Síntese Agropecuária BM&F – 24/07/03
24 de julho de 2003
Pecuaristas aderem à rastreabilidade
28 de julho de 2003

Novos desafios da cadeia da carne brasileira

Estamos passando por um momento bastante turbulento e com possibilidades de mudanças na cadeia da carne brasileira. Provavelmente a melhor maneira de resumir essa mudança que a pecuária brasileira está passando é a adoção da rastreabilidade, no momento, para animais cuja carne será exportada para a Europa.

Nas últimas semanas têm-se visto de tudo, em grande parte graças à mudança de regra do SISBOV, obrigando que os animais sejam cadastrados no SISBOV por um mínimo de 40 dias pré-abate.

Paralisação de compras de gado gordo para pressionar o MAPA, afirmando que não havia gado para abate. Queda-de-braço com produtores na tentativa de derrubar o preço do boi não-rastreado. Afirmações desencontradas e muitos boatos. Tudo isso confundiu o mercado e ainda há alguns pontos a se esclarecer (Leia a análise semanal de mercado do BeefPoint para maiores detalhes).

Ontem o ministro da indústria e do desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, recebeu os presidentes dos dois maiores frigoríficos brasileiros, na pauta: a dificuldade de se exportar com as atuais regras. Na semana que vem haverá uma reunião do conselho do SISBOV e provavelmente haverá novas tentativas de adiamento de adoção de uma certificação mais consistente. Ainda não se resolveu o impasse e parece que alguns atores da cadeia preferem trabalhar à moda antiga, não percebendo que as mudanças são mais do que simples normas impostas pelo governo, mas sim tendências de consumo e exigências do consumidor moderno. Exigências essas que tendem a aumentar onde já existem e a se espalhar pelo mundo.

Importância das associações

Vale lembrar aqui a importância das associações de classe. No momento quem mais se faz presente é o Fórum Permanente da Pecuária de Corte. O FPPC tem sido muito ativo na defesa dos interesses dos produtores de gado de corte nesses momentos de grande pressão dos frigoríficos, junto ao MAPA e também no trabalho de melhor informar o mercado sobre a real situação de oferta de animais rastreados.

O trabalho de associações tem que ser valorizado e estimulado, pois elas podem ajudar bastante o produtor em suas maiores fraquezas: baixo poder de barganha num mercado concentrado, limitado acesso à informação confiável e incapacidade de fazer lobby junto a órgãos representativos de governo.

Mercado europeu

É importante esclarecer também a importância do mercado europeu. Alguns analistas têm afirmado que esse mercado representa baixo volume e as exportações representam pouco mais de 10% da produção brasileira.

A expectativa atual é que o Brasil exporte 16,5% de sua produção esse ano, segundo dados da FNP de Abril de 2003. No ano passado o Brasil exportou 274.869 toneladas métricas de carne bovina para a Europa, sendo o maior mercado brasileiro em faturamento e em volume no ano de 2002.

Outro ponto importante é que a Europa importa apenas alguns cortes nobres do traseiro. É difícil de se quantificar, mas uma percentagem significativa do filé mignon brasileiro tem a Europa como destino. É grande o número de animais que tem alguns cortes cárneos exportados para a Europa, por isso a necessidade de tantos animais rastreados.

Novo paradigma na pecuária

A rastreabilidade se insere num novo paradigma da pecuária de corte brasileira. Não é possível ter vantagens na adoção da rastreabilidade se todo o resto continuar na mesma. A pecuária brasileira precisa evoluir de várias maneiras, na busca por mais eficiência, mais qualidade e mais segurança alimentar.

David Makin, presidente da CFM, deu uma interessante opinião em seu artigo “Pecuarista tem de acreditar na rastreabilidade” publicado no BeefPoint essa semana. Não posso concordar que colocar brinco no bezerro antes do desmame e coletar suas informações periodicamente seja um desafio difícil de superar. A CFM já colocou brinco em 65 mil animais., afirmou.

Se acreditamos no potencial do Brasil se tornar o maior exportador de carne do mundo em breve, em produzir carne de alta qualidade, em ter uma produção de carne bovina lucrativa, será preciso esse e muitos outros ajustes. Acredito que temos toda a capacidade de atender aos desafios que serão encontrados.

Do lado do frigorífico, já são notáveis algumas mudanças. Algumas ações dos maiores exportadores brasileiros mostram que esses frigoríficos já estão atentos à sua capacidade de adquirir animais em grande volume, com fornecimento durante o ano e qualidade uniformes.

O Bertin está investindo bastante na expansão de seus confinamentos com o objetivo de ter animais no peso e acabamento adequado de maneira mais segura (veja o resultado do TOP BeefPoint de Confinamentos ).

O frigorífico Independência parece ter o mesmo objetivo final em uma ação bastante diferente. Recentemente firmou um acordo com a ACNB, responsável pelo programa Carne Nelore Natural (clique aqui para ler a notícia do dia 18 de junho). Acredito que o Independência busque ter acesso mais simples a grande volume de carne de qualidade, durante todo o ano. Além disso, nesse primeiro momento também resolveria de forma mais fácil a falta de animais rastreados.

É a possibilidade de uma maneira muito nova de relacionamento com o produtor. No curto prazo, a estratégia do Independência poderá encontrar mais dificuldades, mas é possível que no médio-longo prazo seja mais bem-sucedida: a construção de uma forte parceria com produtores garantirá suprimento de carne em quantidade e qualidade, sem perder o foco na atividade principal da empresa.

A busca por grande quantidade de carne uniforme e de padrão superior tende a aumentar. Essa é uma oportunidade única para produtores que produzem de maneira eficiente. Se trabalharmos de forma unida e organizada é possível obter maiores lucros, de duas formas: aumentando nossa eficiência (e diminuindo custos) e aumentando o valor dos produtos (ao se produzir animais de melhor carne, com maior rendimento de carcaça, melhor couro, etc).

É também oportunidade para frigoríficos e demais elos da cadeia, pois a qualidade (seja maciez, seja segurança, seja uniformidade) da carne ofertada pelo Brasil (no mercado interno e externo) tende a aumentar e isso pode ser capitalizado em maiores preços e novos mercados.

0 Comments

  1. Angélica Simone Cravo Pereira disse:

    Parabéns pelo artigo Miguel.

    Acredito que o processo de implementação da rastreabilidade é essencial e inevitável, para dar credibilidade a todo o setor brasileiro envolvido na cadeia da carne.

    Além disso, quem dita as regras são os consumidores, sejam eles pertencentes ao mercado externo, ou interno.

    Porém, independente de mercados, o que, infelizmente, se vê é um cenário de relações comerciais internas ainda arcaico, pela ausência de qualidade do produto, ou confiança nos fornecedores do setor e grandes entraves, como restrições e taxas elevadas por parte dos países importadores.