Por Pedro Eduardo de Felício1
A IN (instrução normativa) no 9, de 05 de maio deste ano, ainda nem foi regulamentada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e já causa polêmica, principalmente entre aqueles que não perceberam qual é a racionalidade que precede a norma criada pelo governo federal.
Quem escreve este artigo está muito à vontade para justificar a IN no 9 porque não participou da sua elaboração. Poderia ter participado da consulta pública, mas não o fez; optou por publicar uma série de três artigos sobre o tema na Revista ABCZ (números 14, 15 e 16, de 2003), onde esclareceu sua posição – de estudioso da matéria nas três últimas décadas – contrária a qualquer ordenação de tipos, propugnando por uma classificação pura e simples, que é muito mais compatível com a enorme extensão territorial, com a variabilidade de raças, cruzamentos e sistemas de produção do gado bovino, e com a diversidade de mercados consumidores existente no país, como já havia constatado uma comissão oficial do Ministério da Agricultura (Ver relato do Dr. Miguel Cione Pardi, nos Anais do I Encontro das Associações de Pecuária de Corte, dez. de 1971, São Paulo, SP).
Apesar dos mais de 30 anos de atraso, até o momento, pelo menos, está prevalecendo o bom senso, ou seja, o reconhecimento de que não se pode criar uma hierarquia do melhor até o pior tipo de carcaça, querendo com isso estimular uma diferenciação de preços que acabaria sendo artificial, como ocorreu com a Portaria Ministerial no 612, publicada no Diário Oficial da União de 10.10.1989, ora revogada, que deu no que todos sabem, ou seja, 15 anos se passaram e a tipificação nunca foi implantada nem sequer para ser avaliada e aperfeiçoada.
A portaria de no 612 criava e hierarquizava tipos, mas quem pode dizer quais são os melhores tipos de carcaças, ou de carne, para os matadouros, varejistas e consumidores distribuídos do Oiapoque ao Chuí ou, se preferirem, de Cruzeiro do Sul, no Acre, a João Pessoa, na Paraíba?
O novo sistema, cuja norma foi assinada pelo Ministro Roberto Rodrigues, do Mapa, será instituído em todo o território nacional. Sua regulamentação deverá ocorrer até 31.12.2004 e, a partir de 01.01.2005, sua aplicação passa a ser obrigatória nos estabelecimentos de abate sob Inspeção Federal, sendo que a classificação das carcaças terá que ser feita por profissionais habilitados, credenciados pelo Mapa, e pagos pelo setor privado. Mediante convênio, os matadouros sob inspeção estadual também poderão classificar carcaças por este método oficial.
Os critérios adotados – sexo e maturidade, peso e acabamento das carcaças – conforme já foi publicado integralmente e comentado aqui mesmo no BeefPoint, são bastante simples. Melhor seria dizer que são simples demais, pois não fazem jus a tudo que se conhece hoje sobre rendimentos e qualidade de carne bovina. Pode-se dizer, também, que houve uma certa desconsideração para com o Mercosul, cujas autoridades nos países membros não foram procuradas visando uma uniformização de critérios na região. Entretanto, o novo sistema, cujo conceito é do início dos anos setenta, tem que ser encarado como “mínimo”, ou seja, o que poderia ser aceito pelos segmentos da cadeia produtiva, que ficarão à vontade para elaborar uma linguagem comercial a partir desses critérios mínimos.
Assim, por exemplo, quando alguém diz que faltou o critério de conformação, em três ou cinco classes, objetivando separar carcaças de mestiços leiteiros das de zebuínos, ou essas últimas das de mestiços de raças européias continentais, pode-se recomendar que o referido indicador subjetivo seja acrescentado sempre que for constatada tal necessidade. No futuro, as empresas podem querer diferenciar cortes de carne de bovinos com participação crescente de Bos indicus – como já se faz na Austrália – e utilizará os critérios do Mapa, mais um código para o grau de cruza zebu. Outras poderão acrescentar o tipo de alimentação do gado aos critérios já mencionados, oferecendo algum tipo de recompensa aos produtores se tiverem uma demanda definida para tanto.
O importante agora é mudar o enfoque, passando da tradicional tipificação (tipos A, B, C, D, etc.), que aqui nem chegou a existir de fato, para uma codificação que visará atender clientes nacionais ou estrangeiros mediante especificações quanto aos cortes de carne. Deste modo, a indústria terá que fazer a aquisição do gado de modo a atender adequada e consistentemente a demanda. Isto poderá resultar ou não em melhores preços ao produtor, por ora não se sabe, mas nunca se saberá se não for iniciada uma classificação mínima de carcaças, que sirva pelo menos para se ter as estatísticas daquilo que se produz no país.
É claro que existem problemas e pressões que podem mais uma vez inviabilizar a implantação do sistema de classificação. O primeiro deles talvez seja o fato de ser obrigatório, pois faz parte da natureza humana a rejeição a tudo que é obrigatório. Porém, trata-se de uma questão de direito do produtor à informação, já que ele entrega seu gado à indústria sem qualquer chance de retirar as carcaças e subprodutos caso não goste dos resultados que lhe são apresentados no acerto de contas. Já que é um negócio em que se exige dos produtores que confiem nas indústrias, nada mais justo que se lhes ofereçam informações arbitradas por técnicos especializados, que se supõe queiram construir uma reputação ilibada. Quanto a esses técnicos serem pagos pelas empresas não há nada demais, pois elas utilizam os dados coletados na gestão das suas operações.
Outro problema que alguns apontam é a falta de incentivos de preços diferenciados para gado mais jovem e bem acabado, mas esse é um tema que não compete ao Mapa pelos motivos que já foram apontados no início e, obviamente, porque não se pode revogar a lei da oferta e procura, para criar diferenciais de preço por decreto.
Por último, existe o aspecto sempre salientado e muito válido como argumento contra a “classificação pura e simples” de que a combinação das classes de sexo (n=3, i.e., macho, macho castrado e fêmea), maturidade (n=5, i.e., zero, 2, 4, 6 e 8 dentes incisivos da segunda dentição), e acabamento (n=5, i.e., escores de 1 a 5) resultaria em 75 possibilidades. A esse questionamento responde-se com o que irá acontecer na prática, ou seja, a maturidade será simplificada, por exemplo, para Jovem (d=zero dentes), Intermediário (2 e 4 dentes) e Adulto (mais de 4 dentes); as vacas e os machos inteiros adultos não serão classificados (Ver figura 1).
Combinam-se então as categorias restantes [(3 x 3) – 2=7] com três classes de acabamento (2=escassa, 3=mediana, e 4=uniforme), desclassificando-se as de gordura ausente e excessiva que pouco aparecem e, com raras exceções, não interessam ao mercado. Serão 21 possibilidades, mas como raramente aparecerão tourinhos com gordura uniforme, restarão 19, algumas das quais serão agrupadas conforme os interesses industriais e comerciais (Ver figura 2).
Possibilidade de agrupamento de classes
__________________________
1Pedro Eduardo de Felício é Professor-associado da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp
4 Comments
Mestre,
Enquanto os outros explanam, você doutrina, com a objetividade e a simplicidade típica daqueles que realmente “sabem”.
Comoveu-me a menção do nome de nosso querido amigo, Prof. Miguel Cione Pardi, um dos mais profícuos profissionais que este país já teve.
Como a vida sem discórdia não tem graça, permita-me pequeno reparo em um aspecto de seu brilhante artigo: a Lei da Oferta e da Procura pode ser revogada sim. O cartel dos 5 maiores frigoríficos do Brasil já o fez.
Com um forte abraço de seu amigo e admirador,
Excelente o artigo do Prof. Pedro Felício, mostrando a importância de definições de políticas modernas que podem dar novo rumo na pecuária nacional.
As modernas tácnicas (e a classificação/tipificação nem são tão modernas assim), são algo que virão queiram ou não as mentes atrasadas de alguns dos nossos dirigentes.
Resta identificar onde estão os bolsões de resistência à modernidade e a quem interessa e por que manter o atraso na nossa indústria de carnes.
Realmente a classificação de carcaça é uma aspiração antiga do setor pecuário, e por certo ninguém tem medo da classificação em si, o medo ao que parece, se deve ao modo como os frigoríficos vão pagar os animais conforme a classificação.
O Receio é que os frigoríficos venham a pagar o preço base de mercado para os animais com melhor tipo, e com preços decrescentes para os animais com menores atributos, ou seja, não vão premiar que os têm um bom gado e vão desvalorizar os que têm gado inferior. Já vimos este filme com o rastreamento no SISBOV.
Os pecuaristas que acompanham a matança de seus animais no frigorífico, vão ter que observar agora alem da sangria, “limpeza” da carcaça e do peso, observar também se os critérios de classificação estão sendo bem aplicados, é bom se preparar.
Engo. Agro. Newton Gergolette
Pecuarista – Pedro Gomes – MS.
Concordo plenamente com vc.Quanto tempo….
conceição