Os ministros da Agricultura da União Européia interromperam na quinta-feira, mais uma vez, a negociação da reforma da Política Agrícola Comum (PAC) do bloco, realizada em Luxemburgo. Devido à oposição de França e Alemanha, a discussão só será retomada na quarta-feira. Criado em 1958, o sistema de apoio à produção agrícola custa 43 bilhões de euros, ou metade do orçamento da UE. A França recebe o maior volume de subsídios: 9 bilhões de euros.
Para tentar apaziguar os ânimos, o comissário agrícola da UE, Franz Fischler, já havia apresentou na noite de quarta-feira uma segunda revisão de sua proposta da PAC. Ao contrário do fim da vinculação total entre subsídios e produção, ele propôs uma “desvinculação parcial”. Dessa forma, 25% da produção de cereais e 30% da carne bovina permaneceriam recebendo subsídios conforme a antiga PAC. Para o restante, valeria a nova proposta, que prevê pagamento único ao produtor calculado pela área plantada.
“A tendência atual dos europeus é a desconexão parcial”, acredita Marcos Jank, diretor do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone). Segundo Jank, o antigo sistema de subsídios será mantido nas regiões menos competitivas para evitar que o agricultor deixe a atividade. Com isso, os europeus não reduziriam a produção e não precisariam flexibilizar regras de importação.
Fischler alterou também a chamada “modulação”, que transfere partes dos subsídios diretos para o desenvolvimento rural. Na proposta inicial, a transferência começaria em 2006 com 1% dos recursos até atingir 19% em 2012. O início do processo foi antecipado para 2005, mas irá terminar em 2007 com transferência de apenas 7% dos recursos. A nova proposta manteve inalterado o “compromisso cruzado”, pelo qual o produtor só recebe o pagamento se cumprir compromissos com cuidado ambiental, bem-estar dos animais e qualidade dos alimentos.
Fischler suavizou sua proposta após um acordo entre França e Alemanha. Os alemães se comprometeram a ajudar os franceses a manter parcialmente a PAC. Em contrapartida, a França apóia a resistência da Alemanha a mudanças na lei de fusões e aquisições.
“O acordo França-Alemanha reduziu muito as ambições de Fischler. A reforma não agradará ao grupo de Cairns ou os Estados Unidos”, diz Jank. Em sua opinião, se for reformada dessa maneira, a nova PAC não permitirá acordo na conferência de Cancún da Organização Mundial de Comércio (OMC), em setembro.
O embaixador José Alfredo Graça Lima, chefe da missão brasileira junto às comunidades européias, está mais otimista. “Não é a revisão que se gostaria de ver”, afirmou, em referência à nova proposta. “Mas ainda pode ser um passaporte para desbloquear as negociações da OMC”. Após a reunião, Fischler afirmou que “gostaria de estar em uma posição forte (na OMC) depois da reforma”.
Cresce a percepção entre observadores brasileiros de que dificilmente os países do Grupo de Cairns poderão rejeitar a reforma em andamento. Embora ela seja pouco ambiciosa em relação às demandas dos principais exportadores agrícolas, pode ser considerada suficiente pelos Estados Unidos e tende a agradar a países menores, que já têm acesso privilegiado ao mercado europeu. Se prosseguir nas negociações de liberalização comercial da OMC parece inevitável, mesmo sem a abertura dos mercados agrícolas, a estratégia do Grupo de Cairns poderá voltar-se a reduzir o escopo da rodada.
Fonte: Valor (por Raquel Landim e Daniel Rittner), adaptado por Equipe BeefPoint