Por Paulo Cesar Bastos1
O Brasil que já possui o maior rebanho comercial do mundo, conquistou a posição, em 2003, de principal exportador mundial de carne bovina, superando a Austrália e os Estados Unidos. Para 2004 as perspectivas são mais otimistas, prevendo-se acordos com os países do atual NAFTA (EUA, Canadá e México), bem como com outros países, caso do Japão e Coréia, além da consolidação do importante mercado da China, conquistado em 2003. Assim, embora, representante, ainda, algo em torno de 15% da produção, o mercado externo vem enxugando o excedente dessa produção interna, sustentando os preços e o crescimento do setor. Acrescenta-se a isso, que, com o mercado interno fragilizado, pelo baixo poder aquisitivo, a cadeia do agronegócio da carne está cada vez mais dependente das exportações, para o equilíbrio entre a oferta e a demanda.
O Estado da Bahia, com cerca de 10 milhões de cabeças, está entre os seis maiores produtores de pecuária do país, porém, mesmo com a vitória sobre a aftosa, ainda, não exporta, apesar do nosso estado já contar com unidades frigoríficas atendendo às exigências do SIF – Serviço de Inspeção Federal e que poderão ser adequadas, com obras complementares, às normas para exportação. Enquanto isso não ocorre, os produtores baianos recebem um dos preços de arroba de boi mais baratos do Brasil, embora, isso, não reverta para o consumidor, parcela importante e fundamental da cadeia do negócio da carne, que sofre com a falta de renda, fazendo com que somente cerca de 30% da população coma carne diariamente. O cardápio não é imposto pela vontade e, sim, pela renda.
A viabilização do Real e o controle da inflação devem muito ao campo. O que foi bom para a economia popular atingiu o produtor, que teve maximizados os seus custos e minimizados os resultados. A agropecuária conta com subsídios em todo o mundo. Os Estados Unidos e a União Européia investem bilhões de dólares e euros para manter o homem no campo e nas comunidades rurais. Aqui, no Brasil, em nome de uma pretensa modernidade, subsídio rural virou palavrão. Tradicionalmente recatados e silenciosos a maioria dos agropecuaristas vem aceitando essa situação e, para continuar tocando a propriedade, a opção foi a redução drástica das despesas, inclusive, algumas indispensáveis, como o manejo das pastagens, aumentando, dessa maneira, o já elevado índice de degradação.
Se perdurar tal situação, com pecuaristas desestimulados pela baixa rentabilidade, fatalmente a produção vai se retrair, provocando o desequilíbrio entre a oferta e a demanda. Esse cenário reflete uma falta de profissionalismo na cadeia produtiva. Não se trata de profissionalismo técnico, mas, sim comercial. Embora, seja cada vez maior o uso de novas técnicas, ressaltando-se o melhoramento genético, é sensível a crise da pecuária, ocorrendo, às vezes, o produtor pagar para ser fazendeiro, quando o preço da arroba do boi não é compensatório.
Constatado que o consumidor fragilizado não poderá segurar e sustentar preços compensatórios para a arroba do boi e que a exportação, embora tendendo a ser o fiel da balança não é a solução única para o problema, torna-se necessário que seja estabelecido um programa de investimento nos frigoríficos para adequá-los à exportação e também, à manufatura de novos produtos com maior valor agregado, como a linha dos chamados embutidos, que a Bahia importa de outros estados. Assim, ao agregar valor ao produto carne, deixando de ser simples matadouro para se transformar em fábrica, os frigoríficos poderiam pagar um preço mais justo pela arroba do boi, preservando a sua margem, suficiente para um funcionamento empresarial saudável, sem aumentar preços que onerasse e afugentasse o consumidor.
Dispondo a Bahia de matadouros-frigoríficos com o SIF, já existe liderado pelo governo do estado o programa de adequação para exportar. Ocorre, no entanto, que a situação da pecuária necessita de uma ação mais urgente, desburocratizada e determinada, para que a partir da liderança do governo estadual seja promovida uma integração do setor público (estadual, municipal e apoio federal, através de instituições de crédito e fomento), e privado para o estabelecimento de uma estratégia para o desenvolvimento do importante agronegócio da carne, afim de garantir resultados favoráveis à toda a cadeia: pecuaristas, industria, comércio e consumidores.
Poderão argumentar, alguns, que as coisas não são fáceis e que o papel e a escrita permite tudo. Não é bem assim, visto que, algumas vezes, as soluções estão mais próximas do que se imagina, ou no popular, a um palmo do nariz, desde que, para se atingir os objetivos, sejam deflagradas ações pragmáticas, calcadas nas tendências naturais de uma região para determinada atividade produtiva. Observado isso, seriam escolhidos os Pólos Cárnicos da Bahia. Ainda, nesse raciocínio, devido à sua posição estratégica e sua tradicional e histórica vocação, o primeiro Pólo poderia ser implantado em Feira de Santana, utilizando-se as instalações do FRIFEIRA, frigorífico com inspeção do SIF, atualmente, controlado por cooperativa de pecuaristas, onde, através de obras complementares, se adequaria o mesmo á exportação e analogamente ao Pólo Petroquímico poderia ser instalada uma CEMAB-Central de Matéria Prima Bovina.
Partindo daí seriam desenvolvidas as atividades de matadouro-frigorífico para o mercado interno e externo e outras integradas, por exemplo: Unidade de produção de cortes especiais e embutidos; fábricas de produtos médicos e cirúrgicos (utilização das tripas); manufatura de sabões e sabonetes (utilização do sebo); misturadora de fertilizantes orgânicos; curtumes; industrias de artefatos de couro; fábricas de rações; enfim, uma série de plantas industriais, geradoras de emprego e renda, que poderiam funcionar junto, em torno ou em função da CEMAB. Seria uma dose salutar para o revigoramento da pecuária e de toda a economia de Feira de Santana e dos vários municípios da micro-região, providência, essa, de urgente e extrema necessidade.
Tentamos, aqui mostrar a visão de um produtor sobre o agronegócio da carne com a intenção de buscar um mercado sustentável e competitivo. Foram relatados fatos e apresentadas idéias, sem pretensão a ser o dono da verdade, propondo-se, portanto, um diálogo e o debate das idéias em benefício de uma sociedade mais justa e desenvolvida.
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1Paulo Cesar Bastos é engenheiro civil
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Prezado Paulo,
Parabéns pelas idéias e considerações. Excelente texto!
Seria interessante que esta publicação chegasse aos poderes públicos como: FAEB, Secretaria da Agricultura, MAPA, CNA, associações de criadores, governo estadual, para poder mostrar o grande potencial do estado da Bahia e a situação desmotivadora que está criando na pecuária.
Atenciosamente
Alexandre Dantas
Administrador de Empresas e produtor rural
Caro colega Paulo Bastos,
Conheço bem as dificuldades de seu estado, pois a família de minha esposa é pecuarista na região sul da Bahia. Os problemas ai são grandes, sei bem disso.
Os problemas que a falta de Frigoríficos Regionais causa , é de ordem nacional. O pecuarista de Rondônia, por exemplo, está passando por uma crise sem igual.
Segue abaixo, trechos de emails enviados ao Planalto Central.
Como você, também não tenho a pretenção de ser o dono da verdade. E nem sou dono dela. É que o problema está muito na cara.
E aqueles que tiverem outras idéias e possíveis soluções, que se manifestem de alguma forma. O momento da pecuária é agora! O produtor rural tem que tomar coragem e se manifestar , porque do contrário a situação seguirá estática.
Você pecuarista, que está lendo essa matéria agora, e que tem algo a acrescentar, se manifeste. Nenhum movimento começa forte. De repente o Paulo na Bahia, o outro Paulo em São Paulo, o José no Mato Grosso, o Ribamar no Maranhão, o Luís em Minas e muitos outros pecuaristas que acreditam num futuro melhor, juntos poderão conseguir algum resultado positivo. Pense nisso! A balança comercial está favorável, graças ao agro-negócio, também ! Não esqueçam disso !
—– Original Message —–
From: Paulo Stipp
To: gm@agricultura.gov.br
Sent: Thursday, July 01, 2004 12:27 PM
Subject: Regionalização de Frigoríficos.
Ministro Roberto Rodrigues
Sou um entre os milhares de pequenos produtores rurais brasileiros.
Minha região é o Vale do Paraíba, SP. Mais precisamente
Aparecida e Guaratinguetá.
Essa região , como é de conhecimento de todos, já foi grande produtora de leite.
É uma região caracterizada por pequenas propriedades.
Hoje a pecuária de corte vem tomando força na região.
O governo vem fazendo um trabalho, para que o país se torne uma potência
na produção de carne.
Hoje se fala em grandes campanhas de vacinação, sisbov, etc. Os produtores sérios
aderem e se comprometem com elas. Tudo perfeito.
O mercado vem ficando a cada dia mais seletivo na qualidade da carne.
Muitos produtores do Vale estão trabalhando neste sentido. O produtor tem que produzir aquilo que o mercado precisa.
Animais jovens,de boa genética, com bom acabamento, identificados pelo SISBOV, etc…
Só que minha região é pobre em Frigoríficos. No Vale do Paraíba o produtor trabalha, faz tudo certo
e acaba “morrendo na praia”. Na hora de vender seu produto a região não possui compradores para este tipo de produto selecionado e acaba o produtor tendo que vender seu boi para Frigoríficos distantes. E o pior: Com valor menor.
Pode-se agora argumentar que o sul do Pará, Mato Grosso, etc. também não têm frigoríficos distribuídos de forma
necessária.
Porém colocando-se frigoríficos em região de alta concentração de pequenas propriedades acaba-se resolvendo
vários problemas.Estamos perto dos centros consumidores, perto dos portos.Melhorando a margem de lucro do produtor
diretamente se gera mais empregos. É bom lembrar que a cada pequena propriedade, está ligada no mínimo uma família
de trabalhadores.
E por não dizer a máxima:” A união faz a força”. Vários pequenos produtores juntos podem produzir muito.
O sul de Minas Gerais e norte do estado do Rio seriam juntamente bem atendidos.
Não adianta se fazer campanhas para produção e deixar o produtor com o resultado de seu trabalho nas mãos.
Precisa-se mostrar na realidade que o produtor pode trabalhar e investir na produção, pois o escoamento de seu produto
estará garantido e o produtor remunerado de forma correta.
Talvez um incentivo fiscal aos frigoríficos existentes de instalarem novas filiais.
Novos Frigoríficos gerarão: empregos, gerarão incentivo ao produtor da região em produzir mais e divisas ao País.
Como resolver isso, ninguém melhor que o Ministro da Agricultura.
E o mínimo que o produtor espera do governo é o respeito ao seu trabalho.
Sds.
Paulo Stipp
—– Original Message —–
From: Paulo Stipp
To: sg@planalto.gov.br
Sent: Monday, July 26, 2004 7:29 PM
Subject: Regionalização de Frigoríficos.
Ministro-chefe Luiz Soares Dulci
Chefe de Gabinete Mila Frati
Desconhecendo o caminho mais viável, para a chegada desse documento às mãos de nosso Presidente da República, e acreditando que através dessa Secretaria isso será possível, solicito que me retransmita esse e-mail, na integra, ao Presidente Lula. Aguardo confirmação da chegada ao destinatário.
Presidente Lula
Leia estes e-mails e analise o caso com carinho. Converse com o Ministro Roberto Rodrigues.
Lá no interior tem um ditado que diz: ” Cavalo arreiado só passa uma vez na vida, próximo de nós.”
Depende do cavaleiro aproveitar e montar no momento certo.
O momento da pecuária é agora !!!!!!!!!! Não deixe o cavalo ir embora !!!!
Peço em nome dos pequenos pecuaristas desse nosso Brasil.
Unidos seremos grandes.
Certo de sua avaliação
Sds,
Paulo Stipp
—– Original Message —–
From: Paulo Stipp
To: gm@agricultura.gov.br
Sent: Monday, July 26, 2004 6:31 PM
Subject: Regionalização de Frigoríficos.
Ministro Roberto Rodrigues,
A produção de carne bovina vem crescendo, impulsionada pelo momento favorável em que o Brasil se encontra no mercado mundial. Isso é fato. E temos que aproveitar o momento. Os americanos e australianos
não estão de braços cruzados olhando nossa ascensão no mercado mundial. Na primeira oportunidade que os EUA
tiverem para nos sufocar no mercado, tentarão faze-la. Isso ninguém duvida.Nós pecuaristas brasileiros nem sonhamos com os subsídios que os países ricos dão aos produtores. Não podemos perder o momento.
A cadeia produtiva de bois, começa lá no pasto e somente termina na geladeira de nossos compradores, lá do outro lado do mundo. Portanto qualquer etapa que afunile a produção deverá ser cuidadosamente estudada e modificada.
E é melhor gastar com investimentos preventivos do que com corretivos. Antes de incentivar produção, temos que prever escoamento.
A muito observo a dificuldade que pequenos pecuaristas do Vale do Paraíba-SP têm em comercializar seus bois.
O e-mail de 01/07/2004, reflete o pensamento de muitos pecuaristas da região.
E não somos somente nós paulistas, preocupados com a regionalização de frigoríficos.
Olhe o caso dos produtores mineiros. Governador Valadares e região estarão providos de frigoríficos dentro em breve.
Uma carga viva percorrer mais de 1000 km para ser abatida, simplesmente é uma VERGONHA na cadeia produtiva.
Minha família possui fazendas no sul da Bahia. Outra região complicada.
A pecuária nacional precisa urgente da regionalização de frigoríficos . A pecuária se encontra em um momento historicamente favorável. O Ministério da Agricultura está em alta. O prestígio do Ministro da Agricultura mais ainda.
O setor pecuarista precisa que este momento seja aproveitado para alavancar a cadeia produtiva.
Vamos nos armar , no sentido de organização produtiva, antes que nossos concorrentes resolvam os problemas sanitários de seus animais. Pode ter certeza que quando acontecer isso a coisa vai ficar mais difícil. Continuaremos
a lutar , porém com mais dificuldades.
Conheço meu país de ponta a ponta e todas suas maravilhas e desigualdades. Viajei profissionalmente durante quase
14 anos pelo país. Setor de Telecomunicações, junto à Telebrás.
Diante ao fato de ter tido a oportunidade de conhecer bem meu País, sei que o problema de regionalização frigorífica,
não se restringe ao Vale do Paraíba-SP, mas sim a todas as regiões pecuaristas.
Acredito que uma parceria do Ministério da Agricultura, junto a Estados e Municípios, no sentido de promover a instalação de Frigoríficos, seria a saída mais rápida.
Saída rápida sim. Porque a cadeia produtiva não tem tempo a perder. Não pode esperar. O bezerro está crescendo no pasto.E o pecuarista é o mais vulnerável na cadeia produtiva.
E isso precisa ser divulgado, para que o pecuarista, lá no interior, receba uma injeção de ânimo para promover uma intensificação em seu negócio, que é criar bois.
Não adianta nada, como já mencionei, melhorar genética, intensificar aproveitamento de pastagens, SISBOV, manejo
racional, campanhas disso e daquilo,etc, se na hora que o pecuarista for vender seu produto, não haja um Frigorífico
na região, que o pague de maneira justa. E a carga viva tenha que percorrer mais de mil quilômetros para ser abatida. Uma vergonha isso !
Reúna-se com seus assessores, fale com o presidente, divulgue a regionalização, procure governadores e prefeitos.
Haverão com certeza muitos municípios interessados em instalar um Frigorífico . Viabilize a instalação. O bezerro está
crescendo no pasto !!!!! Divulgue e faça acontecer esse projeto, que tenho certeza,lhe trará muita força política.
Não espere a classe pecuarista lhe cobrar publicamente. Resolva por antecipação !!!
E que esse documento chegue às mãos do Sr. Ministro Roberto Rodrigues.
Sds,
Paulo Stipp
Brasília, 10 de agosto de 2004.
PAULO STIPP
paulostipp@uol.com.br –
12500970 – GUARATINGUETÁ – SP
Prezado Senhor,
O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva encarregou-nos de
registrar o recebimento de sua carta de 27/07/2004.
Atenciosamente,
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CLAUDIO SOARES ROCHA
Diretor
Diretoria de Documentação
Histórica
Paulo Bastos, se a situação piorar ou não melhorar logo, não será por falta de alerta. Será por falta de vontade ou por força de interesses isolados.
Um grande abraço e torcendo pelo Frigorífico em Feira de Santana.
Paulo
Paulo Stipp é engenheiro elétrico
Parabéns Paulo César,
Finalmente alguém mostrou a indignação que nós baianos sentimos pelos preços praticados aqui nos estado,venho ainda lembrar que além da região de Feira, um grande centro produtor é a região de Teixeira de Freitas, onde se tem um vasto rebanho bovino sendo em grande parte de corte.
Sr. Paulo Cezar Bastos: suas colocações são retratos da nossa pecuária. Estas situações ocorrem em todo o Brasil a correção disto está na mudança do comportamento dos pecuaristas na cadeia produtiva da carne, repito, cadeia produtiva da carne, e isto só ocorrerá quando nosmconscientizarmos de que quem produz a carne é o pecuarista e o frigorífico somente abate e processa.
Já começou o trabalho sobre o sistema integrado de produção e se o pecuaristas ficar mordendo mosca vai continuar a mesma ladainha
Meus parabéns pela matéria.
Nagato Nakashima Consultor de Agronegócio.
Infelizmente o percentual de abates clandestinos no nosso Estado ainda é muito grande, e os frigoríficos ao invés de atuar no seu segmento afim de comprar boi e comercializar seus produtos, alguns ainda atuam unicamente em fazer abates para terceiros e sobreviver de taxas de abate.
Desta forma o interesse em investir fica para segundo plano.
Enquanto isto, um percentual da população continua consumindo carnes sem controles.