Os principais concorrentes brasileiros no mercado internacional estão cada vez mais preocupados, buscando novas estratégias, a fim de barrar o avanço brasileiro sobre seus clientes. A ameaça do potencial brasileiro, graças a clima, tecnologia e produtividade é grande. Para nossos concorrentes, parece não haver limites para a ambição do Brasil no mercado internacional. Em dez anos passamos de ocasional exportador para primeiro do mundo.
Em 10 de outubro, um foco de aftosa mostrou que esses países podem se tranqüilizar, pelo menos um pouco. Nosso maior concorrente parece estar dentro de nossas fronteiras.
Uma doença eliminada em 1929 nos EUA, nos anos 50 no México e há mais de 130 anos erradicada pela Austrália volta a nos assustar, no principal estado brasileiro de produção de carne. A doença tem sua erradicação relativamente simples, bastando a vacinação criteriosa. Tanto que inúmeros países já a eliminaram há décadas.
Existem fazendas no Brasil que estão no estado da arte da produção de bovinos de corte. Existe um número significativo e crescente de produtores preocupados com qualidade assegurada, marcas de carne, nichos de mercado. Preparam-se para atender mercados muito mais exigentes. O mesmo é válido para frigoríficos, com plantas de fazer inveja a qualquer país.
Das exigências para vencer no mercado internacional, a base é a sanidade. Sem ela, de nada adianta marketing e promoção, por exemplo. De nada adianta competitividade e eficiência produtiva.
Os recentes casos de febre aftosa servem para mostrar (mais uma vez) que é preciso estar sempre atento para se garantir o que foi conquistado. E também para se almejar novas conquistas, principalmente em preço. A principal barreira à carne in natura brasileira nos EUA e Japão (melhores compradores do mundo em volume e preço) é a aftosa. Segundo dados do Icone, do total importado pelos 20 maiores importadores mundiais, apenas 12% é exportado pelo Brasil.
Outro prejuízo é a credibilidade arranhada. A aftosa é uma doença inofensiva ao homem, mas funciona como um indicador de sanidade de um país. Ao se analisar os países produtores de carne bovina, a primeira grande separação se dá entre: países livres de aftosa e não livres. Infelizmente o Brasil ainda está no segundo time.
Há poucos meses o Brasil apresentou uma proposta de rastreabilidade à Comunidade Européia que foi rejeitada. Há menos de um mês o Brasil recebeu uma auditoria de técnicos da Comunidade Européia, que ainda não divulgaram o relatório oficial. Sabe-se que a insatisfação com o Brasil é grande. Os europeus vêm afirmando há tempos que o Brasil precisa reforçar sua rastreabilidade e sanidade. Com os casos de aftosa, a pressão por um sistema efetivo de rastreabilidade irá aumentar.
A cobertura da mídia foi muito grande nesse caso de aftosa. Os principais jornais e canais de televisão noticiaram de forma intensa os acontecimentos. Isso mostra como a pecuária ganhou importância para o Brasil, mas divulga nossas fraquezas.
Será que é possível tirar alguma coisa de positivo dessa crise? Ficou mais claro que é preciso encarar a realidade. A questão sanitária ainda não está resolvida.
Existem exemplos de iniciativas dentro do Brasil, que funcionam muito bem. O Fundecitrus no estado de São Paulo é uma instituição privada, que recebe contribuições de produtores e da indústria. A contribuição feita pelo produtor não é considerada cara e os resultados são excelentes. A citricultura já aprendeu que é preciso tratar a sanidade de forma séria, para se ter sucesso no mercado internacional.
Não é preciso re-inventar a roda para erradicar a aftosa. As possíveis causas desse foco no MS: não vacinação, conservação inadequada da vacina, contrabando de gado, são as mesmas dos focos anteriores. E a solução para essas possibilidades também são conhecidas.
Em áreas indígenas e acampamentos de sem-terra é preciso fazer vacinação assistida. Em artigo publicado no BeefPoint, o presidente do Sindan afirma que a vacina produzida no Brasil possui dupla garantia (das empresas e do Mapa) e a garantia de imunização é de 99,9%.
Se há contrabando de gado, este pode ser resolvido com controle reforçado na fronteira ou ainda com um efetivo acordo de cooperação mútua entre Brasil e Paraguai. Vale lembrar que o Paraguai exporta carne para o Brasil. Para permitir essa importação, pode-se exigir que se realize esse trabalho em conjunto. Com certeza, há pecuaristas paraguaios (e brasileiros com fazendas lá) interessados em cooperar.
As exportações tendem a se normalizar à medida que se garanta que os focos foram controlados. A carne maturada e desossada não transmite o vírus da aftosa e é o principal produto cárneo exportado pelo Brasil. É provável que consigamos normalizar as exportações em pouco tempo.
Segundo normas da OIE, a região onde ocorreu o foco, pode voltar a exportar em seis meses. Também, é possível que uma região não livre de aftosa exporte, desde que siga uma série de regras, entre elas: que os animais tenham sido vacinados nos últimos 12 meses e que a carne seja maturada e tenha pH abaixo de 6. Essas regras provavelmente serão seguidas internamente, normalizando o comércio interestadual de carne desossada e maturada, podendo diminuir a pressão de preços no MS.
Fica a lição de que precisamos ser mais do que eficientes e competentes dentro da fazenda. É preciso mais do que produzir alta qualidade. Em temas como sanidade é preciso que todos os envolvidos na produção participem ativamente. Produzir com qualidade e investir em marketing e promoção podem ser decisões individuais ou de segmentos do setor. Nesse caso iniciativas isoladas podem ser bem-sucedidas, em sanidade não. A sanidade é obrigação de todos.