De 11 a 15 de outubro, ocorreu na cidade de Colônia, na Alemanha, uma das principais feiras de alimentos do mundo, a Anuga 2003. Estive nessa feira buscando conhecer mais sobre o mercado mundial da carne e descobrir sobre a imagem da carne brasileira no Exterior. Este artigo tem o objetivo de apresentar algumas reflexões sobre o Brasil no mercado internacional.
Na feira deste ano, o Brasil estava representado por 14 frigoríficos exportadores. Em anos anteriores, eles foram criticados por não desenvolverem uma boa divulgação da carne brasileira. Isso mudou muito este ano: desta vez, o trabalho foi muito bem feito, melhorando a imagem do nosso produto no Exterior. No entanto mais importante que a imagem divulgada numa feira é a percepção que os clientes têm da carne brasileira. Nesse sentido ainda falta muito trabalho a ser feito.
Muito se fala sobre o avanço das exportações brasileiras de carne bovina. Muito antes do esperado, nos tornamos os maiores exportadores de carne do mundo, com previsão de embarques na ordem de 1,3 milhão de toneladas de equivalente-carcaça em 2003. Realmente, este é um feito que merece ser comemorado, por razões óbvias. No entanto, estamos longe de ser o maior em faturamento. Em 2002, os EUA exportaram 1,2 milhão de toneladas, rendendo US$ 3,5 bilhões; no mesmo ano, o Brasil faturou US$ 1,075 bilhão, com um volume de 929 mil toneladas. Para 2003, a previsão é de US$ 1,5 bilhão, muito abaixo do valor americano.
Os preços praticados pelo Brasil são os mais baixos do mundo. Atualmente, os importadores europeus pagam pelo contrafilé brasileiro cota Hilton de US$ 6,50 até US$ 6,80/kg; pelo fora da cota Hilton, de US$ 4,00 a US$ 4,30. Para o mesmo corte oriundo da Argentina, os valores são: Hilton, US$ 8,20, e não-Hilton, US$ 5,80/kg. A diferença é muito grande para dois países do mesmo continente e com mesmo status sanitário. Os compradores acreditam (e muitas vezes têm razão) que a carne argentina tem mais maciez e, principalmente, mais uniformidade.
Comparando com outros mercados aos quais o Brasil não tem acesso, a diferença fica ainda maior. Os EUA exportam contrafilé para o Japão a preços que variam de US$ 15,50 a US$ 19,90/kg, dependendo do padrão de qualidade. Para esse mercado, o Brasil não tem autorização para exportar carne in natura, por falta de acordo sanitário, devido ao excessivo controle japonês com relação à aftosa.
O Brasil exporta hoje o maior volume de carne, com o preço mais baixo do mundo e não tem acesso aos principais mercados mundiais, com exceção da União Européia. Não podemos vender carne in natura para os EUA, o Japão, o Canadá, o México e a Coréia, mercados importantíssimos, que pagam bons preços.
Que conclusões podemos tirar desses fatos? Existe um enorme potencial para o Brasil, pois, em breve, teremos acesso a outros mercados. Podemos ainda aumentar o valor e melhorar a imagem da carne brasileira. Para isso, é preciso melhorar a forma como comercializamos nosso gado e nossa carne. Mora aí uma enorme oportunidade para os pecuaristas brasileiros.
É possível fazer hoje uma separação prática de três mercados distintos a serem atendidos pelo Brasil. O mercado de exportação, mais exigente; uma parcela do mercado interno com maior poder aquisitivo, exigindo qualidade de forma similar ao de exportação; e outra parcela, que busca carne bovina por um preço mais competitivo.
O atual cenário do mercado mundial da carne é muito favorável ao Brasil, estamos caminhando para erradicar a aftosa em todo o território, o que abrirá portas em muitos outros países. A Austrália, nosso maior competidor, está passando por um período de recuperação após uma severa seca, estando com sua produção plenamente recuperada somente em 2007.
No entanto, para que isso ocorra, é preciso uma significativa mudança dos produtores e frigoríficos. A quantidade de carne exportada está aumentando a cada dia e as exigências dos importadores também. Com isso, será necessário produzir uma quantidade maior de carne dentro de padrões predeterminados.
A uniformidade da carne ofertada é o maior entrave às exportações brasileiras. Os importadores reclamam (e por isso pagam menos) que a carne brasileira varia muito em maciez, cobertura de gordura, apresentação etc. Hoje, os frigoríficos brasileiros têm enorme dificuldade para conseguir comprar animais com acabamento de gordura, peso de carcaça e idade adequados. Muitos obtêm menos de 10% de animais dentro do padrão que necessitam para atender seus clientes.
Existe uma grande oportunidade para os produtores brasileiros, pois não há disponível, hoje, quantidade suficiente de animais nas especificações desejadas. Além disso, a tendência mundial é de um aumento nessas mesmas exigências. Somos os mais competitivos fornecedores dos mais diferentes tipos de carne (a pasto, confinado, orgânico etc.).
Produtores fornecendo o padrão ideal de animais para exportação poderão conseguir um sobrepreço bastante interessante por seus animais. Se conseguirmos fornecer carne no mesmo padrão da Argentina e obter os mesmos preços (muito abaixo da carne americana no Japão, por exemplo), poderá aumentar em muito a rentabilidade da cadeia da carne brasileira.
Imagine que poder de negociação teria um grupo de produtores com capacidade de entregar um grande número de animais em um padrão de qualidade definido, com uniformidade e regularidade de fornecimento, neste momento em que o mercado está altamente comprador para a carne brasileira.
O momento não poderia ser mais favorável à pecuária de corte brasileira ao se analisar o mercado internacional, mas precisamos começar a agir como “os maiores exportadores do mundo”, com uma postura pró-ativa, de olho nas demandas dos consumidores mundo afora e preparados para enfrentar o contra-ataque dos concorrentes.
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Esse artigo foi publicado na revista DBO Rural na edição de novembro de 2003
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Miguel,
Meus parabéns pelo artigo.
Concordo com tudo que disse e gostaria de acrescentar que o Brasil precisa estar apto a tipificar e classificar carcacas no dia a dia, estando assim apto a identificar os animais de mais alta qualidade e destinar os mesmos aos mercados mais exigentes, assim como pagar prêmio aos produtores de tais animais.
Somente o pagamento de prêmios aos animais de superior qualidade fará com que a oferta desses aumente.
Um abraco,
Caro Miguel,
Você sempre prestando este excelente serviço à pecuária nacional. Parabéns pelo texto. Preciso e equilibrado.
Pena que ainda estejamos discutindo se devemos implantar a rastreabilidade, se devemos identificar por indivíduo, quem paga a conta e por aí a fora. Precisamos de mais projetos Nelore Natural do Viacava e equipe ACNB e de outros do mesmo padrão. Precisamos ser mais profissionais!
Abraço,
Concordo 100% com sua analogia.
Está mais que na hora de “descomoditizarmos” nossa carne.
Mas mudancas apenas acontecerão quando a cadeia de valor estiver mais unida e não tão preocupada em maximizar apenas o seu elo em particular. Em outras palavras, frigorificos têm de pagar um premium para um prduto padronizado, dentro das exigências para exportacao.
Enquanto frigoríficos continuarem precificando o gado da mesma forma arcaica que vem sendo feito a decadas, mudancas não virão. Está mais que na hora de começarem a pagar precos diferenciados por um produto diferenciado.
Só assim o Brasil e a cadeia produtiva como um todo começarão a oferecer um produto superior e padronizado. E ganhar muito mais dinheiro com a margem adicional.
Caro Miguel
Parabéns, concordo plenamente com o que você diz.
E não parece um absurdo que exista uma demanda que paga mais por um produto diferenciado e com um rebanho do tamanho do nosso não exista oferta suficiente de animais padrão exportação?
Versatilidade em atender os diferentes mercados compradores é pré-requisito se quisermos não apenas sermos os maiores exportadores , mas agregar valor ao que já produzimos.
Parabens pelo artigo e um abraço,
Miguel,
Excelente editorial.
Quando se alcança o topo, seja lá em que atividade for, aí é que começa o verdadeiro trabalho, pois manter por vezes é mais difícil que atingir.
Principalmente quando conseguimos chegar ao 1o lugar em parte por competência, mas principalmente por estarmos lastreados em preço baixo, e em temporárias mazelas alheias.
Parabéns, abraço,
Meu caro Miguel:
Ótima analise que vale aprofundar. A carne da Argentina, entreverada e gordurosa, supre um mercado tradicional para tal produto. A carne americana (idem da Austrália) para o Japão é supergorda de bois cevados, que não temos. O produto brasileiro é de um padrão “novo”, de carne enxuta, ainda não bem padronizada, conhecida só na Itália. Conquistou mercado não pela qualidade reconhecida previamente, mas pelo preço e pela imagem de ser saudável por provir de boi Nelore de campo, do verde, criado ao natural, em uma fase de pânico sanitário do consumidor. A concorrência apregoa que é “rija”, o que pode ser certo para o contrafilé, mas discutível para outras peças. E agora, vamos mudar para o tipo marmorizado? Não será fácil.Temos que preservar mercado para o Nelore e sua carne, apregoando sempre que é saudável, que provem de bois criados no verde, ao natural, com pouca gordura que faz mal á saúde! Que venham ver para acreditar! Cumpre aos abatedores se empenhar pela padronização das carcaças que sabemos e podemos produzir.Vamos deixar de lado o padrão argentino e outros baseados em raças que não conseguimos criar em grande escala, se não as estaríamos produzindo. Nosso padrão é Nelore, pelo menos no futuro previsível. Vamos “vender esse peixe”, digo as carcaças uniformes, bem acabadas da carne Nelore. Essas poderemos oferecer aos milhões, com segurança sanitária, uniformidade, continuidade e confiabilidade. A mercancia eficiente opera milagres! A nossa terá como motivação básica o apelo à saúde. Haveria melhor? E cuidemos para que não venhamos a admitir que por aqui ha risco e que por isso temos que rastrear cada boi, -pendurando brincos e comprando certificados-, pois pode acontecer que um deles seja “louco”. Então a garantia da saúde “vai p’ro brejo” e não haverá carne barata que convença o consumidor apavorado! Grande abraço. Fernando Penteado Cardoso, eng.agr.sênior, Agrolida, S.Paulo.