Conforme comentamos na primeira coluna do SIC (Serviço de Informação da Carne) para o BeefPoint, nosso modelo de trabalho está baseado em um empreendimento de grande sucesso na França, o CIV ou Centre d’Information des Viandes .
O CIV foi criado em 1987 em Paris, com a missão de agir como um interlocutor e veiculador de informações sobre carne bovina, de vitelo, ovina e miúdos entre os profissionais da cadeia da carne bovina, os poderes públicos e os consumidores. É uma associação sem fins lucrativos criada pelo setor privado, ou seja, a própria cadeia produtiva da carne. A missão do CIV pode ser explicada em cinco objetivos principais:
– Verificar e coordenar as mensagens de comunicação que se referem ao setor de carne bovina, ovina e miúdos
– Ser um interlocutor com os formadores de opinião e consumidores
– Difundir todas as informações sobre os produtos cárneos e sobre a cadeia produtiva, permitindo uma melhor compreensão dos produtos em si e das funções dos operadores da cadeia
– Liderar estudos sobre o consumo a fim de definir os anseios dos consumidores em matéria de produtos e de informações
– Divulgar informações objetivas, advindas de estudos científicos, seguindo um rigoroso procedimento de validação de informações
O CIV tem na sua estrutura três conselhos, que são: conselho científico, ético e de consumidores. Todo o material publicado e as informações veiculadas passam pela aprovação prévia destes comitês. Esta estratégia aumenta a credibilidade e seriedade do CIV.
As principais ações do CIV são: publicação de material; participação em feiras, congressos e eventos dos mais variados setores (esportes, medicina, cozinha industrial, infantis, nutrição, agropecuários); assessoria de imprensa; campanhas de esclarecimento sobre assuntos específicos (como a BSE), website e envio de material para formadores de opinião. Todo trabalho é feito deixando claro que sua ação é de informação e não de promoção do produto.
Mas para se falar de CIV é fundamental esclarecer qual é a entidade maior que está por trás deste trabalho. O Interbev é a Associação Francesa Interprofissional de Pecuária e Carnes, que foi criada em 1979 por iniciativa das próprias entidades agropecuárias francesas. O Interbev congrega 12 federações envolvendo toda a cadeia produtiva da carne. As federações que compõe o Interbev são: produtores rurais (de bovinos e ovinos); cooperativas; compradores de animais; leiloeiros de gado; cooperativas de açougueiros; açougueiros independentes; abatedouros privados; abatedouros industriais; abatedouros públicos municipais; indústria de embutidos e supermercados.
O Interbev tem três comissões, que são: comunicação, técnica (pesquisa e desenvolvimento) e de normatização de acordos profissionais. O CIV é na realidade a entidade de comunicação do Interbev. A atuação é bem distinta: a promoção e marketing de carne na França ficam a cargo do Interbev; a informação ao consumidor cabe ao CIV. O Interbev tem 21 comitês regionais, que multiplicam suas ações e cuidam da distribuição regional do material produzido pelo CIV. O Interbev ainda encomenda às centrais de pesquisa relatórios a respeito de temas importantes relacionados à carne, que são posteriormente enviados a todos os participantes da cadeia produtiva. Ou seja, esta grande entidade está bem articulada e consegue coordenar a cadeia da carne francesa, coletando recursos para executar várias ações fundamentais beneficiando todo o setor. Um exemplo que deve ser observado atentamente por nós brasileiros.
O CIV obtém recursos de duas fontes: 80% de cotização profissional, ou seja, uma taxa cobrada do setor produtivo recolhida mensalmente pelo Interbev; os outros 20% vem da Comunidade Européia. A cotização profissional é de 24 euros por tonelada de carne. Os pecuaristas contribuem com 40% deste valor, o consumidor com 40% e o restante (20%) vem dos abatedouros. A verba do ano de 2001 foi de 6.5 milhões de euros (correspondentes a U$ 5.7 milhões).
O orçamento do CIV aumentou significativamente nos dois últimos anos porque a Comunidade Européia preocupou-se com o impacto das notícias sobre a BSE (Encefalopatia Espongiforme Bovina, mais conhecida como “doença da vaca louca”), que estava reduzindo drasticamente o consumo de carne na Europa. A CE reconheceu o CIV como um local de credibilidade, que vinha fazendo um trabalho constante e eficaz junto aos consumidores, e portanto aportou 1 milhão de euros somente no ano de 2001, para intensificar a campanha de informação sobre a BSE.
Percebe-se claramente que os surtos de BSE em 1996 e 2000 tiveram um impacto definitivo em todo o setor pecuário da Europa. Seguramente a rastreabilidade bovina, o controle sanitário e de trânsito de bovinos e o crescimento rápido do CIV nos últimos dois anos estão relacionados diretamente à BSE. Por exemplo, o CIV passou de 6 funcionários para 13 e atualmente está precisando de um novo escritório, pois a estrutura já não cabe no local é ocupado atualmente.
Quando se observa este fato, fica uma pergunta no ar: será que o Brasil terá de passar por alguma crise gigantesca, semelhante à que ocorreu na Europa (mas não necessariamente a BSE) para que nossa cadeia de carne bovina passe a se comunicar melhor e trabalhar unida por objetivos comuns? Ou será que isto ainda é uma utopia para o setor bovino brasileiro? Esperamos sinceramente que se possa articular a mudança e a melhoria do setor pecuário de forma mais “preventiva”. Porque prevenir um incêndio é sempre mais fácil do que apagá-lo.
Tivemos a oportunidade de visitar o CIV e outras entidades durante uma viagem técnica à França realizada no final de fevereiro de 2002. Dentre outros locais, visitamos o Salão Internacional da Agricultura (SIA), que ocorreu de 23 de fevereiro a 3 de março em Paris. Esta feira é diferente de tudo que conhecíamos até então: é uma feira onde todo o setor agropecuário se “mostra” para o consumidor final. É o maior evento agropecuário de toda a Europa e já ocorre há 39 anos, constando do calendário oficial de eventos de Paris. Foi visitada por 612.000 pessoas em 9 dias, o que dá um espantoso número de 68.000 pessoas por dia. É um evento educacional voltado para difusão de informações e não para negócios. Diferentemente de nossas feiras agropecuárias brasileiras, boa parte do público é de crianças. A maioria dos stands está preparada para recebê-las, com demonstrações de preparação e produção de alimentos, jogos e entretenimento.
O CIV contava com dois stands durante a feira, sendo um do próprio CIV e o outro para degustação de carne. O stand do CIV tinha vários setores de informação ao consumidor, sendo dispostos ao redor de um círculo central. Um setor dava orientações sobre carnes para cozinhas coletivas, outro mostrava um restaurante, com demonstrações de receitas e distribuição das mesmas, outro era como uma cozinha domiciliar.
Dois painéis com a silhueta de um bovino e um ovino mostravam o desenho dos cortes de carne na carcaça, e através de faixas magnéticas com o nome dos cortes os consumidores testavam seu conhecimento, tentando colocar o nome de cada corte no local correto. Além de orientações básicas sobre carne, atualmente há uma campanha de esclarecimento a respeito de rastreabilidade. Havia um local de demonstração que ensinava a forma de ler a etiqueta da embalagem da carne, que hoje contém os dados de rastreabilidade, também com o uso de faixas magnetizadas.
Todos os testes tinham premiação, variando entre sacolas de viagem, mochilas, chaveiros, bastões para tocar gado e folhetos variados sobre carnes. O último setor era voltado às crianças, onde havia uma arquibancada defronte de um telão, onde se mostravam filmes que misturavam desenhos animados com informações sobre carne. Animadores profissionais trabalhavam em todas as seções, atraindo a atenção do público. Segundo a experiência deles, é mais eficaz ensinar as crianças que os adultos, pois eles passam as informações que recebem aos adultos, ao passo que os adultos não difundem mais o que aprendem. Por isto tanto investimento em educar as crianças.
O stand de degustação de carne tinha uma cozinha montada na área central, onde quatro cozinheiros preparavam carne bovina, de vitelo e ovina. Em cada mesa já havia carne crua e posteriormente era servido ao consumidor o produto grelhado, sem tempero, para degustação e avaliação. Os degustadores eram convidados a preencher uma “Ficha de degustação”, onde havia espaço para as seguintes avaliações:
– visual: cor da carne crua, cor da gordura crua, marmoreio, e aspecto da carne cozida;
– olfativo: odor (intensidade e tipo do odor);
– gustativo: maciez, suculência, textura e sabor.
O formulário tinha, no verso, um vocabulário sugerido para que os consumidores pudessem expressar melhor suas impressões sobre os diferentes cortes de carnes. Além disto, estavam presentes no stand o melhor açougueiro da França (escolhido em um concurso) e um renomado chef de cozinha, para sanar qualquer dúvida dos consumidores. O sucesso do stand de degustação foi absoluto, atendendo a milhares de pessoas.
Na Franca, centros de informação sobre produtos alimentícios não são privilégio exclusivo da carne. Encontramos exemplos também de centros de informação do açúcar (www.lesucre.com), da batata (www.cnipt.com), de peixes e frutos do mar (www.ofimer.fr) e dos cereais (www.universcereales.com). Durante a feira, alguns deles tinham um grande contato com o público. No centro de informação do açúcar, além da distribuição de receitas havia cozinheiros preparando vários doces, como biscoitos, crepes, etc. Já o stand dos cereais demonstrava com fotos, ilustrações e plantas todo a cadeia de produção dos cereais e também uma cozinha experimental, onde uma senhora explicava a um grupo de crianças como preparar pães e bolos.
Porém percebe-se que há uma distinção clara entre promoção de produto e informação do produto, sendo sempre feito por organizações diferentes. Como no exemplo das frutas e vegetais, temos o “Serviço ao consumidor de frutas e legumes frescos” (www.10parjour.net) que promove a campanha de consumo de 10 vegetais e frutas frescas todos os dias. Já a Associação Francesa Interprofissional dos legumes em conserva e congelados (www.legumes-infos.com) informa ao consumidor detalhes do cultivo e preparação dos produtos, sem promover diretamente o consumo.
A oportunidade de visitar a SAI – Feira de Agricultura da França e conhecer melhor tanto o trabalho do CIV como de outras entidades só vem a reforçar que estamos no caminho certo e que o SIC brasileiro tem todas as chances de vencer este desafio de informar os consumidores e os formadores de opinião a respeito de carne bovina.