Miguel da Rocha Cavalcanti1
A pecuária de corte brasileira tem passado por grandes modificações nos últimos tempos. Pode-se perceber pelo aumento do interesse dos produtores, técnicos e estudantes em relação à informação. É unânime a opinião de que é preciso ter informação de qualidade para se alcance sucesso na atividade. Hoje, é possível saber o preço da arroba em várias regiões brasileiras, mudanças na legislação e variação do preço dos insumos de maneira bem rápida e a baixo custo.
Uma grande modificação é a mudança de um paradigma: é a que trata do objetivo da pecuária de corte. A cadeia da carne está cada vez mais consciente que a atividade não é apenas criação de gado. É preciso pensar um pouco mais adiante. Na verdade, hoje somos produtores de alimento. Mais do que isso: alimento de alta qualidade.
Também, é preciso ficar atento ao fato de produzirmos os chamados subprodutos, que a cada dia têm importância maior. É perfeitamente possível (não necessariamente fácil) produzir um animal com couro de qualidade e exigir um prêmio por isso.
Enxergando a atividade como produção de alimentos de alta qualidade e não mais “apenas” criação de gado, é fundamental que se considere cada vez mais as atitudes e mudanças no comportamento dos consumidores. Esse assunto está sendo muito “falado”, mas os resultados na prática não tem sido dos melhores.
E quais são as mudanças no consumidor de alimentos no Brasil e no mundo, que irão afetar a cadeia produtiva da carne bovina ?
Segurança alimentar
Essa é, hoje, a maior preocupação dos consumidores europeus, japoneses e americanos. Esses consumidores querem saber como foi produzido cada alimento e se quem vende (ou produz) é capaz de garantir que o produto a ser consumido por ele (e suas famílias) é seguro, não faz mal a saúde.
O consumo de carne na Europa caiu bastante em 2001, caiu bastante na Inglaterra em 1996 e caiu drasticamente no Japão em 2001. Porquê? Os consumidores não tinham 100% de certeza que a carne vendida era seguramente livre de BSE. Por que arriscar, se é possível comprar carne de frango e de porco pelo mesmo preço (ou mais barato) e sem correr esse “risco” ?
Qual o mais importante impacto na cadeia da carne no Brasil ? A necessidade de rastreabilidade. O consumidor não aceita mais um produto “dito” seguro. É preciso garantir a segurança, é preciso ter risco zero e ainda permitir a auditoria das informações oferecidas.
Semana que vem, as quatro primeiras empresas brasileiras serão credenciadas pelo MAPA para realizar a rastreabilidade de bovinos brasileiros. Muitas dúvidas ainda estão no ar. Não se sabe ao certo o que será necessário e o que será exigido. Mas o primeiro passo está sendo dado, pois é preciso começar. Talvez os preços estejam altos apenas para a certificação de origem e muito provavelmente as exigências serão aumentadas.
É bom lembrar que, ao se certificar alguma coisa, o certificador está assumindo uma série de responsabilidades. Caso algum problema ou fraude sejam descobertos no futuro, o produtor e o certificador serão responsáveis pelas explicações e pela possível indenização.
Falta de tempo
A falta de tempo é crescente e comum entre os habitantes das grandes cidades. E por incrível que pareça, isso é uma grande ameaça à cadeia da carne, exigindo mudanças.
O que acontece quando o consumidor tem menos tempo ? Primeiramente tem, também, menos tempo para fazer compras. Em recente artigo apresentado no BeefPoint na seção Marketing da Carne, foi apresentada uma pesquisa americana mostrando que a carne bovina é dos produtos que mais consome tempo para ser adquirida. No Brasil, isso é ainda mais marcante, pois ainda é grande a quantidade de carne adquirida em açougues (ou açougues dentro do supermercado).
Além disso, a carne bovina é a que mais requer conhecimentos culinários para sua preparação. Nesse ponto, temos visto muitos esforços de associações como a ACNB, que realiza cursos de preparação de carne em exposições e principalmente do recém lançado SIC (Serviço de Informação da Carne) que divulga técnicas de preparação de carnes, receitas e dicas para comprar melhor.
Segundo Luiz Alberto Marinho, especialista em marketing de varejo, a falta de tempo faz com que as pessoas façam menos compras comparativas, escolhem lojas onde têm certeza de que encontrarão o que procuram e preferem marcas conhecidas. E a carne ? Não tem marca, o produto não é uniforme e dá trabalho para comprar. Marinho ainda cita um livro americano de Peter Sealey que afirma que o sucesso pertencerá às marcas que proporcionarem alívio para o stress dos consumidores, simplificando sua vida. Apesar de hoje não ser um produto que simplifica a vida, a carne com certeza propicia prazer, principalmente aos brasileiros amantes de churrasco.
Estilo de vida mais saudável
A importância em se ter um estilo de vida mais saudável e a influência da alimentação nesse modo de vida são fatos irrefutáveis no mundo moderno.
Nos EUA, morrem por ano 300.000 pessoas devido à doenças relacionadas à obesidade e segundo cálculos do governo, custa US$17 bi ao tesouro americano em serviços de saúde. Esse problema está se tornando uma preocupação de toda a sociedade americana.
O consumo de produtos “light” e “diet” está estourando em todo o mundo, inclusive no Brasil. E essa é também uma oportunidade à carne brasileira, magra por natureza. É muito difícil encontrar um alimento que se compare a 100g de contra-filé magro na quantidade de proteínas, vitaminas e minerais, em relação ao teor de calorias e gordura. A relação é excepcionalmente favorável. Dados como esse devem ser explorados para divulgar os benefícios da inclusão da carne numa dieta mais saudável.
Em geral, o consumidor tem uma péssima percepção em relação à carne bovina, quando o assunto é saúde. Além disso, inúmeras revistas apresentam reportagens ditas “científicas” sobre o “mal” causado pelo consumo de carne.
Figura 1. Consumo per capita de carne no Brasil, em função da renda
Apesar de hoje ser um problema, um desafio à indústria da carne brasileira, essa preocupação em relação à saúde pode ser muito benéfica para o consumo de carne bovina, principalmente entre as classes mais altas da população. Poucos sabem disso, mas o consumo de carne bovina no Brasil não é linearmente correlacionado com a renda. Um dos motivos que explicaria essa queda de consumo na faixa de renda acima de 30 salários mínimos é o maior acesso à informação e preocupação com a saúde. O problema é que muitas vezes essa informação não é de qualidade, daí o declínio no consumo.
Na França, a carne bovina é divulgada como um alimento essencial para se obter uma alimentação saudável. A principal mensagem divulgada não é a carne, mas sim uma alimentação balanceada onde o consumo de carne de maneira adequada é fundamental para uma boa saúde. Também, é difundido o uso da carne na alimentação de esportistas, mulheres, crianças e idosos.
Figura 2. Quadro de alimentos do CIV, com o slogan “varie os prazeres, guarde o equilíbrio”, onde promove o consumo de todos os alimentos de forma balanceada.
A carne bovina, como todos os alimentos, tem que se adaptar às novas exigências, que cada dia serão maiores e mudarão mais rápido. Mas o potencial de crescimento de consumo no mundo é enorme. Mesmo no Brasil, ainda há espaço para crescer, nas classes mais pobres com aumento de renda e nas de maior renda com produtos mais elaborados e campanhas de esclarecimento de que carne é, sim, um alimento saudável, de primeira qualidade. Sobre o sabor, pouco é preciso falar, pois beira a unanimidade.