Será que viveremos para ver as mudanças tão sonhadas? Creio que a saída para as indústrias frigoríficas bovinas é trilhar os passos das suas concorrentes (suínas e de aves), as quais apresentam um mix de produtos temperados, reestruturados, marinados, empanados, etc., que é de dar inveja, mesmo sabendo-se que muito ainda existe para ser feito nestes setores.
O leitor do BeefPoint Mauro Gualberto, enviou um comentário ao artigo “De Frigorífico a Indústria de Alimentos – De Commodities a Marca – Da Concientização a Ação“. Abaixo leia a carta na íntegra.
“Evándro, será que viveremos para ver as mudanças tão sonhadas?
Eu filosofo pouco, pois sou uma pessoa muito prática e objetiva, e quando migrei para o seguimento frigorífico, já tinha passado por várias grandes empresas multinacionais no Brasil e no Exterior, com êxito na minha carreira proposta.
Logo não tenho o ranço da cultura frigorífica, que invariavelmente é muito curta e que trabalha sempre da mão para a boca.
Aprendi por força de ofício a mentoriar projetos e a desenvolver produtos, com aplicação de técnicas diferenciadas, buscando agregar valores nos cortes menos nobres e que geralmente sobram nas indústrias, sendo os mesmos vendidos a baixos preços para as indústrias de transformação para limpar e rodar os estoques. Não que se deva deixar de lado os cortes nobres, nada contra, mas pode-se agregar mais em produtos menos valorizados.
Por mais que se busque dar aos produtos cárneos bovinos, requintes de cobertura de gordura, maciez, rotulagem muito bem trabalhada, muito pouco se pode agregar, haja vista que o boi tem no máximo 20% de carne macia e dentro dessas características.
Creio que a saída para as indústrias frigoríficas bovinas é trilhar os passos das suas concorrentes (suínas e de aves), as quais apresentam um mix de produtos temperados, reestruturados, marinados, empanados, etc., que é de dar inveja, mesmo sabendo-se que muito ainda existe para ser feito nestes setores.
O que se vê invariavelmente são tentativas empíricas de alguns açougues e casas de carnes mais ousados, bem como algumas redes de supermercados, tentando maquiar um produto aqui, outro ali, fazendo um corte diferenciado, temperado, recheado, mas nada que realmente possa, nem de longe, ser o que se espera neste setor.
O que fazer com um dianteiro leve, uma costela magra e leve, com carnes de matança, com recortes e carnes industriais, com cupim magro, com capa de filé, com músculo e vários outros cortes que não são nobres? Porque não agregar valor a estes produtos, porque não se ofertar um mix que agregue valor e facilite a vida da dona de casa, dos cozinheiros e churrasqueiros, os tempos mudaram e as pessoas necessitam de produtos práticos, econômicos e eficientes.
Nas minhas idas aos supermercados, me ponho a acompanhar os passos de uma dona de casa (padrão brasileiro de fazer compras). Lá vai ela e o maridão coletando os mais diversos produtos da compra mensal ou quinzenal.
Lá pelas tantas os dois chegam à área de carnes bovinas, tudo muito arrumado e lindo, carnes em bandejinhas de isopor, cobertas com filme plástico, bem rotulado e num tom vermelho cereja de dar água na boca.
Por trás dos bastidores, um pelotão de profissionais (comprador, fornecedor, carreteiro, lombador, desossador, magarefe, auxiliares para arrumação e controle de exposição), tudo perfeito, a carne chegou dentro do prazo, na temperatura certa e com a cobertura de gordura impecável. Milagre! Maravilha! Até parece que e sempre assim.
Voltando ao nosso casal, eles escolheram três bandejas de bifes, duas de carne moída, um pedaço de carne para assar, outro para cozinhar, levando de quebra mais uma maminha e um pedaço de contra-filé para o churrasco no final de semana.
Após as compras passadas no caixa, colocadas no carro, chegar em casa, levar as compras até a cozinha… Ninguém merece, é um pesadelo, já não existe nenhum marido com paciência e nem mulher que resista. Fala sério!
Mal as compras são descarregadas, as bandejas – tão lindas com aquele vermelho cereja lá da gôndola do supermercado – são empilhadas e colocadas freezer adentro, como quem quer acabar logo com essa história de ir ao supermercado. Eu quero é descansar.
Bem, ai já se passou alguns dias, aquelas bandejas empilhadas no freezer, acabaram por congelar – sabe-se lá quantas horas depois, num processo absolutamente condenado, pois o correto e congelamento rápido para se evitar a formação de cristais de gelo na estrutura do tecido. Afinal de contas, freezer de geladeira é para se conservar produtos, não para congelar. Mas vamos em frente com a nossa historinha, pois o desfecho está próximo.
Uma manhã dessas, onde tudo parece estar dando errado, aquela amável esposa que foi às compras no supermercado, levanta atrasada, passa pela cozinha como um raio, rumo à escola da filha para uma reunião. Enquanto engole uma xícara de café, mordiscando uma torrada com requeijão, abre o freezer, tira de lá uma bandeja de bifes que era a terceira na pilha de carnes, coloca na mesa da pia com um bilhete: Maria volto ao meio dia para o almoço, o seu patrão hoje almoça em casa, capricha no bife acebolado dele que é o prato preferido.
Pronto, chegamos onde queríamos, aquele bife vai descongelar de forma errada – já foi congelado equivocadamente – e o resultado todos já sabem. Vai ser aquela sola de sapato, seca, dura, sem suculência. Por mais que a pobre da Maria tente se esforçar, não vai conseguir.
Moral da historia, na próxima compra, o nosso casal que há anos faz compra no mesmo local, vai reclamar para o gerente da loja, gente boa e já conhecido de algum tempo, dizendo que a carne é ruim. Ato continuo, o gerente liga para o comprador e dá a maior bronca, o comprador espera a próxima compra e o pobre coitado do frigorífico é que vai pagar o pato, ou digo o bife.
Usei uma ilustração parecida numa de minhas palestras para uma cooperativa supermercadista e todos riram muito, acharam muito engraçada, como realmente é, mas sabe o que mudou nada, absolutamente nada, pois a cultura do consumidor também tem que mudar e isso é um trabalho Herculano a ser feito.
As mudanças têm que acontecer em toda cadeia, frigoríficos, distribuidores, varejistas, consumidores/usuários, as escolas de gastronomia, nutrição, veterinária, engenharia de alimentos, todos tem que se mobilizar, os serviços de inspeção municipal, estadual, federal, e a sociedade em geral.
Como eu comecei eu encerro. será que viveremos para ver as mudanças necessárias?
Parabéns pelos artigos, conte sempre comigo nessa luta que deve ser de todos nós”.
Evándro D. Sàmtos, autor do artigo De Frigorífico a Indústria de Alimentos – De Commodities a Marca – Da Concientização a Ação, escreveu uma série de 3 artigos sobre o assunto e convida todos a lerem mais sobre o assunto e darem suas opiniões:
– De frigorífico a indústria de alimentos. De commoditie a marca.
– De frigorífico a indústria de alimentos. De commodities a marca: Parte II.
– De frigorífico a indústria de alimentos. De commodities a marca – Da concientização a ação.
6 Comments
Mauro Gualberto;
Muito pertinente as suas colocações.
Um grande abraço!!!
Eduardo Dutra
Mauro e Evandro venho batendo em uma tecla que não so tem
que orientar o consumidor final mas também tem que mudar a forma de classificar uma carcaça bovina. Existe um ditado antigo “que se ganha na compra”.
Partindo deste principio, cada raça bovina tem um tipo de carne, portanto cada raça bovina deveria ter preço diferenciado, essa pratica não acontece.
Na carne suina e aves já existe uma classificação. o preço pago pelo kg varia de acordo com a qualidade do animal. Em bovinos essa pratica não acontece. E quem
fica com o problema são os frigorificos. Se o frigorifico valoriza uma carcaça bovina,
automaticamente esta valorizando o trabalho do pecuarista. Acredito que assim todos ganham.
Mauro Gualberto
Parabéns sua colocação em todo os pontos traduz a realidade que esse setor vive.Pena que nós ainda por muito tempo não veremos tais modificação tão benefica para todo o setor.
Pena que ainda nosso PAÍS pobre de cultura,e de renda ainda ache os preços caros de uma trasformação para seu própio benefício que traria um conforto e uma simplicidade na preparação dos pratos feito em casa.
Creio que ainda vai demorar muito para tão almegada mudança que o setor necessita para ganhar mais no produto agregado.
Sua colocação mais uma vez foi muito pertinente.
Um abraço
Helio Zancopé Filho
Prezado ODORICO PEREIRA DE ARAUJO,
Concordo plenamente com o senhor,inclusive falo sobre isso,em an passam,na parte II do artigo.
Digo então:
” Falam muito em gestão de governança corporativa,mas não vejo este modelo de gestão em pratica.
Sobre tudo porque para que este tipo de gestão ocorra é necessário que o comportamento de todos os níveis,ou seja,dos donos,passando pelos níveis intermediários,bem como todos os diversos departamentos pensem com a cabeça de INDÚSTRIA DE ALIMENTOS,mas não é isso que ocorre,a cabeça ainda é de frigorífico,produtores e vendedores de commodities.
A gestão de governança corporativa em nosso setor é uma utopia imposta pelo BNDEs.
Este modelo é impossível para este setor,visto que tudo começa em commodities,ou seja no boi.
Visto também ser impossível a descommoditização total,pelo menos em médio prazo,da carne,seja nos cortes primários,que não deixaram de existir,seja nos cortes individuais,meramente porque a forma utilizada para a criação dos animais,bem como a forma de negociação destes animais também não permite.
Para que isto ocorra é necessária à mudança da forma de criar,e de negociar @s e bois no Brasil.
Precisamos de um misto de gestão de governança cooperada e governança corporativa.
Os pecuaristas também precisam ser atendidos pelas empresas de alimentos do ramo,é fundamental que haja um estreitamento de relações entre ambos.”
Este é sem duvidas um dos motivos pelo qual precisamos transformar a coisa chamada frigorífico e gerida como tal,com todos os ranços do passado,em INDÚSTRIA DE ALIMENTOS,com uma gestão moderna e capaz de se situar em bom termo nos tempos atuais,abandonando praticas do século passado,quando se amarrava cachorro com lingüiça.
Saudações,
EVÁNDRO D. SÀMTOS.
Agradeço seus comentários e realmente e lamentável o seguimento frigorífico bovino ser tão cheio de paradiguimas , onde cada empresa, aquartela no seu gueto, finge ser uma empresa de ponta, mas que na verdade a grande maioria não sabe o que fazer alem de abater e desossar, para depois ficar brigando , uns com os outros , na terceira casa decimal depois da virgula…….
Nosso pais, com o titulo de maior produtor mundial de carne bovina, infelizmente não detém tecnologia para sair do comodites, isso e a nossa pura verdade.
Essa quebradeira generalizada dos frigoríficos, na minha opinião, não se da somente pela falta de socorro do BNDES, e falta de criatividade, de diversificação, pois e só lembrar que , se o ex presidente COLOR não tivesse chamado nossos carros de carroças, não teríamos hoje a quantidade de montadoras estrangeiras que temos, bem como a qualidade dos veículos rodando por ai.
A Verdade por mais dura que seja, tem que ser dita, o que falta e inovação, mudança em toda cadeia,vontade política de mudar, ai sim, haverá um novo tempo na carne bovina brasileira, tanto para consumo interno , como para exportação.
Mas vamos ver o que vai acontecer neste mercado……quem sobreviver, vera !!!!!!
Saudações
Mauro Gualberto
Ola Odorico, boa noite,
Seus comentários são muito pertinentes e vão muito alem da nossa imaginação,quer ver……
Nos últimos anos, vimos uma festival de trapalhadas feitas por varias empresas frigoríficas, que a se depararem com muita oferta de dinheiro La de fora, foram se endividando, adquirindo plantas e mais plantas industriais, sem a preocupação de fazer crescer a rentabilidade.
Muitos compraram belos aviões, lindas fazendas e carrões caríssimos, se esquecendo de aplicar nas industrias , em tecnologia e equipamentos e métodos de produção.
Realmente você aborda com muita propriedade, o fato de que o gado, passou do caminhão para o curral e tudo a mesma coisa,,,,isso não esta certo e deve ser corrigido, mas vai levar muito tempo, pois o para casa tem quer feito primeiramente na industrialização, onde a coisa ainda e ainda mais precária.
Mas algo tem que ser feito, só esta discucao já e um ótimo começo.
Forte abraço e bom final de semana
Mauro Gualberto