Por Leonardo Prandini1
A disposição da agricultura européia toma novas direções com a reforma na Política Agrícola Comum. Impulsionada por fatores sócio-econômicos, a tradição de protecionismo continua sólida, porém mudam as regras a partir de 2005. Novos princípios e comportamentos de um consumidor exigente influenciam a produção de alimentos. Obter vantagens desta nova conjuntura será um desafio alcançável para os produtores e exportadores de carne bovina brasileira.
Altos e estáveis suportes a produção vigoram na Política Agrícola Comum Européia (PAC) desde os anos 60 em combinação com um regime de restrição a importações. Os subsídios asseguram a sustentabilidade do setor através de pagamentos adicionais aos preços de venda dos produtos agrícolas. O estímulo gera excedentes produtivos que são exportados com auxílio de subsídios muito onerosos aos estados.
Motivada por pressões internacionais e do próprio governo local, a reforma no PAC visa reduzir gastos com os subsídios ao campo. Na Europa o setor agrícola tem participação de 1,0% no PIB (Produto Interno Bruto) e emprega 1,5% da população economicamente ativa, o que indica sua pequena importância naquela economia. A reforma no PAC redireciona parcialmente o enorme orçamento de subsídios agrícolas para setores governamentais como previdência e defesa. A entrada de dez novos países membros na Comunidade Européia em 2004 também influenciou a redistribuição de verba para economias menos desenvolvidas do leste europeu.
Questões levantadas pela população e por ambientalistas foram igualmente compreendidas na revisão do PAC. A segurança e qualidade alimentar, o bem-estar animal e a conservação ambiental foram considerados relevantes fatores de longo prazo para a saúde da agricultura européia.
A reforma na PAC elimina gradativamente o suporte aos preços de determinadas commodities e suspende o pagamento deste ao agricultor. Foi estabelecido o “sistema de pagamento único” ao produtor baseado na média de subsídios recebidos entre 2000 e 2002, com uma redução efetiva de 13% neste valor. Desvinculado da produtividade, esse novo sistema pode ser considerado como uma “ajuda de custos”. Produtores que tiveram durante décadas sua lucratividade fundamentada em subsídios receberão verbas menores que anteriormente recebidas.
O processo de reforma do PAC inicia-se em 2005 e vai se estender por muitos anos. Prevêem-se pequenas mudanças no consumo e na produção a curto prazo uma vez que são mantidos os subsídios a alguns produtos, como por exemplo o açúcar e leite. O “sistema de pagamento único” ainda sustenta parcialmente preços de outras commodities como o arroz e a carne bovina. Incluído no novo método, o pecuarista não mais receberá um valor fixo por cabeça de gado viva ou abatida, afetando diretamente a sua lucratividade. O preço da carne européia continuará superior ao mercado internacional.
Atualmente preços pagos pelos frigoríficos europeus não cobrem os custos de produção, entretanto os subsídios eliminam esta diferença entre o custo e receita – que no Reino Unido é de aproximadamente £0,60/kg de peso morto (ou R$49,50/arroba). O MLC (Meat and Livestock Comission) do Reino Unido prevê uma redução de até 10% no rebanho de gado de corte europeu nos próximos anos. A expectativa dos pecuaristas é de elevação dos preços da carne em decorrência da prevista queda no fornecimento, entretanto supermercados não expressam nenhum sinal de concordar com um aumento.
Espera-se desta forma uma redução no rebanho de gado de corte europeu em razão de dois principais fatores: eliminação do vínculo do subsídio ao número de cabeças de gado – sem necessidade de manter o mesmo número de animais para receber o pagamento único; e queda na lucratividade – altos custos de alimentação e mão-de-obra tornam-se ainda mais significativos com o decrescimento dos subsídios e consequentemente da receita.
Todos aguardam com muita incerteza o novo panorama. Entidades e especialistas projetam duas alternativas para o futuro dos produtores de carne no continente europeu: melhorar a performance pela redução de custos de produção (avanço na genética animal, emprego de tecnologia e manejo inovadores, etc) ou abandonar a atividade pecuária.
As tendências agrícolas na Comunidade Européia seguem em direção à conservação do meio ambiente e produção ecologicamente responsável. O consumo de carne vermelha é atualmente influenciado pela confiança e saúde atribuídos ao produto. A reforma na PAC vai, de forma gradativa, incentivar financeiramente a preservação do meio ambiente e não mais a produtividade, seguindo assim as exigências do público consumidor de alimentos. Na Escócia, a produção de “Aberdeen Angus Beef” é reconhecida em toda a Europa e em outras partes do mundo. Minimizados os problemas sanitários, o diferencial desta carne é a atribuição da imagem de excelência em qualidade do produto e saúde, exaltando que os animais são criados em harmonia com a natureza. Isso permite inseri-la no mercado “premium” e receber mais por isso.
Na Europa a importação de carne atende principalmente o segmento de catering (restaurantes, escolas, cozinhas coletivas, etc.), que representa em torno de 40% do consumo total do produto. Pesquisas identificam um leve crescimento deste setor refletindo o estilo de vida atual, em que as pessoas comem mais frequentemente fora de casa. Por outro lado, representando aproximadamente 60% das vendas, varejistas comercializam carne que supre a principal demanda do consumidor europeu: alimentos de origem local com garantia de segurança e qualidade, produzidos de acordo com princípios de bem-estar animal e respeito ao meio-ambiente – mesmo se custem mais caros.
Em 2005 inicia-se um período decisivo no segundo maior mercado consumidor de carne bovina no mundo. A auto-suficiência na produção européia (aproximadamente 96% em 2004) pode contrair-se a níveis jamais observados. O consumo aproxima-se ao mesmo patamar anterior à crise da “vaca louca”, uma demanda com ligeiras variações previstas nos próximos anos. O déficit entre a decrescente produção doméstica e consumo gera uma oportunidade para países exportadores de carne.
A carne brasileira é competitiva e apropriada ao perfil do consumidor europeu. Conquistado o padrão internacional livre de problemas sanitários, a maior aceitação do produto nacional na Comunidade Européia depende de entre outros fatores, um trabalho ativo da comunicação de questões que influenciam a escolha do consumidor. A principal vantagem é sem dúvida o preço, porém a falta de proximidade ao consumidor pode gerar má referência de qualidade e conceitos errôneos – como por exemplo, que a pecuária vai acabar com a floresta amazônica – arruinando completamente a aprovação do produto. Ao lidar com consumidores exigentíssimos e sensíveis a ética, torna-se fundamental para o Brasil exaltar os atributos da sua carne bovina para poder assim, beneficiar-se das atuais oportunidades no mercado europeu.
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1Leonardo Prandini é administrador de empresas e atualmente cursa mestrado em Agribusiness Management no Scotland Agricultural College, em Aberdeen, Escócia