Analisando-se dados do mercado do boi no MS, levantados pelo Cepea, de janeiro/2004 a janeiro/2006 percebe-se uma forte mudança. Os custos de produção aumentaram cerca de 18% e o preço do boi gordo acumulou queda de mais de 17%. Em apenas dois anos o cenário mudou. Uma determinada fazenda que tinha lucro em 2004, continuando com a mesma estrutura de custos e receitas, provavelmente tem prejuízo atualmente.
Para continuar tendo a mesma renda líquida que em 2004, muito precisa ser mudado, melhorado.
O mundo mudou. Fazendo uma comparação, a Varig há alguns anos era uma excelente empresa, hoje dá espaço para empresas como a Gol. O sucesso de ontem não garante o sucesso de hoje, muito menos o de amanhã. É preciso mudar muito na pecuária para se manter no negócio.
A pesquisa dos maiores confinamentos do Brasil, realizada pelo BeefPoint, mostra que há segmentos da pecuária que estão avançando, aumentando seus negócios, evoluindo. O crescimento é de mais de 20% ao ano, com indicadores como ganho médio diário subindo significativamente.
Em algumas regiões, especialmente onde há cana e eucalipto, a pecuária está recuando, o que pode dar uma impressão de possível redução de rebanho e produção. Por outro lado, a abertura de áreas mais ao norte do país continua fomentando a produção. Percebemos que há pecuaristas aumentando sua produção, expandindo suas fazendas, geralmente com um padrão: são produtores que não dependem exclusivamente da pecuária e que estão expandindo seus negócios em áreas de terras mais baratas. Não há dados precisos e atualizados, mas há indicações que a produção de carne (e provavelmente o rebanho) está aumentando.
Quem está crescendo geralmente tem uma estrutura de custos bastante enxuta, gerencia sua fazenda de forma profissional e busca novas formas de comercialização, visando reter uma fatia maior do valor gerado pela cadeia.
Não se procura apenas reduzir custos, mas aumentar a eficiência do uso de insumos. As fazendas mais eficientes não buscam, por exemplo, cortar o sal proteinado, mas assegurar que conseguirão produzir mais com a mesma quantidade de insumo. A saída muitas vezes não está em usar menos, mas em usar melhor e melhorar a cada dia.
Continuar produzindo, cada vez mais, sem se preocupar com a comercialização é um tiro no pé. Cada vez mais pecuaristas notam isso e partem em busca de alternativas. O uso de mercado futuro tem aumentado ano a ano. Cooperativas e associações de produtores estão surgindo, algumas com alguns resultados concretos e positivos. A realidade da negociação ainda favorece e fortalece o frigorífico, mas já há bastante gente preocupada em garantir um bom negócio.
Outro ponto interessante é a busca por qualidade, por padronização. Um grande volume de gado, sem uniformidade, peso e cobertura de gordura adequados, não garantirá bons preços.
Apesar da exportação brasileira como um todo estar superando o recorde de 2005, há outros fatores pressionando a rentabilidade do setor. Um deles é o dólar. Outro, o mercado interno da carne bovina, que está muito pressionado.
Atualmente os preços da carne no atacado (traseiro, dianteiro e ponta de agulha) estão com diferença negativa de mais de R$5,00/@ em relação ao indicador Esalq/BM&F, que mede os preços de São Paulo. Essa diferença já esteve em torno de R$1,00/@ há menos de dois meses. Isso indica que o frigorífico, considerado um vilão por muitos pecuaristas, está com uma margem muito apertada na comercialização com o varejo no mercado interno. O preço do boi está baixo, mas o da carne no atacado mais baixo ainda.
No final de junho, o IBGE divulgou dados da pesquisa trimestral de abates de bovinos no Brasil, dos meses de janeiro a março desse ano. Nesse período, os estabelecimentos que recebem inspeção municipal, estadual ou federal abateram 7,081 milhões de cabeças de bovinos, crescimento de 3,25% em relação ao quarto trimestre de 2005 e 9,84% em relação ao primeiro trimestre de 2005. Em resumo, a produção de carne, oficial, está aumentando.
Em relação ao último trimestre de 2005, apenas o abate de vacas aumentou, assegurando o aumento total. Em relação ao primeiro trimestre de 2005, os abates aumentaram nas três categorias, com destaque para vacas, novamente. Dos animais abatidos nos três primeiros meses de 2006, 44% eram bois, 41% vacas, e 15% novilhos.
O setor produtivo há muito espera por uma mudança de ciclo pecuário, com diminuição da oferta de bezerros e recuperação de preços do boi gordo. Em dólares, o preço do boi está dentro dos patamares históricos, mas em valores deflacionados, que é o que realmente conta para o pecuarista, a defasagem está muito grande. Em valores reais, deflacionados, o preço do boi gordo nunca esteve tão baixo.
No entanto, a grande capacidade de resposta da pecuária brasileira, que hoje tem inúmeras tecnologias (de baixo e também de alto custo, vale lembrar) para aumento de produtividade, pode impedir um significativo aumento de preços, com redução da oferta. Pois, ao vislumbrar melhores preços do boi gordo, é possível aumentar a produção de forma rápida. A previsão de aumento dos 50 maiores confinamentos do Brasil para 2006 é um indicativo desse potencial.
Além disso, os frigoríficos tentarão ao máximo barrar o aumento de preços, que em dólares não estão baixos. Para o pecuarista, ao buscar uma perspectiva de preços futuros, vale mirar nos preços negociados pela BM&F hoje e se possível travar na bolsa, além é claro, de gerenciar custos e buscar novas maneiras de negociação com frigoríficos, aumentando poder de barganha e buscando atender as demandas de qualidade.
Gráfico: Perspectivas de preços futuros
Há espaço para melhor negociação, assegurando melhores preços e também oportunidade para maior agregação de valor, ao se produzir para mercados mais exigentes. Negociação, qualidade e maior eficiência no gerenciamento da atividade pecuária poderão melhorar a renda do pecuarista, mas dificilmente se conseguirá repetir os preços do passado, com a atual tecnologia de produção disponível.
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Vendendo boi a R$46,00…qualquer atividade pecuária é inviável. Nosso potencial é enorme só que vendendo boi gordo a esse preço não há o que se fazer. Devemos repensar nosso papel político e nossa representatividade…
Senão, seremos eternos escravos dos grandes grupos.
Caro Miguel,
Como sempre,sua analise me parece refletir bem a situação.
Porém, é assustador lidar com aumentos de custos de 18%e queda de preços de 17%. Um buraco de 35%.
E os preços referenciados, jan/2004, já não eram grande coisa.
Ainda,como você disse,”há indícios de que a produção de carne esta aumentando”, fato que me parece indiscutível com os dados do IBGE.
Sem dúvida, confinamentos enormes estão surgindo, especialmente ligados e próximos a frigoríficos. Mas será que tais confinamentos não se beneficiam de algumas vantagens de que ainda não suspeitamos?
Afinal,os preços da BM&F para Nov/Dez 2006 são de apenas R$57,00.
Finalizando, concordo totalmente com o comentário do Sr. Maurício M. Almeida, relacionado a esse mesmo seu artigo.
Abraços
Luiz