Análise Semanal – 23/02/2005
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Negociação entre produtores e frigoríficos, como melhorar?

Tradicionalmente a relação entre pecuaristas e frigoríficos é competitiva, com negociações que visam o retorno no curto prazo. Nos últimos meses o aumento da oferta de bois gordos e a maior concentração tem contribuído para que essa relação se torne cada vez menos cooperativa. Além disso, aumenta a percepção do pecuarista de que ele não vem fazendo bons negócios.

No final do mês de janeiro, vários frigoríficos divulgaram de uma única vez uma tabela de classificação de bovinos, onde se estabelecia diferentes descontos para algumas categorias animais, como machos castrados abaixo de 16@. A tabela foi divulgada de forma unilateral e, o mais agravante, divulgada de forma idêntica por mais de uma empresa.

Outro ponto importante a ser comentado é que a tabela não tinha nenhum estímulo, por menor que fosse, à produção de animais dentro do padrão considerado ideal pelos frigoríficos. Não havia também menção sobre a necessidade de acabamento de gordura, item importante quando se busca carcaças de qualidade. Na hipótese da tabela ter ao menos uma categoria que merecesse prêmio, seria um “álibi”, mostrando que o objetivo não era penalizar e sim direcionar o fornecimento de carcaças de qualidade. Mas nem isso os frigoríficos se preocuparam em fazer, talvez por descuido, talvez por não querer pagar nenhum “ágio”, talvez por não imaginar tamanha reação contrária.

É sabido que há preferência por determinados tipos de animais. O fato de não haver diferenciação de preço não estimula o fornecimento de matéria prima de qualidade e gera insatisfação por parte de quem produz esses animais. Segundo especialistas em qualidade de carne, o melhor animal para indústria hoje é o boi castrado, com 18 arrobas e 6 mm de gordura, com bom rendimento de desossa e excelente qualidade. Ao evitar o sobre-preço, infalivelmente também se evita uma maior oferta da melhor matéria-prima.

É certo que essa tabela de descontos mexeu com os brios do pecuarista.

Entidades de classe, capitaneadas pelo FNPC (Fórum Nacional de Pecuária de Corte da CNA) iniciaram um movimento para denunciar esses frigoríficos por cartelização no CADE. Além disso, foi realizada uma reunião no dia 18 de fevereiro em Goiânia, com a presença de cerca de 2.300 pecuaristas. Nessa reunião saíram 3 resoluções: boicote por 30 dias para venda de animais para abate; criação de “banco de bois” para negociação conjunta dos produtores e produtores atuando no ramo de frigoríficos (Clique aqui para ler a matéria completa).

O mercado já sente os primeiros sinais de sucesso da tentativa de boicote. Em algumas regiões, como no sul de Goiás, as escalas de abate estão menores que uma semana (Clique aqui para ler a matéria completa).

Esse episódio serve para uma avaliação da atual comercialização de bovinos para abate no Brasil.

Um ponto importante é que o poder de barganha do pecuarista vem se deteriorando nos últimos tempos. Segundo Márcio Miranda, especialista em negociação, a força de uma negociação se origina de três fatores: tempo, poder e conhecimento.

No quesito tempo, os frigoríficos têm desvantagem, uma vez que precisam que suas plantas operem com baixa capacidade ociosa, diariamente. O pecuarista, principalmente o que produz a pasto, tem uma maior flexibilidade, podendo muitas vezes “segurar” o boi por 30 dias.

Ao se analisar os fatores poder e conhecimento é que o fiel da balança pesa em favor do frigorífico. Nos últimos dez anos a concentração dos frigoríficos aumentou muito, aumentando com isso seu poder de negociação. Além disso, o conhecimento de mercado dos frigoríficos também aumentou muito. Hoje um frigorífico exportador tem profissionais gabaritados analisando o mercado, acompanhando a BM&F, dólar, mercado internacional, etc. E de forma conjugada, o aumento do tamanho de uma empresa, com atuação em diversas praças, aumenta seu poder e seu conhecimento, pois permite analisar e comparar mais mercados, além de ter mais profissionais no campo, comprando bois e “sentindo” o mercado.

Nesse ponto não adianta o pecuarista reclamar do frigorífico. É preciso que o pecuarista invista em melhorar essas duas forças: poder e conhecimento. Poder só será gerado com organização e conhecimento com investimento em conhecer o mercado. Há espaço para isso.

Nas maiores crises é que surgem as maiores oportunidades e é nas guerras é que surgem muitas inovações tecnológicas. Nesse momento em que o setor produtivo se sente prejudicado é que existe a maior possibilidade de avanço.

O produtor buscou nos últimos anos aumentar sua produtividade e sua eficiência. Isso gerou aumento de produção, que hoje facilita a vida do frigorífico, com muita oferta de bovinos.

Hoje é preciso investir em estratégia. O produtor precisa estudar teoria de estratégia, como estudou nutrição, reprodução e genética. Só assim conseguirá aumentar sua lucratividade. E com certeza ao estudar estratégia conseguirá analisar de uma forma mais global seu negócio e perceber que está inserido num setor maior, mais complexo, interligado e dinâmico. Toda ação tem uma reação.

E quando o produtor tiver maior conhecimento de estratégia, acredito que surgirá quase que espontaneamente a necessidade de se estudar formas de organização, de se estudar negociação, de se estudar novos formatos de comercialização e de se estudar marketing para aumentar a demanda do produto carne, trazendo a reboque a demanda do produto boi.

PS: Para finalizar, sugiro a leitura do artigo Relação cooperativa x relação competitiva entre produtores e indústrias de Marcelo Pereira de Carvalho, coordenador do MilkPoint. Os exemplos do leite brasileiro e da indústria automobilística norte-americana podem servir de exemplo para a cadeia da carne brasileira. Observação: o MilkPoint pode ser acessado com a mesma senha do BeefPoint.

0 Comments

  1. Eduardo Miori disse:

    Na linha de pensamento do autor do excelente artigo, cabe perguntar que tipo de estratégia suicida é esta dos frigoríficos que visa enfraquecer o elo mais importante de sua cadeia produtiva,ou seja, o produtor rural.

    Deviam se lembrar de exemplos como do Pro-Álcool de alguns anos atrás, quando a cobiça e a ganância destruíram um mercado extremamente promissor.

    Matar o cavalo para economizar alfafa não parece muito inteligente.

    Eduardo Miori
    Guaraçaí-SP

  2. Louis Pascal de Geer disse:

    Olá Miguel,

    A reação fulminante das pecuaristas contra uma tabela de multas e descontos feito unilateralmente pelos frigoríficos é um sinal claro como está deteriorada a relação entre as indústrias e os seus fornecedores de matéria prima.

    A tabela em si não representa grandes novidades e já há tempo algo similar estava sendo aplicada em várias indústrias, o que mudou foi a forma geral e oficial que se deu em caráter unilateral a estas práticas.

    Deixando os sentimentos do lado e olhando friamente para o que está acontecendo temos até que louvar o fato de que as indústrias querem trabalhar com uma tabela unificada que pune com descontos os produtos quais não atingem os padrões de qualidade necessários, e justamente por isto pode ser um primeiro, mas sem dúvida um passo muito mal dado, passo para uma futura classificação de carcaça que vai também premiar a qualidade fornecida.

    É esta parte da equação que por enquanto está faltando, e esta terá que ser agora o nosso objetivo principal: temos que lutar mais forte pela bonificação da qualidade ou seja pela classificação de carcaça.

    Gostei muito da questão de tempo, poder e conhecimento nas negociações e a necessidade de se ter uma estratégia e principalmente a noção de interdependência e neste contexto o proposto boicote é no meu ver totalmente errado.

    A percepção de que os frigoríficos têm poder e conhecimento é curiosa, porque na verdade aparentemente a maioria das indústrias está nas mãos dos grandes importadores os quais operam para as grandes redes de supermercados e estes sim tem um poder e conhecimento enorme e aí tem os grandes lucros.

    O grande desafio para os frigoríficos está em chegar direto no consumidor final com os seus próprios produtos e estamos a anos luz de atraso neste assunto.

    É necessário um grande debate sobre esta questão, onde cada lado possa se ver e entender que todos estão na interdependência.

    O perigo de formação de cartéis realmente existe, como também existe no ramo de insumos agrícolas e comercialização/processamento de grãos, e devemos estar sempre alertas e denunciar quando existem indícios ou sinais destas práticas.

    Vamos debater de verdade junto com todos os membros da cadeia de carne bovina e chegar a um novo tempo nas relações fornecedor/cliente no mais amplo sentido possível.

    Louis Pascal de Geer

  3. João Gustavo de Paula disse:

    Achei bastante oportuno o artigo em questão. Gostaria, contudo, de explorar um pouco mais a dimensão “poder” dentro do contexto de uma negociação.

    Ao contrário do que possa parecer e acreditam grande parte dos pecuaristas brasileiros, na cadeia produtiva de carne bovina, no meu entendimento, a maior concentração de poder se coloca na fase de produção, ou seja, nas mãos dos pecuaristas.

    Isso ocorre por duas razões que são inerentes ao sistema de produção de carne bovina:

    a) a quase totalidade do valor agregado do produto é feito na etapa de produção. A industrialização apenas desmonta o boi e embala a carne, ela não consegue transformar uma picanha de vaca de descarte em uma picanha de novilho precoce. Ela também não consegue colocar 2 mm a mais de gordura subcutânea em uma carcaça com cobertura insuficiente, muito menos aumentar em 500g o tamanho de um filé originado de uma carcaça leve. Isso não ocorre no leite, onde o queijo, manteiga, iogurte etc são produzidos na fase de industrialização;

    b) a segunda razão é o tamanho do elo da cadeia, ou o patrimônio líquido das partes negociantes. Enquanto que um frigorífico de 1000 abates/dia precisa de um investimento de, digamos, R$15-20 milhões, uma fazenda, ou um grupo de fazendas que produza 1000 cabeças/dia necessita de um investimento de pelo menos 300 vezes mais (!!!), dependendo do valor da terra (é isso mesmo, faça suas contas).

    Assim, podemos dizer que a comunicação que os frigoríficos fizeram aos pecuaristas no mês passado pode ser comparada a um soco de um rato na boca de um leão. Um leão adormecido, mas um leão. Mas para fazer valer essa vantagem de poder na negociação, não vejo outra forma a não ser a união dos produtores em cooperativas.

    Em todos os países, onde os pecuaristas vão bem, a quase totalidade de sua produção é comercializada através de cooperativas. No caso do leite, por exemplo, países como Nova Zelândia, Austrália, Canadá e EUA têm mais de 80% (!!!) da produção escoada por cooperativas de produtores. Nos EUA, uma única cooperativa comercializa o equivalente a toda a produção do Brasil! No Brasil, as cooperativas controlam apenas 40%: isso ajuda a explicar a difícil situação por que passa a classe há vários anos.

    Acredito que uma central de cooperativas de carne situada em SP, com instalações de desossa e comercialização para pelo menos 1000 carcaças/dia, que receba carcaças resfriadas de cooperativas regionais associadas espalhadas pelo Brasil, com capacidades entre 100 a 300 cabeças/dia, pode ser extremamente lucrativa na disputa do mercado de exportação, que é de longe o mais atraente.

    Uma coisa já seria certa: a carne da cooperativa seria a melhor do Brasil. Como ela seria a que melhor remuneraria o pecuaristas, ela atrairia os melhores produtores. À indústria independente, o cartel que agora se desmascarou, restaria o fornecimento aos supermercados nacionais e aos clientes externos menos exigentes.

    Acorda, leão!

  4. José Roberto Puoli disse:

    Bom dia Miguel,

    Vejo que você voltou inspirado. Bom o artigo.

    Porém…

    Sabe, faz muito tempo que estou acompanhando este embate entre frigorífico e produtor de gado de corte. Sempre procurei ter uma visão um pouco mais objetiva, menos passional, desta situação. E o que observo e concluo, é o seguinte:

    Antes de mais nada e acima de tudo, a lei da oferta e da demanda é soberana. Quando olhamos o mercado da carne no mundo, vemos que a Austrália passou por uma seca terrível e diminuiu o rebanho dela. A Europa está produzindo menos. Os EUA estão fora do mercado mundial (a bagatela de aprox. 1,2 milhão de tonelada).

    Quero enfatizar que a coisa mais importante da avaliação deste mercado, é que estes números estão publicados em relatórios oficiais. Não existe “achismo” nestas informações.

    Então, o que vemos é este mercado extremamente em demanda. Agora vamos olhar o mercado do boi gordo (e/ou vaca). De cara já temos um problema terrível (que na minha opinião é o maior deles), não existe estatística confiável sobre o rebanho brasileiro.

    Voltando para o mercado, o que vemos acontecendo é que sobra boi gordo no país. Os pecuaristas têm sido extremamente competentes em melhorar e tecnificar a pecuária. Consequentemente, produzindo cada vez mais e melhor.

    Porém, sem estatistica confiável, não temos como gerenciar isto.

    Enfim, os frigoríficos fizeram um tremendo trabalho para vender a carne (num mercado comprador) e por outro lado eles têm uma oferta de matéria prima muito grande.

    E, de novo, ninguém sabe o tamanho deste muito grande.

    O resultado é o que temos acompanhado ultimamente. Baixo preço do boi gordo.

    É lógico que a maioria das pessoas interessadas, nos dias de hoje, acompanha as cotações do boi e as previsões que têm sido feitas. Falam em milhões de vacas abatidas, falam em rebanho de 194 milhões até 200 e alguma coisa. Quando pegamos as informações do IBGE, elas não são completas e além disto, são divulgadas após algum tempo.

    Falam que vai faltar bezerro etc. Tudo bem as pessoas terem seus raciocínios e conclusões, porém, isto só funciona quando podemos fazer tudo isto baseado numa previsão de tempo. Quando isto tudo vai acontecer?

    Uma comparação que gostaria de fazer é com a soja. Porque que não existe um barulho tão grande com relação ao preço da soja? A qual perdeu 50% do seu valor em 1 ano e os valores de hoje estão abaixo da média histórica. E, basicamente, 3 empresas dominam este mercado.

    Creio eu, que a explicação no caso da soja é clara. As estatísticas de produção no mundo e no Brasil são muito precisas. Então, ninguém reclama dos motivos da baixa (pode reclamar da baixa, mas não do motivo dela), porque estes motivos são claros e conhecidíssimos: oferta e demanda.

    Então, Miguel, o meu pensamento é que deveríamos fazer força para conseguirmos ter informações corretas a respeito da nossa pecuária. Aí, então, saberíamos como e para onde estamos andando, como a soja. Temos que, de alguma forma, simplesmente compilar as informações sólidas que andam por aí.

    O que quero dizer é que todo este esforço de fazer grupos de venda, boicote etc, pode dar algum resultado momentâneo. Mas não acredito que seja sólido.

    Só conhecendo os números do nosso setor é que poderemos fazer alguma coisa consistente.

    Forte abraço.

    Limão

  5. Janete Zerwes disse:

    Caro Miguel,

    Sua colocação sobre poder e conhecimento relacionados ao mercado da carne, fecha a questão sobre o “fenômeno” negativo dos preços praticados de cima para baixo: frigorífico/pecuarista.

    Nos falta, como pecuaristas, a visão estratégica de mercado. Precisamos iniciar um estudo mais profundo do conteúdo “estratégia de mercado”, diria mesmo rever as leis que regem os preços de mercado, em especial a da oferta e procura.

    Precisamos analisar profundamente os custos para a produção de 1 @, concluindo sobre o valor de comercialização desta mesma @, para que este preço seja compatível com a nossa atividade econômica (pecuária) como um todo, reduzindo o enfoque na produção máxima/ha, e transpondo estrategicamente o foco para a lucratividade máxima/ha.

    Precisamos revisar urgentemente os conteúdos sobre nutrição, reprodução e genética.

    Nutrição: a complementação alimentar emergencial a pasto, como ocorre na minha região- Centro Oeste, Mato Grosso – onera desnecessariamente para o produtor o custo da @ produzida; uma avaliação mais detalhada da capacidade de suporte das pastagens, águas e seca, com as vedas técnicas cumpridas, talvez demonstre o quanto seria interessante ter um plantel menor e mais eficiente em termos de lucratividade (reduziríamos a oferta), porque a @ cara, compete diretamente com a @ de menor custo de produção.

    Reprodução: temos que considerar que cada ponto percentual a menos no índice de prenhez das matrizes significa um acréscimo de custo do bezerro proporcional ao custo das matrizes vazias (mais um vez, a máxima “menos e melhor = mais”.

    Genética: os benefícios da melhoria genética são inegáveis, reduzem o tempo de permanência do boi no campo e, consequentemente o custo dos bois para abate. Ainda desperdiçamos enormemente o potencial genético, os efeitos da heterose sanguínea, porque não analisamos corretamente as perdas a campo, por deficiência alimentar, por erros de manejo, etc…

    O João Gustavo, no seu comentário sobre este editorial, comparou-nos, em termos relativos aos valores investidos na atividade econômica da pecuária, aos valores investidos na indústria frigorífica, com leões e ratos. Dentro desta visão, diria que, ou somos leões bem amestrados, que já esqueceram de suas forças, ou estamos com as patas machucadas, ou com a visão reduzida, ou somos simplesmente leões adormecidos.

    Não nos movemos em direção das estratégias corretas, ou não caminhamos suficientemente rápido, corrigindo as rotas rumo ao gerenciamento técnico/financeiro mais eficiente, ou temos que despertar e agir globalmente, de forma conjunta, na eficiência produtiva, que nos garanta continuidade de abate de qualidade, direcionando nosso produto à comercialização através de cooperativas frigoríficas regionais, estaduais, nacionais, para a exploração de mercados diferenciados em termos de tipos de carcaças e de preços, tanto no mercado interno, como no mercado externo, chegando ao ponto máximo de ação estratégica e política conjunta, de determinarmos a redução da produção nacional como um todo, aumentado em contrapartida o lucro individual usando o princípio básico do comércio, que é a lei de oferta e procura.

  6. Mário Sérgio Wanderley disse:

    O Miguel Cavalcanti levanta pontos importantes e com especial clareza. Gostaria de acrescentar algo mais.

    A pecuária bovina é sempre motivo de espanto. Ela parece ser uma das únicas atividades profissionais em que inexiste a cooperação entre os elos da cadeia.

    O produtor de leite, de aves, de suínos e de grãos recebe da indústria – seja cooperativa ou não – apoio e estímulo, além de assistência técnica. Entretanto, o criador de gado de corte está sozinho e nem sequer recebe a visita de cortesia dos representantes da indústria frigorífica.

    Se o pecuarista é pequeno (estou falando de menos de 1000 cabeças!), não é levado em conta pelos frigoríficos. Se o produtor está em dificuldade, nada é feito pela indústria de carne bovina para levantá-lo. “Ele que se lasque”, parece ser o pensamento dos donos da noria e da balança.

    Estarei enganado? Por experiência própria e de quem conheço no ramo, nunca soube de algum pecuarista trabalhando em parceria com o frigorífico… Apesar disso, dá show de eficiência.

    O exemplo da indústria automobilística japonesa vale ser repetido: “Muitas vezes trabalhavam com dois fornecedores para cada peça, e, caso um deles apresentasse desempenho inferior, trabalhavam no sentido de elevar seu nível, de forma a mantê-lo no jogo”.

    Trabalhar em parceria é atitude corriqueira nas outras atividades, rurais ou urbanas. Os sucessos são igualmente repartidos entre produtores e industriais. Por que com a carne bovina tem que ser diferente?

    O setor precisa se atualizar nas relações entre a produção e a industrialização. Assim como se modernizou na produtividade, qualidade da carne e na comercialização. O primeiro passo deveria vir do segmento mais organizado (a indústria), mas se isso não acontece, os pecuaristas têm que tomar as rédeas e evitar que os cavalos trotem em direções opostas.

  7. Paulo Cesar Bastos disse:

    Prezado Miguel Cavalcanti

    O convite ao debate, ao fluxo das idéias e às observações pertinentes desse grande fórum que é o BeefPoint contribui decisivamente para a busca dos melhores caminhos para o setor da pecuária de corte, tão útil e importante para o nosso país que precisa de mais emprego e renda.

    A respeito do tema desse seu mais recente editorial, permita-me tecer algumas considerações de um produtor sertanejo da Bahia.

    Falar em sertão, com as chuvas a caatinga está linda, cheirosa e gostosa. Vai sobrar vaca gorda para abate no próximo trimestre. O verde da caatinga engorda feito confinamento.

    Voltando ao tema, produtores X frigoríficos, tenho um velho e fraternal amigo, competente economista, pecuarista e hoje, também dirigente de empresa abatedoura, que em nossas habituais conversas com produtores sempre afirma que o mercado do boi gordo é o mais sensível e a prova irrefutável dos efeitos da Lei da Oferta e da Procura.

    Aumentou um pouco, a oferta de boi acabado o preço da arroba desaba. O mercado na base, pecuaristas, é extremamente pulverizado. A retenção no pasto por um grande fornecedor de dezenas de carretas de boi gordo é fácil e rapidamente substituída pelo fornecimento de uma dezena de produtores de uma carreta. É incrível, mas é a realidade, nua e crua. Muitos produtores para poucos compradores.

    Precisamos, no entanto, de melhor remuneração devido aos constantes aumentos de custos dos insumos, exigências sanitárias, mão de obra, etc. Ninguém pode trabalhar sem um justo ganho, urgem soluções.

    Regular o mercado diminuindo a produção em um país que precisa crescer e comer é um contra-senso de profunda injustiça social. Estabilizar o mercado, por um breve período, controlando e diminuindo a abertura de novas fronteiras pecuárias e ao mesmo tempo preservando e recuperando as áreas pastoris já existentes parece ser uma solução mais conveniente, política e socialmente correta.

    Além disso, acredito e insisto, sempre, que com um plano realista, pragmático, de modernização da indústria do abate, transformando-a de desmontadora de carcaça em processadora dessa rica matéria prima boi gordo, agregando valor aos produtos, utilizando melhor os subprodutos, poder-se-ia conseguir uma melhor remuneração para o produtor sem afugentar e onerar o consumidor.

    Vale lembrar notícia recente que a poderosa Swift,nos EUA, promove uma re-modernização de suas plantas industriais para, ainda mais, agregar valor aos cortes tradicionais e desenvolver novos produtos adequados à evolução dos hábitos e do mercado.

    Esse poderá ser o caminho.

  8. Luiz Orione Fernandes Júnior disse:

    Bom dia Miguel!

    A respeito do seu artigo, que por sinal foi muito bem escrito, a partir de um ponto de vista abrangente; na minha opinião ele tem um ponto vital:

    “Tradicionalmente a relação entre pecuaristas e frigoríficos é competitiva, com negociações que visam o retorno no curto prazo”.

    A resposta para tudo o que de desarmônico acontece entre o criador e o frigorífico é que no Brasil fomos criados a partir da premissa de que o lucro é “meu” e que ele tem de vir rápido e sem tantos esforços.

    Os franceses, com sua forma mais madura de engendrar as suas negociações, vivem a sua economia através da análise de “filière” (cadeia), que em suma, prega que todos os elos de um sistema econômico devem compartilhar os lucros e se beneficiarem das mesmas oportunidades.

    Porém o Brasil está longe, infelizmente, muito longe de conseguir obter essa harmonia entre as partes envolvidas. Prova disso é que os frigoríficos exportam cada vez mais, têm uma lucratividade cada vez melhor e o pecuarista, que se posiciona nessa briga como o coitado, perde sua dignidade no negócio e precisa agir de forma controversa às negoiciações.

    Não vejo saída para a pecuária brasileira que não seja a busca de um equilíbrio entre o produtor e o frigorífico, afinal, são estritamente dependentes e necessitam cada vez mais, agirem de forma racional, madura e ao invés de cada um traçar estratégias para prejudicar o outro, se unirem em um esforço em prol da divisão das responsabilidades, informações, aperfeiçoamentos e claro, dividir os lucros.

    E vale lembrar, o que escrevo não é utopia – de forma alguma! – é atitude de quem busca competitividade para se manter vivo no mercado global.