O tema manejo racional está cada vez mais em evidência na produção de carne bovina no Brasil. Quais são os motivos? Hoje vivemos uma revolução na pecuária, temos a necessidade de produzir alimentos de forma eficiente, de acordo com os anseios dos consumidores. Parece algo simples, discurso repetido, mas a prática é bem mais complexa.
Recentemente o BeefPoint realizou um curso sobre Manejo Racional de Bovinos de Corte com o Prof Matheus Paranhos, maior especialista brasileiro no assunto. Ao fim do curso ficou claro a todos as necessidade e vantagem de se entender esses novos desafios. Compartilho com você minhas reflexões sobre o curso, buscando analisá-lo com uma visão de mercado.
A complexidade da produção de carne tem aumentado muito. Hoje a competição é global. O Brasil, por exemplo, compete com a Austrália em mercados longínquos como Cingapura. E a demanda dos consumidores se modifica com o passar do tempo. Além da qualidade do produto (maciez, sabor, textura, etc) também se deseja saber como foi produzido, por quem, em que condições, para se assegurar segurança alimentar e respeito ao meio ambiente.
Os valores de um produto são separados em quatro características. Além do valor intrínseco e estético, vem crescendo a importância do valor social e moral dos produtos. O valor social é o benefício do produto à sociedade como um todo e o moral diz respeito a como esse bem foi produzido.
A produção de alimentos no mundo segue uma nova tendência, resumida na sigla PPP (people, planet, profit), ou seja, qualquer atividade produtiva deve buscar simultaneamente: a melhoria na vida das pessoas, a sustentabilidade do meio ambiente e também o lucro da empresa. Os consumidores pressionam cada vez mais as empresas para que se preocupem com o lucro, com a sociedade e com o planeta. E isso dá lucro – veja o exemplo da Natura, empresa que prima pela atenção ao PPP, tendo sida eleita a empresa mais admirada pelos brasileiros em 2004, em recente pesquisa da Carta Capital / Interscience.
Já existem pessoas que não comem carne, por não concordarem com a maneira que os animais são criados. Isso é uma ameaça e, ao mesmo tempo, uma tremenda oportunidade, pois o Brasil é um dos países que melhor e mais facilmente pode se adequar a essas exigências.
Nesse contexto o manejo racional é um grande avanço e deve ter sua adoção muito estimulada no Brasil. Fazendas que utilizam os princípios do manejo racional vêm obtendo resultados surpreendentes, pois os ganhos ocorrem em diversas áreas. A produtividade dos funcionários aumenta, bem como a melhoria das condições de trabalho, com sensível diminuição dos riscos envolvidos. O menor número de acidentes também ocorre com animais, sendo mais uma vantagem econômica do processo. Animais manejados de forma correta tendem a ser mais dóceis, atributo correlacionado com qualidade de carne, sendo um ganho indireto do manejo. Ao mesmo tempo, o manejo racional no pré-abate reduz drasticamente o número e gravidade de contusões das carcaças.
Além de todas essas vantagens, vem surgindo mais uma: o acesso a mercados. A rede inglesa de supermercados Tesco não compra mais carne de frigoríficos que fazem abate Kosher, que não permite o atordoamento dos animais antes da sangria. É uma análise de custo-benefício: deixar de atender um mercado para atender outro.
A Certificação Freedom Food, feita na Inglaterra, garante que os animais são criados em sistemas de produção que não confinam seus animais. A Tesco já compra diversos produtos com esse selo. E o espaço desses produtos nas gôndolas dos supermercados europeus vem crescendo bastante nos últimos tempos.
Tudo isso mostra que a adoção do manejo racional é uma necessidade e possibilitará ganhos consideráveis para a pecuária brasileira. O manejo racional é mais do que a adoção de uma tecnologia, requer uma mudança de atitude.
Ganhos em eficiência, ganho de peso, menor estresse, menores riscos para animais e funcionários, maior produtividade homem/hora, maior qualidade de carne no pré-abate e acesso a mercados mais exigentes são as justificativas para adoção do manejo racional.
Uma filosofia de trabalho que não aumenta custos (na verdade, diminui), aumenta a produtividade e insere a produção de carne bovina num contexto muito mais amplo de qualidade. Um contexto que engloba qualidade intrínseca, meio-ambiente e responsabilidade social. Esse contexto já é realidade e se adequar a esses desafios fará a diferença no acesso e sucesso nos mercados mais exigentes do mundo, com eficiência, sustentabilidade e (é claro) lucratividade.
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Bravo Miguel pelo alerta. Vamos caminhando na direção de mercados mais sofisticados, por isso mais exigentes tanto da qualidade como da origem.Vale cuidar do manejo “gentil” como, principalmente, evitar a fome dos animais.
Este, a meu ver, o problema número uma da nossa pecuária: alimentar bem e economicamente na seca periódica. Não quero ser dono da verdade. Por acaso alguém aponta assunto de maior prioridade? A matéria comporta ampla discussão, mas a má alimentação na estiagem é, a meu ver, o grande obstáculo da eficiência. Imagine-se um ganho de peso uniforme o ano todo, do mesmo nível obtido nas águas! Grande abraço.
Concordo em todos os aspectos, pois a consciência de se estar passando um produto de boa qualidade reflete não só o compromisso, como a seriedade de um profissional: em questão (o produtor rural).
Ate quando vamos continuar pensando no passado e não perceber que a qualidade de nossos produtos deve ser repassada não só ao mercado externo mas também ao interno, para gerar credibilidade e mudar o pensamento de todos, em relação aos produtos que vendemos.
Não adianta tampar o sol com a peneira e viver se escondendo das dificuldades de se fazer o correto.
Temos que nos profissionalizar e mostrar ao mundo que podemos e somos os melhores no que fazemos.
Rodrigo Loureiro Alves
Zootecnista,pós graduado em Gestão empresarial e Marketing.