

Após resultados históricos em 2025, mesmo com o tarifaço americano entre agosto e meados de novembro, a indústria exportadora de carne bovina acredita que 2026 será um ano de estabilidade nos negócios, com exportações próximas do recorde de 3,2 milhões de toneladas que deverá ser confirmado neste ano, e nos preços aos consumidores brasileiros.
Contudo o cenário mais complexo, com a volta dos Estados Unidos às compras, dúvidas sobre o fluxo comercial com a China e possível mudança na oferta de animais para abate, já alimenta discussões entre analistas sobre o comportamento dos preços da carne ao consumidor em 2026.
O possível encarecimento do churrasco brasileiro retornará ao cardápio em um ano eleitoral. O consumo de carne bovina tradicionalmente aumenta com a maior liberação de dinheiro na economia em períodos assim, mas deve haver aperto na oferta no segundo semestre. O endividamento das famílias também pode nublar esse panorama.
Andréa Angelo, estrategista de inflação da Warren Investimentos, disse que a projeção para 2026 é de cotação da arroba entre R$ 320 no primeiro semestre até R$ 360 no segundo semestre. Se confirmado esse patamar de valor médio de R$ 340 por arroba, a alta no preço da carne bovina pode ser de 10%.
“Será mais um ano positivo para a carne bovina, beneficiado também por fatores domésticos, como ano eleitoral, possível impacto do imposto de renda sobre a renda disponível, Copa do Mundo e melhora esperada no consumo interno”, avaliou.
Fábio Romão, economista da 4intelligence, acredita em uma consolidação de alta de 1,7% na carne bovina consumida nos lares dos brasileiros em 2025, sobre uma base já elevada de 2024, quando os preços subiram 20,8%. Em 2026, ele projeta nova aceleração, para 6,9%, influenciada pelas características do ciclo pecuário e a dinâmica de exportações.
O ciclo pecuário é um movimento independente de políticas e estímulos de consumo, formado antes e com consequências de longo prazo, lembrou Lygia Pimentel, executiva da consultoria Agrifatto. A pressão na cotação do boi entre 2022 e 2024 levou os pecuaristas brasileiros a mandarem mais fêmeas para o abate no período, até mesmo as matrizes, usadas para dar cria. Esse movimento está no pico em 2025. Até junho, 49,8% dos animais abatidos eram fêmeas.
O número maior de abate fez aumentar a oferta de carne e o Brasil ficou ainda mais competitivo no mercado internacional. O produto ficou 22% mais barato que a média ponderada de preços dos principais concorrentes nas exportações, como Estados Unidos, Austrália e Argentina, disse Pimentel. Em outros anos, a diferença dos preços brasileiros era de 15%.
Agora, o ciclo começa a se inverter, com maior retenção de fêmeas no pasto. Mas o processo é longo até elas gerarem novas crias e isso se reverter em mais oferta para os frigoríficos novamente, completou a especialista.
“Em 2026, devemos começar a reduzir a participação dessas fêmeas no abate por falta de estoque. Apenas isso já faz reduzir a oferta do produto no mercado”, afirmou. “Há um ambiente de inflação oculta e endividamento que não favorece pagar mais para levar carne para casa. O cenário é de menor oferta e disponibilidade, com o Brasil competitivo no mercado internacional”, avaliou.
A expectativa da Agrifatto é que o Brasil vai encerrar este ano com 42,07 milhões de cabeças abatidas e produção de 10,8 milhões de toneladas de carne. A projeção é de recuo de 4,7% nos abates e de 5% no volume produzido em 2026. “O pico deve ficar para 2027. Precisamos ver quando será a reversão do movimento. Estamos saindo de período de produção formal de carne bovina que nunca tinha sido vista antes”, afirmou Lygia Pimentel.
Do lado dos pecuaristas, há mais otimismo. O presidente da Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat), Oswaldo Pereira Júnior, vê possibilidade de alta nos abates em 2026, para cerca de 7,2 milhões de cabeças no Estado, maior produtor do país. Em 2025, serão cerca de 7 milhões de animais abatidos. Segundo ele, não faltará carne em 2026, principalmente para o mercado interno, que consome cerca de 70% da proteína.
Com o “pé fincado” na fase de alta do ciclo pecuário agora, o dirigente acredita em aumento mais firme da cotação da arroba, saindo dos atuais R$ 310 para mais perto dos R$ 400, apenas no segundo semestre de 2026, acompanhado de incremento do preço da carne no varejo de 10% a 15%. “Isso não está relacionado à oferta, mas sim à demanda, que aumenta, principalmente em ano eleitoral, quando há um giro maior de dinheiro livre no mercado”, apontou.
O radar de Roberto Perosa, presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), não identificou espaço para sobressaltos nos preços da carne bovina ao consumidor brasileiro dada a conjuntura atual. Mesmo com a retomada das vendas para os EUA e o cenário de “normalidade”, com todos os mercados internacionais abertos, há oferta suficiente para manter o abastecimento e as exportações, segundo ele.
O executivo indica estabilidade na oferta de animais para abate e na produção em geral no Brasil. “Nós conseguimos manter o fornecimento de carne normalizado para o mercado interno, sem rupturas abruptas de subida de preços”, afirmou. “Os preços devem se manter pressionados como estão, mas acho que não sobem”, acrescentou.
Ele também não vê chances de crescimentos “vultosos” das exportações do setor no ano que vem. O contexto pode mudar um pouco em caso de novas aberturas de mercado. Mesmo assim, ponderou, não há capacidade de expansão mais larga e imediata no fornecimento da proteína.
Em 2025, com o recorde nos embarques, o Brasil deverá romper a barreira dos 30% da produção destinada à exportação e chegará a 35%. Até 2019, o índice rondava os 20%. “A perspectiva do ano que vem é de manutenção, de estabilidade. Estamos em um ano recorde de exportação, se mantivermos esse nível será sensacional”, disse Perosa. Segundo ele, não há espaço para “um crescimento vultoso como teve este ano, mas não significa que vai ter problema”.
As exportações de carne bovina chegaram a 3,1 milhões de toneladas no acumulado até novembro e devem encerrar 2025 com 3,2 milhões de toneladas e faturamento acima de US$ 16 bilhões. Em 2024, foram embarcadas 2,8 milhões de toneladas, com receita de US$ 12 bilhões.
“Se houver abertura de novos mercados, como Japão, Turquia e Coreia do Sul, talvez possa haver um acréscimo pequeno nas exportações”, avaliou Perosa. Ele acredita que pode haver uma substituição de destinos para países mais rentáveis.
Fonte: Globo Rural.