Nutrição como ferramenta para melhoria da qualidade da carne de bovinos

O Brasil possui um rebanho de bovinos predominantemente Bos indicus que apresenta uma carne reconhecidamente menos macia do que animais Bos taurus. Isso se deve ao fator genético atuando sobre a quantidade e ativdade das enzimas calpaína (quebra da fibra muscular) e calpastatina (inibidora da calpaína) no período pós abate. A melhora na maciez da carne pode ser obtida através de tecnologias de suplementação pré abate ou processos pós abate.

O transporte, manejo, privação de água e alimentos pré abate causa estresse nos animais resultando em diminuição do peso das carcaças, bem como diminuição na qualidade da carne. O estrese pré abate tem grande importância nas perdas ocasionadas à indústria e frigoríficos.

O estresse induzido pelo manejo agita e excita os animais, resultando em importantes alterações fisiológicas. Os ajustes fisiológicos que ocorrem durante o período de estresse são auxiliados pela liberação hormonal, sendo estes, a epinefrina, norepinefrina, adrenalina e hormônios tireoideanos. Quando esses hormônios são liberados, os músculos se tornam preparados para uma rápida e forte contração, como numa situação de emergência (JUNQUEIRA, 2000).

Dietas de terminação

A utilização de uma alta proporção de grãos na dieta aumenta o ganho diário de peso, consequentemente diminuindo o período até o abate.

O grau de terminação dos animais interfere na qualidade da carcaça, sendo que animais terminados com 10 mm de gordura subcutânea apresentaram melhores resultados em maciez e marmoreio em relação a 7 mm de gordura de cobertura, não havendo diferença em relação à intensidade de sabor (MANDELL, et al., 1997).

A proporção de grãos: forragem na dieta de terminação de bovinos irá influir na qualidade da carne, sendo que animais terminados a pasto apresentam carcaças com menor quantidade de gordura, maior proporção de carne magra e menor área de olho de lombo (BOWLING et al., 1978). Essas características poderão ocasionar diminuição da maciez e escurecimento da carne. A espessura de gordura de cobertura é diretamente relacionada com a maciez e o escurecimento da carne devido à maior propensão da ocorrência do “cold shortening”, que é um processo de encurtamento das fibras musculares e consequentemente diminuição da maciez. A camada de gordura de cobertura funciona como um isolante envolvendo a carcaça impedindo a desidratação da superfície que levaria ao escurecimento da carne.

Os efeitos da utilização de forragens na terminação de bovinos podem ser melhorados significativamente pela utilização de um período com o fornecimento de grãos durante a terminação. (VESTERGAARD et al., 2000).

Dietas altamente energéticas promovem uma diminuição na hipoglicemia resultante do estresse de transporte, promovendo uma melhora na qualidade das carcaças.

Suplementação com vitamina E

A Vitamina E é reconhecidamente um nutriente essencial no desenvolvimento de todas as espécies animais, inclusive os bovinos, sendo que sua deficiência pode levar a morte e reabsorção embrionária, degeneração de retina, hemólise de eritrócitos e afetar a biossíntese de prostaglandina. Apesar de todas funções citadas anteriormente, o principal papel da vitamina E é o de anti-oxidante biológico. A introdução da vitamina E na dieta pode ser feita através da absorção em substratos sólidos como farelo ou milho triturado.

A suplementação com vitamina E visa aumentar concentração da mesma no músculo, possibilitando uma maior estabilidade da coloração da carne através do seu papel anti-oxidante. A aparência (cor e textura) é uma das únicas, ou mutias vezes, a única forma de avaliação da qualidade da carne pelo consumidor no momento da compra. A coloração da carne é devido a três pigmentos: deoximioglobina, oximioglobina e metamioglobina. Deoximioglobina tem cor púrpura, observada na carne fresca. Após alguns minutos de exposição ao oxigênio a deoximioglobina se torna oxigenada formando o pigmento oximioglobina, que é brilhante e de cor vermelho cereja. Depois de horas ou dias de exposição, a oximioglobina dá lugar a um pigmento de cor marron denominado metamioglobina pela substituição da molécula de oxigênio por uma molécula de água. O ciclo de mudanças na coloração da carne é reversível e dinâmico, podendo ocorrer alterações nos pigmentos oxi e metamioglobina. Um típico exemplo desse processo são as carnes embaladas à vácuo (ausência de O2) que apresentam cor amarronzada (metamioglobina) e minutos após serem abertas se tornam de cor vermelho cereja (oximioglobina).

Também a intensidade de iluminação a qual está exposta a carne durante o resfriamento ou gôndola, interfere na sua estabilidade de coloração, sendo que maiores intensidades de luz diminuem o tempo de prateleira do produto.

Já a oxidação de lipídeos é um processo degradativo, resultando em rancificação em carnes não cozidas e um gosto característico em carnes já processadas. Apesar do cozimento não alterar a concentração de alfa tocoferol no músculo, a capacidade de impedir a oxidação de lipídeos fica substancialmente diminuída nas carnes cozidas em relação à carne fresca.

A suplementação com vitamina E (300/UI animal/dia) durante 9 meses melhorou o tempo de prateleira da carne de 4,9 dias (controle) para 7,4 (suplementado). O músculo dos animais controle e suplementado continham 0,9 e 3,8 microgramas/grama de alfa tocoferol, respectivamente. Dose de 360 UI/animal/dia por 120 dias promoveu a estabilidade da coloração igual à dose de 1290 UI/animal/dia no período de 7 dias (LIU et al. 1995). Suplementação de 500 mg/animal/dia durante 126 dias aumentou a estabilidade da coloração dos músculos semi-membranoso e glúteo médio (LIU et al., 1996).

A vitamina E endógena (suplementação) se apresenta mais eficiente do que a exógena (aplicação pós abate) na estabilidade da cor e de lipídeos na carne, provavelmente devido a um contato somente superficial e não intramenbrana. Suplementação com vitamina E não afeta o desempenho dos animais, características da carcaça (qualidade e produtividade), nem a contagem microbiana na carcaça de animais tratados. Provavelmente a dose de vitamina E necessária para se conseguir que a concentração de alfa tocoferol alcance 3 microgramas por grama de músculo (FAUSTMAN et al., 1998). A suplementação de 500 UI/animal/dia durante 126 dias traz benefícios para estabilidade da cor de carnes comercializadas frescas, porém no caso de armazenamento ou exportação que o período necessário de estabilização seria de 60 a 120 dias, sendo necessário uma dose de 63.000 UI/animal/dia durante 126 dias (LIU et al., 1995).

Referêncais bibliográficas

BOWLING, R.A.; RIGGS, J.K.; SMITH, G.C.; CARPENTER, G.L.; REDISH, R.L.; BUTLER, E.D. Production, carcass and palatability characteristics of steers produced by different management systems. J. Anim. Sci, v. 46, p. 333-340, 1978.

FAUSTMAN. C.; CHAN, W.K.M.; SCHAEFER, D.M.; HAVENS, A. Beef color update: The role for vitamin E. J. Anim. Sci, v. 76, p. 1019-1026, 1998.

JUNQUEIRA, J.O.B. Estresse pré abate – a importância do manejo pré abate. Pecuária 2000, Anais, Pirassununga, 2000.

LIU, Q.; LANARI, M.C.; SCHAEFER, D.M. A review of dietary vitamin E supplementation for improvement of beef quality. . J. Anim. Sci, v. 73, p. 3131-3140, 1995.

LIU, Q.; SCHELLER, K.K.; ARP, S.C.; SCHAEFER, D.M.; FRIGG, M. Color coordinates for assessment of dietary vitamin E effects on beef color stability, J. Anim. Sci, v. 74, p. 106-116, 1996.

MANDELL, I.B.; GULLET, E.A.; BUCHANAN-SMITH, J.D.; CAMPBELL, C.P. Effects of diet and slaughter endpoint on carcass composition and beef quality in Charolais cross steers. Canadian Journal of Anim. Sci., v.77, n. 3, p. 403-414, 1997.

VESTERGAARD, M.; THERKILDSEN, M.; HENCKEL, P.; JENSEN, L.R.; ANDERSEN, H.R.; SEJRSEN, K. Influence of feed intensity, grazing and finishing feeding on meat and eating quality of young bulls and the relationship between muscle fibre characteristics, fibre fragmentation and meat tenderness. Meat Sci., v. 51, p. 187-195, 2000.

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  1. Angélica Simone Cravo Pereira disse:

    Parabéns pelo artigo.

    Vale ressaltar que em alguns trabalhos, a suplementação da vitamina E (acetato de alfa tocoferol) em bovinos em terminação, minimizou o estresse oxidativo desses animais, resultando em maiores ganhos de peso, principalmente nas primeiras semanas de confinamento.

    Em relação à qualidade da carne de animais suplementados com vitamina E, acredito que são necessárias muitas pesquisas, pois os resultados ainda são controversos.

    Cordialmente,

Síntese Agropecuária BM&F – 20/03/03
20 de março de 2003
Iagro interdita frigoríficos e propriedades no MS
24 de março de 2003