A adoção de princípios de trabalho racionais na lida com o bovino, a partir do conhecimento de seu comportamento e de suas necessidades para um melhor bem estar, influencia positivamente em todos os aspectos de maior importância econômica da atividade pecuária:
– Crescimento / Ganho de peso
– Performance reprodutiva
– Qualidade da carne e da carcaça
– Produção leiteira
– Resistência a doenças
– Segurança dos funcionários e animais
– Imagem mercadológica
Na prática, pecuaristas, peões e técnicos observam os problemas resultantes de um sistema de manejo e instalações inadequadas. Contudo, é importante a quantificação dos prejuízos causados por estes erros, nos diversos pontos da cadeia produtiva. Não só para o desenvolvimento de novas técnicas de trabalho, mas mesmo para a divulgação dos princípios que os especialistas na área tanto tem aconselhado.
Pesquisas em sistemas de produção animal, onde os animais têm um contato freqüente com pessoas, têm demonstrado que mesmo atividades de rotina, aparentemente inofensivas, podem resultar nos animais criando aversão ao homem. E é este medo, através do estresse, que parece ser um dos limitantes a produtividade e bem estar do bovino. Apesar do aumento no volume das pesquisas dessa interação homem-animal, por ser um assunto com muitas variáveis – e assim com maiores dificuldades de estudos de uma forma controlada em situações práticas/comerciais (Hemsworth, 2000) -, que mesmo em centros mais avançados de estudos ainda há carência de trabalhos sobre os resultados produtivos – práticos – na adoção de técnicas do chamado “manejo racional dos bovinos”.
No Brasil, as pesquisas ainda são muito incipientes. Vale citar o trabalho desenvolvido pelo grupo de pesquisa ETCO – Grupo de Estudos e Pesquisas em Etologia e Ecologia Animal, formado por pesquisadores universitários; e também a recente criação do GAMA – Grupo de Apoio ao Manejo Racional de Bovinos, formado por pecuaristas, pesquisadores e técnicos, com os objetivos estabelecidos de conhecer, pesquisar e difundir idéias e boas práticas para o manejo racional de bovinos de corte.
Temperamento e ganho de peso
Existe uma relação importante entre temperamento e produtividade. Neste artigo apresentarei alguns trabalhos relacionados à influência do temperamento dos bovinos no ganho de peso destes. A busca de animais de temperamento calmo através da seleção genética e de descartes, junto ao uso de técnicas apropriadas de manejo e planejamento de instalações objetivando um comportamento tranqüilo dos bovinos durante todo o trabalho de lida, é um dos princípios do manejo racional.
Uma definição prática de temperamento, segundo Kirkpatrick (2002), é a de uma medida da docilidade, selvageria ou agressividade de um animal frente a situações anormais, pessoas ou intervenções de manejo. O temperamento refletiria a facilidade com que o animal responderia a lida rotineira ou tratamentos, e seria uma característica dos bovinos que contribuem diretamente para uma economia em tempo, instalações, medicamentos e trabalho na atividade pecuária. De acordo com o mesmo autor, pesquisa da Iowa State University (EUA) demonstrou que animais mais calmos, de fácil manejo, em confinamento ganharam até 0,227 kg/dia a mais que companheiros de lote agressivos, difíceis de manejar.
Existem diversas metodologias para a medição do temperamento bovino. Entre as mais utilizadas estão a medição do nível de hormônios específicos – ex. cortisol – que são liberados pelo organismo em situações de estresse; a medição dos batimentos cardíacos; a observação e pontuação do comportamento dos animais em determinadas situações; a medida da velocidade de fuga (VF) – menos subjetiva e mais acurada que a anterior. A medida de velocidade de fuga (VF) é o tempo que o animal leva para percorrer determinada distância (em geral usa-se 2 metros) após sair do tronco ou balança. Os animais de pior temperamento teriam maiores VF. Outra metodologia interessante é a observação do modo como a rês deixa o tronco ou balança: andando, trotando, galopando ou pulando.
Em dois experimentos na Colorado State University – EUA, Voisinet et al. (1997) demonstraram uma significativa relação entre temperamento e ganho de peso diário. A pesquisa foi realizada com bovinos em confinamento (+- 205 dias; 436 animais cruzados; grupos de 20 a 50), com a avaliação do temperamento sendo feita durante o manejo de pesagem no curral, a cada 28 dias. Os animais foram adaptados ao local por 2 a 3 semanas antes do início do trabalho.
No primeiro experimento (436 animais) o temperamento foi analisado através da observação do comportamento da rês em uma balança individual – sem contenção; com medidas em escala de 1 a 5. No segundo (304 animais) a analise foi feita com o bovino contido em um tronco de contenção; medidas de 1 a 4. Em ambos experimentos a medida 1 foi para os mais calmos e as maiores (4 e 5) para os mais nervosos e agitados. Resultados:
Experimento 1
Os cruzados europeus de melhor temperamento tiveram um ganho de peso diário (GPD) de 0,190 kg superior aos de pior temperamento, ou mais agitados. Nos animais cruzados zebu-europeus houve também uma diferença significativa, de 0,100 kg de GPD entre os de escore 2 e 5. O GPD nos grupos de cruzados europeus e de europeu-zebuínos caiu paralelamente ao aumento do escore de temperamento.
Os bovinos de temperamento 1 e 2 (68%) tiveram um GPD médio de 1,046 kg, enquanto os animais de temperamento 3 e 4 (32%) obtiveram um GPD de 0,948 kg – uma diferença diária de 0,098 kg. Multiplicando-se pelo tempo de confinamento (+- 205 dias), neste caso teríamos uma diferença final de 20,090 kg por cabeça entre os dois grupos; ou 10,648 kg de carcaça – 0,71 @; a 53% de rendimento -, a mais para os bovinos de temperamento mais calmo ao manejo de curral – considerando apenas os ganhos superiores no período de confinamento.
Em pesquisa conduzida pelo CSIRO Livestock Industries (CLI) e pela Cooperative Research Centre for Beef and Cattle Quality (Beef CRC), novamente se comprovou a relação do bom temperamento com maiores GPD. Animais de melhores temperamentos tiveram um desenvolvimento superior e carcaças mais pesadas que aqueles de pior temperamento (alta VF). Os melhores animais – mais baixas VF – ganharam 0,380 kg/dia a mais em relação aos de pior temperamento.
Trabalho realizado na Texas Agricultural Experiment Station com bezerros pós-desmama apontou as mesmas observações anteriores, com números bastante significativos. Após 50 dias de desmama, bezerros com alta VF (2,72 m/segundo) haviam perdido 5 kg em média, enquanto que os animais de baixa VF (1,83 m/segundo) tiveram um ganho de 13,62 kg em média (Burns, 2003).
Os dados apresentados neste artigo, se tornam ainda mais significativos se pensarmos no quanto um bovino pode ter seu crescimento e engorda retardados devido a um sistema de manejo inadequado desde o nascimento até o final de sua vida.
Conclusão
Apesar das dificuldades na quantificação das vantagens produtivas em função do sistema de manejo utilizado, já existem evidências de pesquisas suficientes provando a importância do temperamento e do comportamento do animal na lida no curral, no nível de ganho de peso. Animais mais tranqüilos durante o manejo de curral têm um ganho de peso superior aos mais agitados e agressivos nesta situação.
Os dados apresentados neste artigo são oriundos de trabalhos realizados no exterior, em sua maioria com animais cruzados em confinamento, mas que podem ser estendidos para nossa situação da mesma forma, a fisiologia dos bovinos é a mesma, independente da raça e do ambiente. O sistema de produção na maioria de nossas fazendas é de zebuínos criados em regime extensivos ou semi-intensivos, animais muito sensíveis a forma de lida – ruim ou boa -, e que em geral são manejados agressivamente, em instalações tradicionais, muitas vezes mal planejadas. Talvez nesta situação o efeito negativo do “mau comportamento” no curral seja ainda mais acentuado do que em regimes de confinamento – um questionamento importante que poderia ser pesquisado pelas instituições competentes.
A maneira como o animal reage na lida de curral resulta de sua genética e de experiências prévias. Portanto, para incrementar este aspecto, junto com o melhoramento genético é fundamental a adoção de um sistema de manejo adequado. Os pontos mais importantes para um trabalho de melhoramento do temperamento dos animais:
– Seleção genética – temperamento é de herdabilidade moderada a alta
– Descarte
– Manejo racional
– Atitude e técnicas
– Instalações bem planejadas
Bibliografia
Burns, R. (2003). Study shows temperamental cattle eat less, gain less. AgNews, Agricultural Communications, Sept. 11, 30.
CRC (2000). CRC I Sub – Program 3 ~ Growth and Nutrition. Annual Report 1999/2000.
CSIRO Livestock Industries (2003). Media Release – Ref 2003/135 – Aug 06.
Fell, L. R., Colditz, I. G., Walker, K. H., Watson, D. L. (1999). Associations between temperament, performance and immune function in cattle entering a commercial feedlot. Australian Journal of Experimental Agriculture, 39, 795-802.
Hemsworth, P.H. (2000). The human factor: influence on livestock performance and welfare. Proceedings of the New Zealand Society of Animal Production, 60, 237-240.
Kilgour, R. e Walker, B. (2000). Temperament critical to feedlot performance. Cattle Research Council Sponsors Report, Dec 2000.
Kirkpatrick, F. D. (2002). Temperament, a convenience trait in beef cattle. Beef Cattle Time, 20 (4), 2.
Voisinet, B. D., Grandin, T., Tatum J. D., O’Connor, S. F., Struthers, J. J. (1997). Feedlot cattle with calm temperaments have higher average daily gains than cattle with excitable temperaments. Journal of Animal Science, 75, 892-896.
ETCO: contato Mateus J.R. Paranhos da Costa, ETCO – Grupo de Estudos e Pesquisas em Etologia e Ecologia Animal, Departamento de Zootecnia, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias/UNESP, 14884-900, Jaboticabal, SP.
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Dentro do programa de melhoramento genético levada a cabo há mais de 30 anos no Nelore Lemgruber, da Fazenda Mundo Novo (Uberaba/MG), estamos avaliando o temperamento dos animais há pelo menos 15 anos, utilizando hoje o sistema de “Distancia de Fuga” aos 18 meses de idade.
Todos os anos, cerca de 800 animais (400 machos e 400 fêmeas) desfilam à frente do avaliador, quando recebem “scores” variáveis de 1 a 5, de acordo com suas reações à presença de uma pessoa na arena circular com 6m de diâmetro, sendo a nota 1 correspondente ao animal mais reativo e 5 ao mais calmo (manso).
Ao longo desses anos, a FZEA/USP- Pirassununga vem calculando anualmente as DEP´s de Temperamento dos reprodutores em uso, com acurácias razoáveis.
Também a mesma instituição conseguiu encontrar as Correlações entre os scores de Temperamento e as características produtivas de Pesos Corrigidos: +0,36 para PC 205 dias (desmama) e +0,38 para PC 550 dias (sobreano).
São números bastante significativos em genética animal, indicando que animais mais mansos têm uma grande probabilidade de ganharem mais peso.
Notamos também, que na prática, o uso de touros mais mansos no rebanho vem “amansando” o gado como um todo, com todas as vantagens daí decorrentes.
Caro Paulo,
Considero todas as questões relativas ao manejo dos animais e ao comportamento social dos mesmos, tão importantes quanto as questões que envolvem a qualidade alimentar e sanitária do rebanho (o técnico zootecnista, ri de mim, dizendo que engordo bois com psicologia, respondo a ele, que são 3 Ps a considerar: pasto, proteinado e psicologia).
Obtive de forma até meio aleatória a comprovação da necessidade de adoção de critérios mais rigorosos para o manejo e formação de lotes na classificação dos animais.
Descobri na prática, durante a pesagem individual dos animais entreverados em um novo lote menor, para favorecer o ganho de peso (classificados de dois lotes de diferentes origens, mas com idênticos desempenhos de ganho de peso, idade e condições alimentares e tamanho de lote) na pesagem posterior a formação deste lote, pudemos observar uma redução de ganho de peso muito significativa do lote receptor, que permaneceu no pasto de origem, e perdas médias de peso mais severas no lote entreverado, chegando mesmo a ganhos/dia negativos.
Comentando estes dados com o pessoal de campo, vaqueiros, durante as pesagens, recebi de um deles o seguinte comentário: “É dona Janete, a balança determina o manejo”, no sentido de que a balança estava realmente confirmando aquilo que venho recomendando ao longo do tempo, sobre a importância dos critérios de manejo (já adotados a partir das informações obtidas na literatura especializada), acusando um erro que por desconhecimento, cometemos.
Este é um dos casos observados na nossa prática, temos outros também interessantes, que como este, vão sendo gradativamente incorporados as rotinas de manejo animal da fazenda, garantindo maior eficiência de produção, sem custos adicionais, apenas com adoção de novas práticas, novas tecnologias: conhecimento aplicado.