáveis.

Com relação aos frigoríficos, a maioria opera quase que exclusivamente na comercialização do produto carne, os subprodutos, quando aproveitados, estão direcionados a processos produtivos primários, com pouca agregação de valor, isso faz com que esse segmento busque aumentar sua lucratividade em função de uma pressão nos preços pagos aos produtores.

Por fim, está o segmento de vendas ao consumidor, nesse setor já é possível observar uma maior segmentação dos consumidores por estrato de renda, tanto que a crescente participação dos supermercados como grandes centros de venda de carnes, embutindo no preço do produto o valor dos serviços gerados, mostra a tendência de especialização também nesse segmento. É importante ressaltar que muitos dos serviços embutidos nos preços das carnes nos supermercados não passam de jogadas de marketing, pois a aparente qualidade vendida não está lastreada em processos e/ou instituições de regulamentação do setor.

Entretanto, no outro extremo do segmento, o consumo da população de menor poder aquisitivo continua sendo nas feiras livres e açougues pouco especializados e é nesse estrato de demanda onde o preço alcança grande rigidez.

Nota-se portanto, que os setores que usufruem do menor Mark-Up são exatamente os extremos da cadeia, que são os mais numerosos e consequentemente são os mais desorganizados e que, ao longo do processo de geração de valor os setores intermediários conseguem repassar para os outros segmentos a rigidez dos preços de mercado, obtendo com isso a “liderança dos Lucros” da cadeia e de forma irracional, no sentido econômico, não se importando com os resultados dos parceiros, isso porque uma vez que um segmento seja ineficiente, fatalmente levará a cadeia toda a se tornar menos competitiva.

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1Carlos Vicente Cidade é economista e especialista em Agronegócios

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