Nelore x cruzados

No útil e construtivo debate que o BeefPoint vem incentivando e do qual venho participando, cumpre entender que tenho o pensamento voltado para o mercado futuro, de exportação e doméstico, que vem sendo educado para uma carne enxuta (pouco gordurosa) de boi criado a campo, ao natural. Ao mesmo tempo, vale lembrar que os frigoríficos querem poder oferecer grande número de carcaças bem acabadas e uniformes.

Daí minha posição um tanto cética quanto aos cruzamentos ditos industrias. Tenho minhas dúvidas de que possamos produzir alguns milhões de carcaças uniformes de carne “enxuta”, natural, fora do Nelore. Ao mesmo tempo há muitos anos venho fazendo restrições à seleção do Nelore em ambiente artificial de cocheira e superalimentação, com vistas à premiação nas exposições.

A meu ver não podemos limitar a discussão ao efeito da heterose, nem aos pequenos criatórios com preferências por variadas raças, cada uma considerando-se melhor que a outra. Duvido muito que se alcance a requerida uniformidade desse grande número de animais, a partir dessa “salada” de taurinos ora apregoados, que entram e saem da moda ao sabor das verbas de propaganda, em parte custeada pelas as associações de raças de seus países de origem.

São pontos de vista nem sempre bem compreendidos. Uma coisa é considerar o rebanho limitado de bois desuniformes, de cruzamentos do Chianina ao Angus, beneficiados pela heterose. Outra coisa é pensar na pecuária do futuro, baseada em um grande mercado que vem sendo educado para carne “lean” de boi natural, criado a campo no verde.

Nas décadas de 1920/30, quando acordei para a agronomia, a Fazenda Experimental de Nova Odessa, dedicava-se ao Caracu, que eu visitei e considerava o máximo. Luiz Pereira Barreto defendia veemente essa raça contra os zebuínos, e o próprio Prof. Athanassof, que me dava aulas, era reticente para com o gado da Índia.

E o que aconteceu, sem qualquer interferência do governo e ainda contrariando muitos especialistas? Temos hoje 100 milhões de rezes brancas, Nelore e aneloradas, enquanto o Caracu, que me entusiasmava, se limita hoje a pequenos rebanhos, em geral para venda de reprodutores. O mesmo vem acontecendo com inúmeras outras raças, em que pese a dedicação e o entusiasmo de seus criadores. Então eu me pergunto: porque tapar o sol com a peneira?

Pouco adianta pensar pequeno, à curto prazo. Quando se projetam milhões de carcaças uniformes, preferidas por um consumidor cioso da saúde, disposto a pagar prêmio por produtos orgânicos e naturais, devemos agradecer a Providência pelo binômio “Nelore-Brachiária”.

Nos Estados Unidos predomina o “Black Angus” de carne marmorizada, criado em pequenos rebanhos sobre solos calcários fertilíssimos do Leste do país, alimentados a feno no inverno nevoento, transportados por estrada de ferro a mais de 2.000 km rumo Oeste onde chove pouco, e engordados a base de grãos em confinamentos gigantes próximos da produção irrigada de milho.

Tudo bem. Cada terra com seu uso, cada roca com seu fuso. Sem falar em custos…

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  1. José Roberto Puoli disse:

    Prezado Prof. Boin e equipe do BeefPoint,

    Gostaria de agradecer e parabenizar o Sr. Fernando Penteado Cardoso, (com quem tive várias oportunidades de debater pecuária de corte quando ele visitava o Campanário e eu ainda trabalhava lá) pela disposição e paixão pelo gado de corte. Disposição e paixão que eu compartilho de coração com ele.

    Venho lendo e observando vários artigos sobre a questão do nelore x cruzados nos últimos meses.

    Penso que muitos destes artigos são bons, têm boas informações, com certeza tem um volume de opiniões muito grande. Porém, acredito que poucos articulistas chegaram ao âmago da questão. A qual é muito simples: qual dos dois tipos de animais deixa um lucro maior por ano para o pecuarista. Simples.

    É inegável que o Nelore ou os animais anelorados conquistaram (ou desbravaram) o Brasil em 50 ou 60 anos. Penso que quem questiona isto nega a realidade. Para corroborar isto temos as pesquisas feitas pelo Prof. Ian Bonsma (quem foi amigo pessoal do Sr. Fernando), nas quais ela demonstra claramente o que ele chamou de degeneração tropical. Isto é, as raças taurinas puras não conseguem sobreviver naturalmente em clima tropical. Consequentemente, mostra claramente que touros de raças taurinas puras não conseguem ter uma vida reprodutiva normal longa em clima tropical.

    Por outro lado, quando usamos raças taurinas, via inseminação artificial, ou raças sintéticas, via touros, em vacas nelore temos o chamado cruzamento industrial. Vale ressaltar, como afirmou o Sr. Fernando, que podemos ir do chianina, passando pelo hereford e até o angus. Portanto, quando falamos de cruzamento industrial, devemos especificar de que raça estamos nos referindo. Por exemplo, as continentais ganham mais peso, porém, são bem mais tardias em termos de acabamento de gordura. Por muitas vezes os animais provenientes destes cruzamentos e abatidos com peso ao redor de 470 kg, tem muito pouca gordura. Já os animais provenientes de cruzamentos com raças britânicas ganham um pouco menos de peso porém, colocam gordura bem mais cedo.

    Para quem está lendo parece que vou enveredar pelo mesmo caminho de ficar discutindo características zootécnicas dos dois tipo de animais. Não vou, foi só para elucidar.

    Voltando para o âmago da questão e tentando respondê-la: Penso que negar o efeito da heterose é negar ciência. Porém, vale lembrar que para realmente tirarmos proveito desta heterose estes animais tem que ter um manejo um pouco, apenas um pouco, diferenciado. Principalmente nutricional, estes animais devem ser abatidos entre 18 e 22 meses.

    Em uma fazenda que comporta este manejo um pouco melhor, provavelmente, o animal cruzado e com os requisitos básicos de abate preenchidos deixará um pouco mais de lucro para o pecuarista. Disse um pouco mais, pois de maneira realista, se em termos médios, a heterose aumenta em 15% a eficiência zootécnica do animal, por outro lado o custo engordado deste animal também é um pouco maior. Portanto, no final ele deixa um pouco mais de lucro. O que certamente compensa para este tipo de fazenda.

    Voltamos agora para a conquista do Brasil pelo Nelore, ainda para adressar o âmago da questão: O Sr. Fernando, resumiu isto muito bem. Se levarmos em consideração somente o boi e a brachiária, com certeza a dupla nelore:brachiária deixará mais lucro para o pecuarista.

    Para finalizar, o que me entristece nesta questão toda é a falta de sinergia entre os interessados (pecuaristas e técnicos). Pois, graças as ótimas condições do nosso país, temos mercado (enorme) tanto para nelore como para sintéticos e cruzamentos industriais. Consequentemente, penso que todos que vivem e gostam de pecuária, deveriam fazer de tudo, e todos juntos, para promover e defender nossa pecuária de corte.

    O Brasil é enorme e tem um mercado enorme à disposição daqueles que têm competência para conquistá-lo.

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