Interessante o momento que a pecuária de corte passa. Umfato que não é novo, mas ganhou grande destaque nos últimos dias, é a questão ambiental e todo o tema sustentabilidade ligado a produção de carne bovina. é possível mesmo unir sustentabilidade e lucratividade, na pecuária, de forma ampla, pelo Brasil a fora? Quem acompanha as tendências de consumo e da sociedade sabe que esse é um movimento que veio para ficar. Empresas que atuam em setores tão distintos quanto mineração pesada (Vale) e cosméticos (Natura) já perceberam isso. Vivenciam no dia-a-dia, que para serem lucrativas, precisam ser sustentáveis. E além disso, precisam parecer sustentáveis. Só um dos dois não funciona.
Interessante o momento que a pecuária de corte passa. Há um ano vivíamos um período de euforia, preço do boi gordo em SP acima de R$90/@, preços no mercado futuro acima de R$100/@ e expectativas ainda maiores. Muita gente falou (e esperou) boi gordo de R$120/@. Esse ano, a situação está diferente, os preços estão muito melhores do que nos anos anteriores a 2008, apesar de não tão bons quando há 12 meses. Por outro lado, custos importantes como o da suplementação mineral estão muito abaixo de 2008. A relação de troca boi (ou bezerro) por saco de sal mineral está bem melhor do que no primeiro semestre de 2008.
Na semana passada, aconteceu em São Paulo, a Feicorte, uma das principais feiras dedicadas a pecuária de corte no Brasil. Minha percepção sobre a sensação das pessoas na feira é de que estamos passando por momentos difíceis, mas o setor parece encarar com mais maturidade. Se a fotografia do ano passado mostrava euforia, a palavra de ordem desse ano foi planejamento, gerenciamento.
Os acontecimentos recentes servem como ótimas lições (apesar de caras). Os frigoríficos que focavam há pouco tempo no crescimento rápido, na expansão acelerada, agora focam em geração de caixa. Há 1-2 anos o mantra era “cresça rápido”. Agora a regra é “caixa é rei”.
Muitos pecuaristas estudam o mercado, avaliando possibilidades e estratégias para lucrar com a realidade atual. Um dado interessante é a pesquisa Top 50 de Confinamentos que realizamos anualmente. A previsão para 2009 é de um crescimento de quase 5% frente aos números de 2008, 27% acima dos dados de 2007. Ou seja, os grandes confinamentos, mesmo num período de crise mundial e dificuldades de mercado, planejam expandir suas atividades em relação ao ano de 2008. Nota: é provável que esse crescimento não represente a evolução de todos os confinadores brasileiros, que devem manter (ou decrescer) os números do ano passado.
Dicotomia entre ser lucrativo e ser sustentável
Outro fato que não é novo, mas ganhou grande destaque nos últimos dias, é a questão ambiental e todo o tema sustentabilidade ligado a produção de carne bovina. Depois de escrever meu último artigo, que relatava minha experiência visitando o pantanal e a produção de carne orgânica, alguns leitores e amigos me questionaram: é possível mesmo unir sustentabilidade e lucratividade, na pecuária, de forma ampla, pelo Brasil a fora?
Quem acompanha as tendências de consumo e da sociedade sabe que esse é um movimento que veio para ficar. Empresas que atuam em setores tão distintos quanto mineração pesada (Vale) e cosméticos (Natura) já perceberam isso. Vivenciam no dia-a-dia, que para serem lucrativas, precisam ser sustentáveis. E além disso, precisam parecer sustentáveis. Só um dos dois não funciona.
No mundo dos negócios, os mais céticos em relação a sustentabilidade já concordam que é uma questão inerente ao negócio. Em inglês há duas expressões muito usadas que resumem esse pragmatismo. A primeira é “just good business”, ou “é apenas um bom negócio”, como forma de explicar o motivo de se atentar para essa questão.
A outra é “doing well, by doing good”, ou “indo bem, por fazer o bem”. Essas foram as duas expressões que mais vi em textos de publicações geralmente avessas a modismos, como a revista inglesa The Economist, uma das publicações de economia mais respeitadas do mundo, que num estudo de 2008 mostrou a expansão do tema entre empresas de todo o mundo.
Ser lucrativo e sustentável
Acredito cada vez mais que as perguntas que o pecuarista precisa responder, para garantir sua sustentabilidade e lucratividade são parecidas.
• Como estou gerenciando meus recursos, de forma a produzir mais, com os mesmos insumos?
• Como reduzir desperdícios e perdas, por mal manejo, estresse de animais, falta de treinamento ou planejamento adequado?
• Quais outras técnicas eu posso utilizar na fazenda, visando produzir mais, em menos tempo e gastando menos por arroba produzida?
• Quais tecnologias, insumos e conhecimento posso incluir na minha fazenda, levando em conta meu sistema de produção e as habilidades e competências atuais minhas e de minha equipe, que permitam alavancar meus resultados?
• Quais ações coletivas será preciso me envolver ou apoiar, para ajudar a definir políticas públicas que estimulem, ou pelo menos não atrapalhem a continuidade do meu negócio?
• Quais ações coletivas preciso me envolver para assegurar que ataques de terceiros, (ONGs, países concorrentes, entre outros) não causem perdas de imagem, que acarretam prejuízos comerciais palpáveis?
Um detalhe: a pecuária de corte é uma atividade de longo prazo. Mais um motivo para se dedicar ao tema.
Paradoxo de Stockdale
“Mantenha a fé em que você vai vencer no final, independente das dificuldades. E, ao mesmo tempo, enfrente a realidade nua e crua de sua atual situação, seja ela qual for”. Essa é a “receita” do almirante Jim Stockdale para sobreviver num campo de concentração. Ele foi o militar americano de mais alta patente a viver num campo de prisioneiros na Guerra do Vietnã, por 8 anos.
No livro em que conta sua experiência, ele relata que os primeiros a morrer eram os “otimistas”, aqueles que só conseguiam aplicar a primeira metade do paradoxo. Olhavam um mundo “cor-de-rosa”, o que estava longe de ser a realidade. Logo caíam em desgosto, e desistiam do seu desafio: viver.
Para ter sucesso numa situação de grande desafio e dificuldade, é preciso unir duas coisas aparentemente contraditórias, daí o nome paradoxo. Acreditar que é possível e ao mesmo tempo encarar de frente a realidade nua e crua.
Uma atitude corajosa, pró-ativa, baseada na boa ciência
A situação da cadeia da carne bovina atualmente se encaixa bem nesse paradoxo. A oferta de boi gordo seguirá reduzida, o que é bom para o pecuarista. A demanda mundial e brasileira continuarão crescendo. O Brasil é o país que pode crescer sua produção. Ao mesmo tempo, o setor está sendo “varrido” por ameaças sérias, que precisam ser encaradas de frente.
A realidade nua e crua: a questão ambiental é um grande desafio para o setor hoje. E será ainda maior, se não houver uma atitude pró-ativa, corajosa e inteligente, baseada em boa ciência, dados e modelos confiáveis. De forma combinada com uma comunicação firme e persuasiva.
Me perguntaram várias vezes nas últimas duas semanas qual era minha opinião sobre os efeitos de tantas notícias negativas ligando pecuária e meio-ambiente. Minha resposta é de que o efeito será positivo. Não o efeito direto e imediato (que é péssimo). Mas o efeito indireto. O efeito que isso pode (e deve) causar no setor.
Essa avalanche de desafios, como que se “de uma vez só”, é melhor do que “um passinho a frente a cada dia”. A surpresa e o choque podem ser um ótimo catalisador para despertar o setor, e acelerar a implantação e multiplicação de trabalhos bem-sucedidos, sérios, que já existem na pecuária.
Relembrando uma frase de Jim Collins: Não culpe a crise. Tudo depende mais do que você faz, do que o mundo faz com você.
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Miguel, tenha acompanhado com admiração ao longo dos últimos anos diversas materias e editoriais de sua autoria. Sempre o achei lúcido e ponderado, preocupado em retratar a realidade do nosso setor. Mas cada vez mais o vejo não apenas preocupado em retratar nossa realidade e sim em apontar rumos. Parabéns pela excelente sintese dos novos defasios que se põe para a cadeia produtiva. Adorei a analogia com o paradoxo de Stockdale (não conhecia a história). Precisamos de colaboração de todos e lideranças a altura.
Parabéns ao Dr Miguel pela excelente análise macro da realidade na qual vivemos hoje. Podemos concluir muito com suas idéias que não tem nada de superficial. Parabens pela capacidade de síntese e sinalização de um norte, afinal precisamos ter os pés no chão e a cabeça no horizonte para que a vida e as nossas atividades neste curto espaço de tempo chamado vida valham a pena.
Não nos foi dada a oportunidade de escolher o nascimento e muito menos a morte, portanto devemos fazer bem tudo que acontecer entre estes dois episódios.
Parabéns Miguel pela capacidade de articular tão bem aspectos tão importantes do momento da pecuária em que estamos vivendo. Com certeza, nas crises, nossa atitude deve ser pro-ativa, fazermos nossa autocrítica e termos a coragem de mudar atitudes e idéias caso necessário. Apenas combater quem nos criticam ou até ofendem, não leva a nada, a não ser que todos tenham uma visão construtiva de todo o processo. A evolução foi muito rápida na pecuária, em poucos anos. Mal assimilamos uma avalanche tecnológica no processo produtivo e já não é mais suficiente, temos que aperfeiçoar urgentemente a gestão e agora não basta mais ser bem gerido, tem que ser sustentável também. Esta não é a primeira nem será a última crise mas com certeza sairemos dela mais fortalecidos, mais unidos, mais conscientes, mais eficientes e mais sustentáveis.
Prezado Miguel,
Excelente a percepção a qual, infelizmente não tem sido característica de parte de produtores e políticos oportunistas, que não perceberam a importancia da gestão ambiental para a agropecuária nacional e do “selo verde” para a exportação de nossos produtos.
Não posso crer que o confinamento é a solução para os pecuaristas saírem da crise! Dever ter outra opções?
Muito bom artigo do Dr. Miguel, preisamos manter a calma, não é hora de euforia, nem de grandes investimentos, é preciso cautela. A pecuária tem vivido praticamente numa crise constante, com ligeiras melhoras no preço da @ como no ano passado, mas a alegria e otimismo durou pouco. Estou esperançosa que ao menos possamos utilizar as áreas de reserva legal com gado, caso sejamos impedidos e obrigados a cercamento e isolamento dessas áreas, ficará praticamente inviável a produção no pantanal.
Miguel, Parabens pelo artigo, pela capacidade de analise critica, pela clareza com a qual expoe e articula suas excelentes e bem embasadas ideias! Parabens pelo excelente profissional que voce tem demonstrado ser nos textos que tem publicado aqui no BeefPoint. Parabens por ser um agronomo mais que moderno, sério, preocupado com a sustentabilidade, e que tem a capacidade de analisar os fatos com uma visão global, mundial!
Parabéns Miguel!
Sua habilidade em observar e refletir sobre o momento econômico que passamos, apenas se compara à sua excelente capacidade de transmitir sua síntese de idéias de forma coordenada e ponderada.
Prezado Miguel Cavalcanti
É isso aí.Valeu o editorial, mais uma vez, bem atual.
O Brasil tem pressa de chegar ao futuro.Durante gerações fomos um país do futuro que nunca chegava .Essa chamada crise poderá ser a nossa nova oportunidade.
O cenário contemporâneo é, sem sombra de dúvidas, de um desenvolvimento sustentável.Um novo caminho em que a produção da riqueza siga em paralelo com a redução da pobreza e o respeito á natureza.
Precisamos produzir e resistir.Produzir alimentos suficientes para uma humanidade crescente e resistir aos que não pensam, ou aos que imaginam que pensam, nas gerações seguintes,alguns degradando e outros delirando.
Os sinais da mudança são evidentes.Caíram todos os muros.O muro de Berlim da estatização sufocante e, agora, o da Rua do Muro(Wall Street) do mercado especulante.
Para construir um futuro em que a inovação será o fator predominante não podemos esquecer da história, o passado também é importante.
Acredita-se que nos últimos cinquenta anos a humanidade avançou em conhecimento mais do que em cinquenta mil anos.
O futuro é agora, esta é a nossa hora.Utlizar desde a tecnologia de ponta até os saberes regionais.Precisamos ter a coragem de compreender que desenvolvimento não é monopólio do hemisfério norte.Autoestima não depende de clima.
Produzir alimento com a ajuda do conhecimento.Este é um dos nossos caminhos para o Brasil varonil, com a ciência e a tecnologia avançando a mil, rimando progresso com sucesso.A capacidade a serviço da sociedade.
Inovar é preciso, o progresso,também é preciso.O mundo está mudando, o Brasil precisa continuar avançando, democrático, progressista, livre e justo.O tempo não pára.
Com um país lucrativo e sustentável, o progresso será notável.
Paulo Cesar Bastos é engenheiro civil e produtor rural
Miguel parabens por mostrar algumas alternativas de adaptação a nova ordem de produção;
Até pouco tempo tinhamos a mensagem” produzir o maximo a qualquer preço”, agora esta mensagem mudou, temos outras preocupações, como o meio ambiente, com o bem estar dos animais e o mais importante com o produtor;
Para ser lucrativo e sustentavel devemos por um ponto de interrogação em todas fases de produção dentro da fazenda; olhar metodos de produção naturais com bons olhos, aproveitar que o Brasil é tropical e tem pasto praticamente o ano inteiro, imaginar uma vida no solo e não trazer artificialmente as substancias necessarias, montar um ciclo de recuperação, mesmo que no inicio a produção não seja alta, com o passar do tempo com o solo em manejo diferenciado, em recuperação, vai aumentando sua capacidade de lotação e qualidade do pasto , e conforme se produz mais se gasta menos;
sendo assim lucrativo e sustentavel.
Caro Miguel,
Lucro e Sustentabilidade são paradoxos criados pela resistência humana diante das mudanças.
É explicito na cartilha básica de gestão empresarial agrícola, que a atividade pecuária só é sustentável quando está apoiada em um conceito que contemple: valores humanos e vocacionais (incluindo qualidade de vida); garantia de renda; e, viabilidade por longo tempo. A atividade pecuária não pode ser interrompida por alterações climáticas drásticas, pelo esgotamento ou contaminação dos recursos naturais que dão suporte a produtividade.
Para a adoção de um processo sistematizado e sustentável de produção, devem ser eleitos Indicadores de Sustentabilidade de acordo com as condições de cada propriedade. Esse processo deve ter sempre presente às questões geográficas e econômicas tanto locais como globais.
Quando se fala em processo sistematizado de produção, escolha de Indicadores de Sustentabilidade, a resistência aumenta em progressão geométrica na cabeça dos envolvidos. O fantasma da resistência desaparecerá se for possível demonstrar como se faz.
Em primeiro lugar, um bom “professor” deve usar a linguagem do aluno; em segundo, introduzir pedagogicamente o conteúdo se utilizando da prática do aluno, assim a assimilação se efetiva e o progresso é contínuo.
É muito interessante o Paradoxo de Stockdale citado no seu editorial, além da fé em um futuro melhor, o autor enfatiza que para vencer, é também necessário o enfrentamento atualizado da realidade nua e crua de cada situação, por pior que seja.
A lentidão na introdução de um sistema de controle preciso do sistema de produção na pecuária tem muito a ver com o medo de encarar uma realidade dura, de resultados questionáveis em termos de sustentabilidade econômica e ambiental.
De tudo que está posto no editorial e nas reflexões que se faz a partir dele, conclui-se que produzir carne em Sistema Sustentável requer conhecimentos “relativamente” complexos, mas não impossíveis de serem adotados:
– Está condicionado a participação efetiva de recursos e políticas do Estado;
– Depende da determinação dos produtores;
– Da disponibilidade de informações permanentemente atualizadas;
– Requer a adoção de metodologia confiável para avaliação dos termos conceituais;
– Precisa ser legitimamente sustentável para ter a aceitação da sociedade de consumo (muito exigente nas questões preservacionistas e sociais que envolvem o processo produtivo).
O aparente paradoxo Lucro X Sustentabilidade vai gerar ainda muitas discussões políticas, esforços práticos, e, a adoção de um conceito único, que garanta qualidade de vida às gerações futuras como foi tão difundido pela Agenda 21, em 1992, na abertura de um fórum mundial e permanente em defesa da preservação do Meio Ambiente.
Abraço,
Janete Zerwes
BPW – Cuiabá – MT
Coordenadora em Agropecuária
Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso
Comissão de Produtoras Rurais
Coordenação em Tecnologia e Pecuária