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Nosso deserto verde

Dias atrás, enquanto excursionava pelos lagos andinos ao redor de San Martin de Los Andes (Patagônia, Norte da Argentina), nosso guia ressaltava os bosques da encostas locais, comparando o zelo na Argentina, enquanto “no Brasil se devastavam 14.000 ha de floresta amazônica por dia”.

Na primeira parada em um mirante, chamei-o de lado e lhe disse mais ou menos o que segue:

“O senhor mencionou a Amazônia repetindo a ladainha que está na mídia, sem que as notícias correspondam à realidade. O vale amazônico dispõe de terras férteis recobertas de floresta alta, bem como de solos fracos onde a mata é baixa que chamamos de cerrado. Geralmente as novas aberturas se dão neste tipo de vegetação porque é muito dispendiosa a remoção da mata grossa. Cortar, queimar e destocar as grandes árvores custa muito dinheiro, daí a opção pelo cerrado, cuja limpeza é menos onerosa e o solo pobre pode ser melhorado pelo emprego de calcário e de fertilizantes”.

“Existem no mundo três tipos de deserto. O deserto branco, coberto de neve, muito frio, existente na Sibéria, Alaska e Norte do Canadá. O deserto amarelo, muito seco, sem chuvas, rios e aqüíferos, encontrado no Norte da África, na Austrália e na China setentrional. E, finalmente, o deserto verde, com chuva e calor, recoberto de floresta tropical, localizado na Amazônia,na Ásia oriental e na África ocidental”.

“Para os dois primeiros, o branco e o amarelo, bem como para as encostas pendentes das matas argentinas ao nosso redor, não há opções: continuarão como desertos, desabitados, sem qualquer utilização, salvo quando o sub-solo for rico em minerais como na Ásia Menor, com seu mar subterrâneo de petróleo.

“O grande dilema surge quando há opções. Temos três situações de floresta na Amazônia: (a) terras baixas inundadas anualmente, (b) morros cheias de pedra e (c) solos altos, bem drenados, com colinas suaves (de pouco declive), recobertos de mata alta ou de cerrado, de acordo com o nível de fertilidade. Estas terras agricultáveis devem representar ao redor de 1/4 de toda a área amazônica e para eles há efetivamente a alternativa de atividades agrícolas e pecuárias eficientes, econômicas e sustentáveis”.

Gostaria de ter dito mais para nosso guia, mas o intervalo se findou e voltamos todos para o ônibus que nos transportava pela belíssima região dos lagos de água azul, circundados de “cerros” com encostas de mata verde e cristas brancas nevadas.

Faltou lhe dizer mais o seguinte:

O deserto verde brasileiro, -a Amazônia-, é quase desabitado, as populações ribeirinhas, dispersas por uma imensa região, são muito pobres, desassistidas, com grande dificuldade de escolas. As atividades de coletar latex, castanhas e peixe são hoje pouco rendosas, persistindo mais por uma questão de tradição e de falta de alternativas atraentes que justifiquem mudar de vida. Mesmo o garimpo de ouro na bacia do Tapajós, se mostra precário, enquanto a lucrativa extração de mogno padece de uma eterna disputa entre o legal e o ilegal.

Mas, nós temos opções, pois chove e faz calor. Daí nosso grande dilema: manter o deserto verde em seu todo? Ou aproveitar as partes economicamente viáveis, aumentando a área da produção agro-pecuária do país?

Sob a sombra do dossel das copas verdes pouco ou nada se pode fazer. Nada se produz sem a benéfica incidência da luz solar, agente da fotossíntese. Há, portanto, que remover a vegetação primária antes de tentar qualquer produção agrícola. É preciso deixar entrar luz, senão nada feito, mesmo quando se tenta reflorestar com mogno, seringueira, castanha ou outro. Antes de tudo a luz, depois as várias alternativas, por mais desiderativas que sejam.

O cultivo tecnificado torna as terras mais férteis do que antes, quando recobertas por floresta ou cerrado, inclusive quanto ao teor de matéria orgânica humificada. Em SINOP/MT, esta afirmativa está bem comprovada. As análises de terra, bem como as produtividades obtidas, mostram que o solo se tornou mais fértil após receber os nutrientes anteriormente insuficientes, mesmo na condição de mata alta.

Há outro aspecto a considerar. O posseiro, dito “safrista”, derruba novas áreas anualmente, não porque ocorra perda de fertilidade, mas porque o terreno se torna inçado, seja empraguejado de ervas daninhas invasoras. Ele é capaz de abrir, plantar e colher determinada área, para lhe garantir o sustento, controlando a rebrota a foice e facão. Depois de inçada a terra, requerendo capinas a enxada, sua capacidade se reduz a um décimo da área anterior. Então o que fazer, para obter seu provento? Uma só solução: derrubar nova mata mais adiante, a machado ou moto-serra, deixando a anterior virar capoeira ou pasto de brachiária. São centenas de milhares de “safristas” pela Amazônia afora. O grande desafio é torná-los menos itinerantes, cultivando a mesma terra com ajuda de fertilizantes e de herbicidas. Mas o custo de produção será mais alto, e haverá que superar uma cultura e tradição seculares!

Nossa legislação sobre a proteção das florestas é simplesmente “burra” ao limitar as aberturas a 20% da área total. Sem discutir o número cabalístico de 80% de reserva florestal, o certo seria aplicá-lo sobre a Amazônia como um todo e não em cada propriedade, independente das terras serem inundáveis, pedregosas ou boas para cultivar.

Que se delimitem regiões de floresta “ad eternum”, como a oeste do rio Negro, dentre outras, somadas àquelas reservadas aos índios, além dos montes de pedras e outras baixadas passíveis de inundações periódicas. Mas aplicar os 80% a cada propriedade é dispersar os núcleos povoados das fazendas, aumentando a distância entre eles, com grande encarecimento das facilidades de acesso, de luz/telefone e principalmente das indispensáveis escolas, desperdiçando, ao mesmo tempo, terras apropriadas para pastagem e cultivo. Nas propriedades, a preservação obrigatória deveria ser de no máximo 20%, sem prejuízo das reservas globais somarem a 80%, porém localizadas em grandes blocos contínuos, somados às áreas impróprias para utilização racional e sustentável – as chamadas Áreas de Preservação Permanente.

Estaria assim assegurada a preservação da bio-diversidade, garantido o negócio do turismo e satisfeito o sentimento universal em favor das áreas verdes, sem criar obstáculos ao desenvolvimento econômico, pelo aproveitamento do nosso maior patrimônio, que é o clima de chuva e calor que se estende por grandes regiões do território nacional. Estaríamos ainda participando do suprimento da crescente demanda mundial de alimentos.

Ao mesmo tempo não estaríamos abafando e desperdiçando o espírito empreendedor e criativo dos bravos e diligentes abridores de sertão que, ao longo dos séculos, implantaram a maior riqueza do país que é sua agro-pecuária! Como seria nosso país se matas e cerrados estivessem intactos?

Não podemos nos deixar envolver pela turba anti-tecnologia e anti-progresso, composta de pseudo-ecologistas, em geral urbanos, que tanto mal causam a nossa terra ao sofrear o seu progresso.

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