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O desenvolvimento do agronegócio no Brasil

Por Carlos Vicente Cidade1

O objetivo desse artigo é, a partir de uma análise do desenvolvimento do agronegócio brasileiro, mostrar aos produtores rurais a necessidade de uma nova postura administrativa, que vá além de suas porteiras e que visem horizontes bem mais longínquos.

A economia brasileira até meados do século XX, foi caracterizada pela formação de ciclos de exploração de produtos agrícolas voltados para exportação, principalmente, a cana-de-açúcar e o café, e no caso da Amazônia a borracha. Portanto, o setor agrícola sempre representou um importante papel na consolidação do PIB brasileiro.

Contudo, alguns fatores históricos foram fundamentais para o crescimento do agronegócio brasileiro, entre eles destacam-se o processo de industrialização da economia brasileira, a transformação da produção rural em processos industrializados e a expansão da fronteira agrícola como resultante dos dois fatores iniciais.

O processo de industrialização brasileira, que foi descrito por Sérgio Silva (1986) como “o desenvolvimento das forças produtivas – que representa progresso técnico, aumento de produtividade – sob a dominação do capital não é somente desenvolvimento das forças produtivas; é também desenvolvimento das relações sociais capitalistas. Em outras palavras, o reforço da dominação do capital sobre o trabalho”. Esse processo também ficou conhecido como “Modelo de Substituição de Importações”, pois priorizou os investimentos industriais em plantas cujo o mercado interno já estava estabelecido e que dependia de importações para o seu abastecimento (Pereira, L.C.B. – 1972). Isso fez com que novos setores fossem surgindo e, a medida que surgiam, contribuíam para a redução, em termos relativos, da contribuição do setor agrícola para a composição do PIB brasileiro.

Vale ressaltar que a industrialização trouxe consigo mudanças estruturais na economia e seus reflexos na agricultura ficaram conhecidos como “modernização da agricultura”. Segundo Montoya e Guilhoto (1997), com o fortalecimento das indústrias de base agrícola, decorrente desse processo, a agricultura deixou de ser um setor econômico distinto, passando rapidamente a se integrar à dinâmica da produção industrial, naquilo que ficou conhecido como agronegócio.

Dessa forma, o Brasil passa a mudar gradativamente o perfil de sua atividade econômica, tanto que em 1959, já caracterizado como agronegócio, o setor respondeu por uma participação de 51,40% do PIB brasileiro, apresentando uma tendência de queda nos anos posteriores, embora com sucessivos incrementos quando se trata de valores, como pode ser observado na tabela abaixo.


É importante notar que ao longo do período analisado ocorreram diversas mudanças estruturais na orientação da economia brasileira. Inicialmente o processo de diversificação do parque industrial no Brasil, passou a contar com indústrias de produção de bens duráveis, ou também conhecida como a fase da industrialização pesada brasileira, estimulada pelo Estado através dos chamados Planos de Metas e, mais tarde, os Planos Nacionais de Desenvolvimento. Posteriormente esses investimentos foram canalizados para a indústria de bens não duráveis e mais tarde, bens de consumo intermediários e de capital, tanto que em 1985, a participação relativa do agronegócio no PIB brasileiro já respondia apenas por 34,97%. Na década de 90, com a abertura comercial, os investimentos industriais se diversificaram ainda mais, reduzindo com isso a participação relativa do agronegócio no PIB para 28,91%.

Do ponto de vista da transformação do setor rural brasileiro em agronegócios, o advento da industrialização, passou a situar economicamente a produção rural entre as indústrias produtoras de bens e insumos para a agropecuária (a montante) e as indústrias processadoras e de serviços de base rural (a jusante). Apenas para se ter uma idéia da importância teórica que essa divisão passará a representar no setor, em 1970 a composição do PIB do agronegócio brasileiro, em termos relativos, era composto por 7,30% da indústria a montante, 35,76% da produção rural propriamente dita e 56,94% pela indústria a jusante. Essa mesma análise quando feita para o ano de 1995 nos dá a seguinte relação: 9,66% pela indústria a montante, 33,91% pela produção rural e 56,43% pela indústria a jusante. Vale salientar, com base em estatísticas dos países desenvolvidos, que o percentual médio considerado satisfatório para a indústria a montante situa-se por volta dos 17% de participação relativa no PIB do agronegócio desses países.

Outro fator importante para se compreender o desenvolvimento do agronegócio parte da noção dos conceitos de apropriacionismo e substitucionismo, que podem, em parte, explicar a natureza de alguns fenômenos decorrentes do agronegócio, sobretudo o crescente processo de segmentação da produção rural, bem como as suas estruturas de mercado oligopolístas e oligopsônicas que o caracteriza.

Admitindo-se o processo de industrialização como o triunfo do capitalismo sobre a produção rural brasileira, o apropriacionismo representa a forma sobre a qual o processo industrial se apropria, na forma de pacotes tecnológicos, da produção dos insumos necessários à produção rural, ou seja, o deslocamento de atividades que antes eram praticadas pelo próprio setor rural, como por exemplo o processo de mecanização do preparo de áreas e colheitas, a produção de mudas e sementes, a produção de adubos químicos e defensivos, entre outras inovações baseadas na adoção do uso intensivo de tecnologia. Do mesmo modo, o processo de substitucionismo consiste em transformar os produtos tradicionais oriundos da produção rural em produtos diferenciados a partir da transformação industrial. A interação desses dois fenômenos tendem a espremer cada vez mais a produção rural, pressionando suas taxas de lucros e redefinindo o papel desse setor, que passa a atuar apenas como um administrador do processo de ligação entre esses dois efeitos.

Nota-se que esses fatores pressupõe o uso dos insumos mais caros existente na estrutura de custos das empresas modernas: a tecnologia e a informação, o que vai implicar nas estruturas de mercado onde há pouca concorrência entre os agentes, seja nas indústrias a montante, seja nas indústrias a jusante, logo contribuindo de forma decisiva na determinação das estruturas de mercado no agronegócio. Se o leitor fizer um exercício de memória, poderá perguntar a si mesmo o seguinte: quantas indústrias de tratores e implementos atuam no mercado brasileiro? E de sementes? Fertilizantes? Ou ainda, quem está comprando minha produção? Veja se a resposta consegue ultrapassar a 5 empresas, isso sem considerar o processo de fusões e aquisições de setor industrial brasileiro, que concentrou ainda mais os mercados dessas empresas, só para se ter um exemplo, vejamos a indústria de fertilizantes onde a Manah, Ouro Verde e IAP, pertencem a uma mesma empresa, a Serrana (Bunge Fertilizantes S.A).

Portanto, é possível perceber que o agronegócio brasileiro ainda está em fase de ajustamento e quanto mais rápido for a adequação do produtor a esse processo, maior serão as suas possibilidades de inserção competitiva nas relações internas da cadeia produtiva a que está inserido.

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1Carlos Vicente Cidade é economista e especialista em Agronegócios

0 Comments

  1. Marcio Alexandre Dias Monteiro disse:

    O artigo mostra com muita propriedade o processo de transferëncia de renda do setor rural para o industrial através do avanço tecnológico e da formação de grandes conglomerados, isto é a pura realidade.

    Se faz necessário a inserção de mecanismos mantenedores dos resultados do agronegócio no próprio setor rural, sob pena de se tornar ineficiente sob esse ponto de vista.