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Mitos que assolam a agropecuária brasileira

Na seção Espaço Aberto do BeefPoint, foi-me dada oportunidade de falar sobre preconceitos espúrios contra os agricultores brasileiros. Hoje gostaria de dissertar sobre certos mitos que assolam a agropecuária brasileira. Vamos a eles:

A agropecuária brasileira é pouco eficiente, e pouco competitiva:

Permitam-me começar a tratar desta questão, contando uma pouco confortável experiência pessoal. Eu moro no Rio de Janeiro, onde passo a metade de cada mês – e a outra metade do tempo estou na fazenda. Vivo portanto em “dois mundos”, e tenho a triste oportunidade de verificar os enormes preconceitos e mitos que existem contra a agropecuária no Brasil.


Bezerro – costas

Preconceito e ignorância, pois não há atividade no Brasil sobre a qual se fale mais besteira, se doutrine mais idiotice, que agricultura.

Outro dia participei de um debate no Rio de Janeiro sobre “política agrícola e fundiária” onde aquelas plaquinhas que têm seu nome e profissão – ao invés de fazendeiro, agricultor, empresário rural ou economista, estava escrito meu nome, e como profissão:…… latifundiário.

OK, assim apresentado não escapei de sonora vaia na primeira vez que abri a boca. Contudo, e embora a platéia fosse, digamos hostil – no decorrer do debate não me vaiaram mais (também não aplaudiram). E não me vaiaram não porque eu tenha sido especialmente brilhante, e sim porque tinha informações que eles desconheciam totalmente. Por “eles” quero dizer platéia e, pasme-se, os próprios debatedores também. E que informações seriam estas ?


Iluminismo de Tabapuã

Muito simples. A agricultura brasileira é a mais eficiente e competitiva do mundo:

Vamos a alguns dados:

– Nosso custo de produção de açúcar é a metade do 2o exportador mais eficiente.
– Uma saca de café brasileira, produzida em tecnologia adensada, só perde em custo de produção para o Vietnã.
– O suco de laranja brasileiro custa a metade do produto da Flórida.
– A soja brasileira, das regiões mais produtivas (PR, MT) tem o mesmo custo da soja americana, altamente subsidiada.
– O custo de produção de uma tonelada de carne bovina é de cerca de US$ 3.000 na Comunidade Européia; US$ 2.600 nos Estados Unidos; US$ 1.600 na Austrália e entre US$ 1.000 e 1.200 no Brasil.
– A carne branca européia custa 80% mais que a brasileira, e a americana custa 10% mais.
– E por aí vai…

Não há dúvida que a agropecuária brasileira é a mais eficiente e competitiva do mundo.

E produzimos com tal eficiência apesar da carga tributária que onera a agricultura brasileira ser das mais altas do mundo, enquanto agricultores americanos, malaios, japoneses e europeus são beneficiados por subsídios de toda espécie.

Quando sabemos que 40% da receita dos agricultores europeus, provém de tarifas alfandegárias e subsídios diretos, conseguimos ter uma imagem do que deve ser o Céu. Já pensaram como deve ser bom começar seu ano agrícola com a certeza de que 40% de sua receita projetada já está garantida por lei?

Os agricultores brasileiros são caloteiros:

É comum vermos notícias em jornais onde “dívidas agrícolas” são eternamente renegociadas, por pressão da “bancada ruralista” do Congresso Nacional. A impressão que se tem é que somos um bando de caloteiros: contratamos empréstimos que não pagamos.

Há uma verdade e uma falsidade nesta afirmação. Falo sobre o assunto com a tranqüilidade e isenção de quem não recorre a qualquer financiamento bancário ou de entidade de fomento, seja privada ou pública, há mais de 30 anos. E por quê não recorro a financiamentos com juros subsidiados, como o Moderfrota, por exemplo ? Por duas razões básicas:

– Primeiro porque não gosto de ter dívidas. Trabalhei por mais de 30 anos para constituir eficiente sistema de fluxo de caixa, que tem, até o momento, permitido que eu possa passar ao largo de financiamentos.
– Mas a razão principal é que o crédito agrícola é escasso, e julgo minha obrigação deixar que outros agricultores, com maior necessidade e menor capacidade financeira que eu, dele usufruam. É uma simples questão de consciência social, embora, do ponto de vista empresarial seja, óbvia e confessadamente uma burrice.


Vacas na Avenida

Mas voltemos ao assunto: onde está a verdade, e onde está a falsidade?

– Verdade: efetivamente, boa parte de nossa “bancada ruralista” ao invés de pugnar por uma inexistente porém indispensável política agrícola (consistente e duradoura), labuta em fazer com que o dinheiro público suma em vala comum, onde não raro os maiores beneficiados são grandes empresários rurais, cuja idéia de livre empresa é a privatização dos lucros, e a socialização de prejuízos.

– Falsidade: a rentabilidade da atividade agrícola no Brasil é, por norma, extremamente baixa. E é baixa não porque sejamos ineficientes, como vimos acima, mas porque lutamos em dois “fronts”: interno e externo. No “front” interno sofremos talvez a maior carga tributária agrícola do planeta, além de onerosos encargos sociais (que tornam os salários caros para quem os paga, e baixos para quem os recebe). E, como se tal não bastasse, somos vítimas – no “front” externo – de políticas descaradas de subsídios, tarifas alfandegárias injustas, e obstáculos contra importações travestidos de “barreiras sanitárias”. Com tamanha desvantagem, é inexeqüível e iníquo que se contrate financiamentos cujos juros (compostos) estejam bem acima da rentabilidade do setor.

Executivo, Judiciário e Legislativo sabem disso, mas preferem construir um “faz-de-conta” que termina inexoravelmente na inadimplência. Que por si já é má, e tem como agravante o repetido desrespeito à lei e aos contratos, que contamina e deforma a mentalidade dos brasileiros, fazendo-os acreditar de que existem leis que precisam ser seguidas, e outras não.

Qual a solução?

A questão é polêmica e complexa, não existindo pois solução simples. Mas, naturalmente, o caminho passa pela desoneração e estímulo à produção, e, sobretudo, ao estabelecimento de uma política agrícola competente e consistente, e que não seja política de um Governo, e sim política de Governo.

Mito: quem é mais eficiente – o europeu ou o zebu:

Para que este artigo não termine de forma tão amarga e desanimadora quanto os dois “mitos” acima citados, vamos tratar de outro mito, mas este é bem mais “light”: Existe “melhor raça”?

Eu acho que NÃO existe “melhor raça”. A raça mais apropriada depende de uma série de fatores, como: clima, meio, objetivos e até tamanho da propriedade. Eu sou criador da raça Tabapuã, que teve sua origem na Fazenda Água Milagrosa. O Tabapuã é uma raça de características raras: apresenta a melhor habilidade materna, o maior ganho de peso, a melhor precocidade, a melhor carcaça e o melhor total materno entre as raças zebuínas. Seria então a raça Tabapuã, pelo meu conceito, a “melhor raça”? Certamente não.

Mas sou também um grande fã da raça Gir, ideal para pequenas propriedades, pois sobrevive em pastos “rapados”, dá leite, e o sitiante ainda tem o bezerro para vender. Mas seria então a raça Gir, pelo meu conceito, a “melhor raça”? Certamente não.


Vacas no Bebedouro

O conceito que normalmente é utilizado para se definir “raça ideal” é o da eficiência. Para mim isto é um equivoco, e o critério mais correto seria adaptação.

Para mim, a velha pendenga de quem é melhor, o europeu ou o zebu, reduz-se a uma simples equação:

– Durante os últimos 450 anos o Brasil importou cerca de 820.000 taurinos. E em cerca de 150 anos importou apenas 6.300 zebuínos.
– Ou seja, importamos 130 vezes mais animais de raças européias do que de raças zebuínas
– No entanto, os zebuínos representam 80% do rebanho nacional, e os taurinos apenas 20%.

Quando se constata que o zebu teve um aproveitamento 508 vezes maior que as raças européias, ainda será necessário perguntar quem é mais recomendável e melhor adaptado no Brasil e para o Brasil ??

Mas então, finalmente está dirimida a dúvida: o zebu é melhor que o europeu? Não. Apenas sendo o Brasil um país predominantemente tropical e de largas extensões, o zebu adapta-se melhor que o europeu.

Mas a discussão em si é estéril. Para produção de carne, nada é mais eficiente que “heterose”. E para haver heterose, há que se ter e manter… raças puras.

Para finalizar, e voltando à “adaptabilidade”, é preciso que se diga uma verdade. Exceto no extremo Sul do Brasil, as raças européias praticamente não teriam condições de existir, não fosse o zebu: No Brasil, é o zebu que viabiliza a existência do europeu.

Hoje falamos de alguns mitos que assolam a agropecuária brasileira. Se o BeefPoint me conceder outra oportunidade, gostaria de tratar de um assunto vital para uma atividade como a nossa, que opera com pequena margem de lucros: sistema de levantamento de custos de produção, e normas gerais para uma boa administração de propriedade rural, independentemente de seu tamanho, e da complexidade de suas atividades.

_________________________
Carlos Arthur Ortenblad é economista, e titular da Fazenda Água Milagrosa, Tabapuã/SP, onde se originou a raça Tabapuã.

0 Comments

  1. Fábio Carreira Ribeiro disse:

    Concordo plenamente com o Sr. Carlos e portanto gostaria de parabeniza-lo pelo artigo. Agora acho que os pecuaristas, agricultores ou lavradores deveriam ter representações mais eficientes e com um maior poder de negociação no nosso pais, já que algum superávit, desenvolvimento ou crescimento que temos se deve talvez, 80% à agropecuária. Espero poder ler mais artigos do senhor. Obrigado.

  2. Roberto Doria disse:

    Volto a parabenizar o Sr Carlos. Muito sensato e claro. No seu comentário sobre o melhor tipo de gado, concordo plenamente que o zebuíno é de maneira geral, mais adaptado que o bos taurus.

    Com uma exceção, o Caracu, que é um bos taurus mas, pela seleção natural, adaptou-se ao nosso clima e condições.