Manejo importado e especialistas

O assunto bem-estar animal em bovinos, especialmente devido a questões comerciais, tem sido gradativamente mais discutido na mídia especializada. Com isso, mais profissionais estão se dedicando ao tema, o que é muito positivo para nossa pecuária. Todavia, é fundamental que o tratamento dessa questão seja sério e permanente, e não apenas passageiro ou como fruto de “modismos”, principalmente porque o bem-estar animal é um fator muito importante para a produtividade e rentabilidade da atividade.

Há alguns dias tive a oportunidade de participar de um workshop sobre Bem Estar Animal, promovido pela Elanco e BeefPoint, com a Dra. Erika Voogd (consultora americana) como palestrante. O workshop concentrou-se mais no manejo do gado no frigorífico. Eventos como este são muito bem-vindos e os seus promotores devem ser parabenizados. Contudo, devemos estar atentos ao risco da adoção e disseminação fiel de tecnologias estrangeiras, concebidas em ambientes físicos, sociais e econômicos muito diferentes do nosso. Assim, precisamos sempre tomar cuidado com a aplicação de conceitos e procedimentos desenvolvidos em situações diversas das do Brasil.

A busca do bem-estar dos bovinos pode ocorrer através da aplicação de um conjunto de princípios comumente denominado Manejo Racional de Bovinos (MRB). No Brasil, estamos engatinhando nessa área. Então, ainda não possuímos grandes fontes de informações – teóricas e práticas em nossas condições – a respeito do assunto. Apesar da maioria dos princípios, objetivos e técnicas do manejo racional dos bovinos ser “universal”, o caminho e a forma de aplicá-los podem e devem ter grandes variações, conforme já salientado.

Bem-estar animal?

É inquestionável que o desenvolvimento de um bom manejo racional nas diversas condições dos países deve sempre envolver estudo, aprendizado, adaptação de tecnologias existentes e a criação de novas. Periodicamente, são publicados artigos nacionais sobre manejo de bovinos e tópicos relacionados. Os autores variam de profissionais realmente envolvidos no assunto a técnicos e leigos de áreas totalmente diferentes. Infelizmente, não obstante a publicação de ótimos textos, vários conceitos de manejo e instalações, recentes no Brasil, estão sendo apresentados de forma inadequada, o que pode prejudicar mais do que colaborar na disseminação do MRB.

Um pequeno exemplo em relação a instalações de manejo é a recomendação da seringa circular e tronco coletivo em curva. Parece que por ser o que mais chama atenção nos modelos de currais racionais, em relação aos tradicionais, são referências apresentadas em diversos textos. Contudo, estas recomendações têm-se apresentado como “a” solução para uma instalação de manejo. Um curral possui diversos componentes, que precisam formar um conjunto harmônico, mas que podem ser de diferentes modelos e funcionar muito bem em todos.

Estes componentes também são regularmente apresentados em artigos sobre o tema como uma criação da Dra. Temple Grandin – especialista americana e uma das maiores estudiosas e referências em manejo animal e instalações no mundo -, o que não é verdade. Citando a própria Grandin (2000), o desenvolvimento de currais com seringas e troncos coletivos em curva ocorreu de forma independente desde os anos sessenta em países como Austrália (Daly, 1970), Nova Zelândia (Kilgour,1971; Diack, 1974) e EUA (Oklahoma State University, 1973).

Pessoalmente, quando planejo novas instalações, quase sempre, os dois modelos de componentes citados, inclusive utilizando, muitas vezes, várias recomendações da Dra. Grandin. Mas também estudo e sigo recomendações sobre manejo e instalações de vários outros especialistas estrangeiros em manejo de bovinos, que desenvolvem excelentes trabalhos há muitos anos e devem ser também importantes referências no estudo e desenvolvimento do MRB para qualquer pessoa interessada no assunto.

Acredito que um bom profissional deve estudar, aprender, adaptar, criar e disseminar “conceitos técnicos”, mas sem o devido conhecimento teórico e prático pode atrapalhar mais do que ajudar. Logo, independente de ser profissional ou leigo no assunto em questão, o estudo e o trabalho sério e competente deve ser, sempre, o objetivo. Cabe destacar que a busca do bem-estar dos bovinos através do MRB vai muito além do que um modismo, ou oportunismo, e implica muito mais do que apenas um curral diferente. Ela envolve todo o sistema de produção na fazenda, transporte e frigorífico.

É também importante citar que no Brasil, já nos anos noventa, alguns currais do hoje chamado modelo racional já foram montados por iniciativas particulares. E quanto ao manejo, vários dos princípios que hoje relacionamos ao bem-estar animal já são seguidos em várias fazendas há muitos anos, devido à visão de fazendeiros e vaqueiros diferenciados. O fundamental no estudo e adoção de um sistema de manejo racional é compreendermos seus princípios e aprendermos como utilizá-los e adaptá-los nas inúmeras situações que encontramos na realidade de nossas fazendas. Não existe uma “receita de bolo”.

Além de trabalhar intensamente na área, ocasionalmente escrevo revisões e observações pessoais sobre manejo racional. E cada vez mais percebo que, se bem desenvolvido, o manejo racional dos bovinos traz excelentes ganhos para a nossa pecuária e é um ótimo instrumento de marketing para a carne brasileira.

Finalmente, não custa repetir, nem tudo que funciona bem fora de nosso país (manejo e instalações) vai funcionar da mesma forma aqui. Isso, eu também tenho observado na prática.

Bibliografia

Daly, J.J. (1970). Circular cattle yards. Queensland Agricultural Journal 96; 290-295.

Diack, A. (1974). Design of round cattle yards. New Zealand Farmer 26 Setembro, 25-27.

Grandin, T. (2000). Handling and Restraint of Range cattle. In Grandin, T. (ed.) Livestock handling and transport (2nd ed.). CAB International, Wallinford, UK, pp 103-125.

Kilgour, R. (1971). Animal handling in works: pertinent behavior studies. In: 13h Meat Industry Conference. MIRINZ, Hamilton, Nova Zelândia.

Oklahoma State University (1973). Expansible Corral with Pie Shaped Pens. Plan No. Ex. OK-724-25, Cooperative Extension Service, Stilwater, Oklahoma.

0 Comments

  1. Anselmo Ranier Pereira disse:

    Concordo com autor, que devemos sempre adaptar as novas experiencias com as condições de trabalho de cada fazenda. Generalizar jamais!

    Por outro lado, os currais preconizados pela Drª T. Grandin oferecem uma melhor adequação ao manejo dos bovinos nos currais, associada logicamente as boas práticas de manuseio dos mesmos, sem agredi-los mais que o necessário.

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