Imagine uma empresa que vê suas vendas cair de 88 milhões de unidades anuais para 65 milhões. Imagine um produto feito para classe baixa da população, um produto que quem usa, não gosta. Um futuro não muito promissor, não é mesmo? Nesse período, as ações da empresa, em busca da lucratividade, visavam reduções sucessivas de custo. Essa era a situação da Alpargatas, empresa que detém a produção das sandálias Havaianas.
Analisando a situação que a empresa viveu nos anos 90 é possível perceber muitas semelhanças com a chamada “crise da pecuária de corte brasileira”, com aumento de custos, preços baixos e vendas (consumo) estagnadas. Se a Alpargatas continuasse nesse caminho, dificilmente teria sucesso, pois a cada dia tinha mais concorrentes, mais imitações e menores vendas, mesmo tendo um produto de qualidade e de preço muito baixo.
Felizmente a história é outra e desde 1994 as Havaianas é um caso de sucesso empresarial, é moda e orgulho brasileiro no exterior. O que a empresa alcançou nesses 10 anos de trabalho, ao se deparar com uma situação nada promissora?
Entre 1997 e 2002, a empresa teve uma valorização de 325% na bolsa de valores, já descontada a inflação. O lucro líquido de 2002 para 2003 subiu espantosos 71,5%. Vende hoje mais de 130 milhões de pares de sandálias. Já se posiciona com a única marca global de sandálias. É utilizada por celebridades no mundo todo. É disputada como artigo de luxo no exterior, tendo vendido mais de 8 milhões de pares fora do Brasil no ano passado, em alguns locais por até 8 vezes o preço nacional. Foi comparado até com o fusca pelo jornal norte-americano Wall Street Journal, como um produto que se reinventou.
A Alpargatas mudou seu foco, mudou o paradigma. Antes era focada em produção, em produto, em custos. Agora é focada no cliente. No momento estuda a oferta de total customização dos pares de sandálias, isto é, você vai à loja e escolhe exatamente qual cor, tira, modelo deseja, faz “a sua sandália”. A empresa deseja oferecer o conforto emocional junto ao conforto físico, que já oferece.
Ao ser perguntado sobre os custos da customização (montar par por par), Paulo Lalli, executivo da Alpargatas, responsável pela unidade de negócios Havaianas respondeu, “Caro é o que não vende”.
As Havaianas não é mais um produto de classe baixa, apesar de ainda manter seu produto original. Agora, as Havaianas é um produto de classe média.
Conseguiram a incrível façanha de aumentar, mesmo com a baixa renda do brasileiro, o volume e preço de venda. Algo raríssimo.
No início da campanha “novas” Havaianas, o investimento em comunicação não aumentou. Apenas mudou de foco no produto (com o Chico Anísio) para o usuário (com a Malu Mader), deixando de mostrar que não soltava tiras e não tinha cheiro. Em tempo, a Malu Mader é uma das atrizes brasileiras mais associadas ao ideal de elegância.
Não foi tudo muito fácil, Paulo Lalli afirma que no final do primeiro ano de mudanças, “descobrimos que o valor investido foi igual ao do faturamento. Mais tarde, veríamos que valeria a pena”. Ou seja, no início investiram muito, para ter retorno no longo prazo.
O que podemos aprender com tudo isso?
A “virada” das Havaianas ocorreu quando buscaram entender e se comunicar com o consumidor final, de forma inteligente.
Com pequenas modificações no produto e uma estratégia de comunicação excelente conseguiram reverter uma tendência de queda de vendas, aumentaram o valor do produto e hoje desfrutam de uma excelente lucratividade.
A carne bovina pode também vislumbrar essa mudança.
Como as Havaianas, o produto brasileiro é bom e com algumas mudanças pode sofrer uma revolução, pode se tornar ótimo. Se conseguirmos atender de forma inteligente e criativa os desejos do consumidor, aqui e no exterior, poderemos reinventar nosso produto.
As Havaianas não trocaram de produto. Apenas mudaram as cores, a altura do solado e é claro a comunicação. Pequenos detalhes, que fizeram a diferença.
São “detalhes” como esses que separam as Havaianas tradicionais fadadas ao fracasso, das novas Havaianas, fenômeno mundial de vendas, de valor e de lucro. Na carne bovina, os concorrentes olham para o Brasil hoje e percebem que faltam apenas alguns detalhes, para que o cenário mude. Na visão deles, o mais difícil (custo baixo, tecnologia, produção “natural”, expansão da produção), nós já temos. Mas esses detalhes, aqui no Brasil, têm se mostrado muito difíceis de serem alcançados.
Fica o exemplo das sandálias, que com pequenas e muito inteligentes mudanças, fizeram uma revolução. Se o fato de criar um produto diferenciado, desejado, “fashion” não te convencerem, olhe os números do balanço da Alpargatas. Provavelmente eles o farão.
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Caro Miguel,
Em tempos de “Valério”, seu editorial é simplesmente genial, publicidade é tudo, carne com grife já é sucesso, haja visto, Nelore de capim, Vitelo do pantanal, e tantas outras mais que se estabelecem por aí…
Uma “chuleta”, temperada com azeite, custava algum tempo atrás, U$ 70, em restaurante chique de NY!
O dizer: “Propaganda é a alma do negócio!”.
Mais do que nunca se mostra verdade absoluta em termos comerciais, senão, por que se pagaria por uma simples camiseta Hering, acrescida de um logotipo qualquer, a quantia de R$200,00, por uma coleira para cachorro (com grife) R$ 700,00, quando se sabe que o preço de uma e outra esta centos abaixo destes custos para serem produzidas?!
O estudo sobre o comportamento humano, tem sido inteligentemente utilizado pela publicidade, e conforme você expressa tão bem no seu editorial, é capaz de mudar o foco do desejo do consumidor, transformando uma alpargata, em chinelo popular, e finalmente em objeto de luxo (os preços e vitrines de NY confirmam esta verdade).
Precisamos assessoria publicitária para o boi, e política de produção para o pecuarista!
Abraço,
Janete
Miguel,
Muito interessante sua sucinta descrição da “virada” que a Alpargatas deu, ao valorizar a marca, e focar em mercado mais seletivo, e com melhor potencial de retorno financeiro.
Mais interessante ainda, sua ilação entre o caso das sandálias Havaianas, e o setor de carne bovina no Brasil.
Certamente, sempre há o que se aprender com histórias de sucesso.
Infelizmente, há duas diferenças básicas:
(I) A Alpargatas era produtora quase monopolista, ao passo que os pecuaristas formam o que em economês chama-se “mercado perfeito” (produção pulverizada, sem condições de impor preço).
(II) De forma inversa, os compradores das Havaianas são pulverizados (sem condição de impor preços), ao passo que o setor de carne bovina é, a cada dia que passa, mais cartelizado.
Se estas duas considerações não tiram o brilho de seu artigo – instigante e inovador – diminuem, infelizmente, a esperança de dias melhores para a pecuária de corte brasileira.
Com um forte abraço,
Carlos Arthur Ortenblad
Economista e consultor de empresas
Rio de Janeiro – RJ
Miguel,
Parabéns, parabéns. É o comentário que se pode fazer desse artigo.
Você não deixou nem um espacinho em branco, para que possa ser colocado neste texto.
É daqueles artigos que a gente lê, e fala: Porque não pensei nisso antes?
Estou pensando utilizá-lo em caso de estudo na área de estratégia na faculdade onde leciono.
Abraço,
Bogás
A frase de ordem é “Foco no cliente”.
Os consumidores possuem necessidades as quais precisam ser supridas e é dever que quem produz saber o que o cliente procura quando entra em uma loja ou supermercado.
É fato que o consumidor, às vezes nem tendo muito recursos, compra o que melhor lhe agrada.
Enfim, vamos prestar atenção neste detalhe e investir um pouco mais em marketing, valorização do produto e, quem sabe o brasileiro passa a comer um pouco mais de carne dando vazão a nossa produção.
Ótimo artigo Miguel.
Miguel, Parabéns pelo brilhante artigo.
Sem dúvida, esse é o foco. Comunicação e Comercialização.
Desempenho zootécnico é apenas o vestibular para conquisata de valor agregado, Para tal, é preciso visão de conjunto, estratégia.
Forte abraço, Eduardo Pedroso
Uma das coisas mais interessantes ao se acessar um site como este é ver a diversidade de opiniões e linhas de raciocínio. Continuando com isto quero aqui deixar mais um passo.
Acho que o Carlos Ortenblad mostrou um pouco o outro lado da moeda, ao passo que o Felipe Graeff, apesar de aparentemente discordar, avançou no que diz respeito a como se devem comparar os casos.
A meu ver, marketing necessário a parte, o que realmente dificulta a similaridade da comparação é que o pecuarista não é o setor de vendas ao consumidor final.
Nossos consumidores são cada vez menos os frigoríficos e abatedouros deste país, que não são muitos sensíveis a marketing.
Desta forma ou o sistema se verticaliza ou passa a trabalhar de forma cooperativa e não autofágica, como vem sendo onde cada parte tenta tirar o maior proveito para si.
Resta ainda lembrar que mesmo se os pecuaristas conseguissem vencer a etapa do abate falta ainda a comercialização que também tem se afunilado nos últimos anos.
Embora pareça uma guerra comercial são etapas para se elaborar um intricado mecanismo simbiótico onde cada elo da cadeia tem sua função e sua margem, onde todos do setor entendem cada passo da etapa da produção a comercialização e que não funcionam como sistemas estanques.
Quando isso for conseguido veremos o exemplo das Alpargatas como um bom modelo e não como algo questionável.
Primeiramente, gostaria de parabenizar o Miguel por seu artigo. Diferentemente do que pensam Francisco Vila, em sua carta “Porque nossa bezerra não pode calçar as havaianas da Giselle” no Espaço Aberto; e Carlos Ortenblad, em carta nesta sessão, não enxerguei motivos para a não utilização do case das Havaianas, produto da São Paulo Alpargatas, como uma forma metafórica de incentivar mudanças na cadeia produtiva da carne.
Metáfora, por sua essência, compara situações completamente distintas, mas iguais em seu propósito, caso contrário não seria metáfora (nosso presidente conhece muito bem este assunto). O objetivo é simples: elucidar fatos, talvez pouco compreendidos através de outros fatos, talvez mais claros e cotidianos.
Ao contrário do que afirma Ortenblad, nos anos 90 a Alpargatas não tinha monopólio (não existe monopólio em livre mercado) e enfrentava a crescente concorrência da Grendene e seu Rider; e por trabalhar para as classes mais baixas da sociedade, tinha que, por obrigação, praticar preços baixos, com margens apertadas e foco em volume. Era evidente a perda de mercado e o fracasso do modelo de negócio.
O artigo traz a tona uma quebra de paradigma. A Alpargatas consegue o que para muitos era impossível: agregar valor a um produto tão simplório como as sandálias Havaianas e com isso conquistar mercados e consumidores diferentes, aumentando seus lucros. Vale lembrar que propaganda bem feita também é uma forma de agregação de valor.
Ora, a metáfora nos mostra exatamente o que muitos não querem ou não conseguem enxergar: sim, existem formas de quebrar paradigmas na cadeia produtiva da carne. Se a São Paulo Alpargatas se reinventou, transformando um produto popular em artigo de luxo, por que a cadeia da carne bovina também não pode se reinventar?
Cabe aos agentes desta cadeia vislumbrar oportunidades de mudar seu modelo de negócio, agregar valor ao seu produto e conquistar novos mercados. E eu não tenho dúvidas de que essas oportunidades são muitas.
Finalizando, sito uma regra de livre mercado para reflexão:
Tudo aquilo que a gente deixa de fazer, nossos concorrentes o farão.
Grande abraço,
Filipe Graeff