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O Diálogo do Pescoço com a Guilhotina

Meus últimos artigos neste veículo “O MST no poder I e II“, foram publicados respectivamente em 13 de março e em 04 de abril.

A pedido do BeefPoint, o presente artigo tratará do emaranhado de Leis, Decretos-leis, Medidas Provisórias, Instruções Normativas, etc., etc. que regem a questão ambiental e fundiária no Brasil. Como o presente artigo é inevitável e necessariamente longo, tomo a liberdade de sugerir que, se não tiver tempo de lê-lo agora, imprima-o para posterior leitura.

Lembro que, e como mencionei em matéria anterior, eu não sou especialista no ramo, de forma que não estou gabaritado a ditar regras a respeito. Muito ao contrário, assim como você, minha especialidade é tentar produzir bem e barato – pois essa é nossa função social. Começo a me enfronhar na legislação pertinente, pela convicção inexorável de que, cedo ou tarde, nós produtores rurais teremos de responder a órgãos do governo federal, pelo “crime de produzir”.

Por que digo isso? Pois sequer estamos garantidos pela legislação existente. Quer um exemplo?

Tomemos a Medida Provisória no 2183 (governo FHC), aquela que diz que qualquer fazenda invadida estará excluída por dois anos de qualquer vistoria do INCRA para fins de desapropriação. E mais: que os invasores seriam excluídos do cadastro de futuros assentados por longo período. Esta MPR foi vital para que o número de invasões, que no 1o trimestre de 1999 havia sido de 199, caísse vertiginosamente para apenas 10, em igual período de 2002. No 1o trimestre de 2003, o número de invasões quadruplicou, passando a 41.

Seria óbvio que, já no governo do presidente Lula, o MST, e os dirigentes do INCRA e do Ministério do Desenvolvimento (sic) Agrário, todos indicados pelo MST, pedissem a revogação desta Medida Provisória. Quando não o fizeram, achei que algo estava errado. Sim, algo estava muito errado, e eu (infelizmente) muito certo. Não pediram a revogação desta MPR para não criarem reação, e pela simples razão que nem precisavam de sua revogação, PORQUE NÃO PRETENDIAM CUMPRI-LA. Estarei exagerando? Vejamos.

Acessei na internet o site do INCRA no dia 1o de abril (o Dia da Mentira, eu sei – mas foi uma simples coincidência de data), e constatei que:

A lista com os nomes de invasores excluídos de novos assentamentos – que existia em 2002, simplesmente sumiu. E não achei qualquer menção a respeito.

As 41 fazendas invadidas de 15/01 a 31/03/03 (em SC, PR, SP, MG, MS, GO, PA, PI e PE) não constavam de listagem de propriedades que, por esse motivo, não poderiam ser fruto sequer de vistoria, segundo a MPR 2183.

O jornal Folha de São Paulo, no dia seguinte, em sua edição de 02/04/2003 (página A 8), elucidou-me a questão. O INCRA, com a certeza da impunidade que caracteriza as ações do MST (a qual a sociedade brasileira permitiu que tivesse), explicou-se: (1) Ainda estavam fazendo levantamento das fazendas invadidas, mesmo as que o foram há mais de dois meses. (2) A equipe que realizava este levantamento está em fase de “reestruturação” (em nove estados ?!?), e (3) O INCRA estaria estudando a reformulação de seu site na internet…

Não é meu hábito fazer julgamento precipitado sobre qualquer pessoa ou entidade, mas, no caso específico, só encontro duas possibilidades que justifiquem tal nível de “explicação”: conivência ou incompetência. Espero ardentemente que o INCRA demonstre que meu julgamento foi injusto, caso em que, e com o maior prazer, me retratarei.

Parece-me que não terei a oportunidade de me retratar – já que, a mesma Folha de São Paulo, edição de 05/04/03 apresentava declaração do “coordenador” do MST em Pernambuco, sr. Jaime Amorim, informando que o INCRA iria vistoriar 20 fazendas invadidas no estado de Pernambuco, entre março e abril.

Porém, como perseverar é preciso, vamos começar nossa jornada à procura da luz, acessando o site da presidência da República: www.planalto.gov.br. Nesse site (bastante bom, aliás), clique em Legislação e escolha sua Lei, Decreto-Lei, Medida Provisória e afins. Há milhares e milhares. Como a questão agrária envolve, necessariamente, duas vertentes: a ambiental e a fundiária, duas leis são essenciais ao tema – além, naturalmente, do Estatuto da Terra (governo Castello Branco 1964-1967). Estas duas leis são:

Lei 4771 de 15/09/65 (Código Florestal). Você verificará que existem dezenas de alterações parciais ou totais a artigos desta lei, sendo a mais importante a MPR 2166-67 de 24/08/01. Mais importante, mas não a única.

Lei 8629 de 25/02/93 (Regulamenta o Capítulo III, Título VII, da Constituição Federal: Reforma Agrária). Também neste dispositivo legal, embora mais recente, há dezenas de alterações parciais ou totais de artigos, incisos, sub itens, etc.

Tanto em um caso, quanto em outro, menciona-se em determinado artigo de uma lei, por exemplo, e apenas: Vide Medida Provisória no 2183-56 de 24/08/01. Aí temos de ir atrás desta MPR e ir fazendo “colagem”, para que se tenha – após dias de pesquisa e de labuta – o texto final e atualizado de cada lei. Final? Atualizado? Nem tanto, pois há dispositivos legais – principalmente Medidas Provisórias (MPR) – classificadas como:

Aí, você (como eu) que acreditava ter achado o fio da meada, volta à estaca zero, pois terá de verificar se o instrumento legal em que se baseia foi convertido ou não, se foi revogado ou não, se ainda está em tramitação – ou não. Encontrar o caminho correto, neste hospício jurídico, não é função atinente a competente banca de advocacia tão somente. Vai além disso: competente banca de advocacia, dotada de computador “mainframe”, e de eficientes analistas de sistemas, e de bons programadores.

Entretanto, a Constituição Federal é clara quando diz que “a ninguém é permitido alegar desconhecer a lei” (e, em conseqüência, não existe a possibilidade não cumpri-la, de forma impune). Pergunto-me: Mas como conhece-la? Não apenas é vasta e confusa, como também em constante processo de mutação. Nossos legisladores deveriam pagar direitos autorais a Franz Kafka, por seu conto “O Processo”. Ou vice-versa, de forma póstuma.

Vamos testar seu conhecimento básico a respeito de assuntos ambientais e fundiários. E, por favor, não fique magoado comigo se não passar nesse teste elementar. Há umas duas semanas atrás, eu também não passaria com louvor:

1 – Anualmente você faz sua Declaração de ITR ao INCRA, correto?

2 – Como o único índice de eficiência (GEE) e utilização da terra (GUT) exigido é relativo à pecuária, se seus índices nestes dois campos estiverem bons, e assim você for considerado “produtivo”, estará livre de qualquer vistoria para efeito de desapropriação para reforma agrária – por esses motivos. Correto?

3 – Você lembra a última vez que você se cadastrou, preenchendo um DP (Declaração para Cadastro de Imóvel Rural) do INCRA?

4 – A lei diz que você precisa ter (exceto na Amazônia e em alguns outros pontos do país) 20% da área de sua propriedade com matas, reflorestamentos – árvores, enfim. Correto?

5 – Se você for altamente produtivo, estará fora de risco de desapropriação para fins de Reforma Agrária, correto?

6 – No Sul e no Sudeste, latifúndio é uma grande propriedade, com 1.000, 2.000, 5.000 hectares ou mais. Correto?

7 – Seria correto dizer que são oito os órgãos ou entidades que fiscalizam parte ambiental e fundiária? São mais ou são menos?

Vamos às respostas (não vale colar):

1 – Errado. O DIAT/DIAC (ITR), desde 1994 é declarado diretamente à Secretaria da Receita Federal, cuja função é arrecadar tributos. A função do INCRA é fundiária. Exemplo: desapropriar por não cumprimento da função social.

2 – Errado. Os parâmetros de produtividade da SRF e do INCRA são totalmente diferentes. E os do INCRA são muito, mas muito mesmo, mais elevados. Você pode estar com GEE acima de 80% e GUT de 100% perante a SRF, mas ser classificado pelo INCRA como “improdutivo”.

3 – A não ser que tenha sido um cadastramento específico, terá sido em 1994. E o próximo DP/INCRA será bastante complexo. Exigirá dados de relacionamento, de estrutura e pessoais – em três formulários distintos e de preenchimento ardiloso. Exigirá cópia atualizada de matrícula no RGI, planta e memorial descritivo (impresso e em disquete), mais competente ATR. Exigirá também Laudo Técnico de Constatação, realizado por profissional capacitado para tal, com ART recolhida. Exigirá uma série de comprovações (e averbações no RGI) na área ambiental, sem as quais você não poderá deduzir “áreas ambientais” para efeito de redução de imposto territorial, nem para aumento de produtividade. Poderá até ser exigido “geo referenciamento” da propriedade. Não te dá um certo medo? A mim sim, não apenas porque é muito complexo, e algum engano – mesmo que de boa fé – pode ser fatal, como também porque necessitaremos de assessoria de qualidade, o que não sai barato. Espero que as exigências não sejam tão grandes. O que posso dizer no momento, é que minha fonte sempre foi confiável.

4 – Novamente, errado. Primeiro você deduz da área total do imóvel, as áreas de APP (Área de Preservação Permanente) – que são determinantes geográficos (margens de córregos e de lagoas, por exemplo). Do saldo é que se calcula os tais 20% para reserva legal, área de utilização limitada, de patrimônio privado, ou reserva florestal oficial, Mata Atlântica, etc., etc. Eu e você sabemos que temos “árvores” na nossa fazenda. Como essas “árvores” são legalmente classificadas é coisa para perito. E ai de um de nós que preencher no campo errado, e depois sofrer uma vistoria.

5 – Como de hábito, errado. Cumprir a “função social” não se restringe à produtividade. Você deverá também promover o bem estar social de seus empregados (quanto a aspectos trabalhistas, previdenciários e de segurança no trabalho), e, para sermos sucintos, “preservar o meio ambiente”. Aliás, eu acho justo que assim seja. A injustiça ocorre quando apenas tal de nós é exigido.

6 – Para variar, errado. No norte do estado de São Paulo, uma grande propriedade (ou latifúndio) é todo imóvel rural com 15 ou mais módulos fiscais. Na região mencionada, o módulo fiscal é de 16 ha, o que torna qualquer fazenda com 240 ha (99,17 alqueires paulistas) ou mais, em latifúndio. Bem-vindo ao clube. Você é latifundiário, e não sabia?

7 – Se você respondeu oito, ou menos – errou. Puxo da memória: SRF, MDA, INCRA, MAPA, Instituto de Terras Estadual, IBAMA, DEPRN, Sabesp ou equivalente, ANA (Agência Nacional de Águas – sim, em breve você será taxado pela água que consome em sua fazenda, dependendo da localização dela), Ministério Público do Meio Ambiente, Polícia Florestal, etc., etc.

Suficiente para te desanimar, e entregar os pontos? Compreensível, se a resposta for sim, mas não devemos jogar a toalha. Chegamos a esse ponto de sermos analisados, fiscalizados, escrutinados como se fossemos bandidos, em boa parte pela nossa própria inércia. Como disse acima, pagamos caro pelo “crime de produzir”. Mas há soluções, e não são tão difíceis assim. Minhas sugestões, são:

– Temos de nos unir. Tomemos como exemplo os agricultores europeus ou americanos (1% da população) que, ainda assim, têm força política para extrair polpudos subsídios e tarifas de importação protecionistas e proibitivas. Na União Européia estima-se que 40% da renda dos agricultores venham destes dois mecanismos. Eu não defendo subsídios ilegítimos, que oneram o consumidor, e desorganizam a cadeia produtiva. No nosso caso, a união não é para obter privilégios, e sim para evitar que continuemos a sermos alvo constante de esbulho.

– Temos de exigir mais das Entidades que nos representam, principalmente aquelas que têm arrecadação cativa, via ITR. Mediante o exposto acima, uma providência urgente seria confeccionarem e distribuírem (gratuitamente) uma cartilha simples e objetiva, que explicasse que providências devemos tomar nas áreas ambientais e fundiárias, para não ficarmos expostos a impostos escorchantes, ou pior ainda, sujeitos à desapropriação.

– Mas quando falo de “exigir mais das Entidades que nos representam”, por justiça – devemos lembrar que exigir presume também participar. Pergunto: qual foi a última vez que você compareceu a uma reunião ou Assembléia de seu Sindicato Rural, ou da sua Entidade Patronal, seja Estadual ou Nacional? Pessoalmente, admito que, exceto reuniões do Conselho Técnico da ABCZ, e de quando fui diretor do departamento de heveicultura da SRB, teria de responder encabulado: nunca.

– Exatamente pelo baixo poder de pressão de nossa classe é que fomos eleitos como “moeda de troca” ou contraponto. Na política econômica, o governo Lula foi obrigado pelas forças do mercado (interno e externo), e pelo FMI a seguir uma linha mais cautelosa e conservadora. Aplaca suas hostes da extrema esquerda jogando-nos aos leões, tal qual o Império Romano fazia com os primeiros cristãos. A não ser que você tenha aptidão para mártir, convém que haja uma reação firme e concatenada, e sempre dentro da lei.

– Procure regularizar sua parte ambiental. É por aí que vão tentar te pegar primeiro. E pode não ser tão complexo quanto parece de início. Concordo com os juristas que afirmam que a exigência de “reserva legal” de 20% é inconstitucional, desde que, quando houve o desmatamento, isso não fosse ilegal – já que a lei só pode retroagir para beneficiar, jamais para onerar. Repovoar com árvores então seria uma exigência descabida. Pode até ser, mas este “repovoamento” pode se dar em até 30 anos através de projeto protocolado junto a IBAMA/DEPRN, e nem precisa ser na sua fazenda. Pode ser em algum projeto de reflorestamento legalmente constituído, desde que na mesma bacia hidrográfica. Confesso minha suspeição no assunto. Temos uma longa e familiar tradição em preservação da Natureza, o que levou meu pai a receber em 1967, diretamente do presidente da República, a Medalha de Mérito Florestal . Na Água Milagrosa jamais entrou uma motoserra. E no que depender de mim, jamais entrará.

– Se sua “parte ambiental” está OK, averbe-a junto à sua matrícula no RGI. É um passaporte para a tranqüilidade. E para quem tem medo de que jamais “poderá mexer nesta área”, não é o que diz a MPR 2166 de 24/08/01, em seu artigo 16o (com a ressalva óbvia de que no Brasil, nada é definitivo).

– Tome conhecimento dos “índices de produtividade” do INCRA, e procure adequar-se a eles. São severos, e não levam em consideração sua situação econômico-financeira atual, e muito menos se sua produtividade menor deveu-se a clima adverso – o que é altamente injusto. Até no Código Penal existem atenuantes. Como disse: são severos, mas não são inexeqüíveis. E se você estiver com produtividade muito baixa, o que em geral ocorre quando se compra uma fazenda meio abandonada, você poderá optar por elaborar um “projeto técnico”, como faculta a Lei 8629/93. Neste caso, não use este dispositivo legal apenas para “ganhar tempo”. Você estará “cuspindo pro alto”, e estará estigmatizando seus colegas como fraudadores. Já somos vítimas de muitos preconceitos. Não necessitamos de mais um.

– Se você quiser ter uma idéia, dê uma lida na IN 10 (Instrução Normativa no 10) do INCRA, datada de 11/02, ou seja, ainda no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Está “sub judice”, graças à CNA. Mas dá uma boa idéia do pensamento da burocracia federal. Porém, há uma ressalva alvissareira: considera-se tratamento diferenciado para “novilho precoce”, embora (e estranhamente) não para pecuária seletiva, que é a base de todo melhoramento genético.

– Mas não se desespere, e nem se entregue precipitadamente a um das dezenas de escritórios “especializados” em questões ambientais e fundiários que existem. Como muitos já farejaram este filão, novos “escritórios” brotam todos os dias. Alguns beiram ao “terrorismo”, na velha tática de “criar dificuldades, para vender facilidades”. Tenha calma, e tome informações. Em março recebi mais de dez e-mail (além de brochuras, via correio) não solicitadas, de alguns desses escritórios. Como quase tudo na vida, a maioria deve ser confiável, outros nem tanto. O tempo de existência desses “escritórios” também deve ser levado em conta, já que nenhum incompetente resiste por muito tempo no mercado. Conhecer um pouco da legislação é útil, pois você poderá discernir melhor.

– O que está em gestação silenciosa, é uma brutal alteração de parâmetros (GEE, GUT, VTN, alíquotas, etc.), que, qual varinha de condão, transformará propriedades rurais “produtivas” em “improdutivas”, e aumentará substancialmente o valor do ITR a ser pago, até porque o próprio Ministério do Desenvolvimento (sic) Agrário afirma ter pouco mais de 20% da verba necessária à sua meta em 2003. Após cortes, o MDA ficou com orçamento de R$ 250 milhões, para uma necessidade declarada de R$ 1,2 bilhões.

– É pouco provável que tal ocorra ainda este ano, por falta de tempo hábil. Aguardem 2004. Mais uma razão para nos unirmos, e, ao mesmo tempo em que exigimos mais das Entidades patronais que nos representam, sejamos também mais participativos. O que me lembra a famosa frase do ex-Secretário de Estado americano (década de 50), John Foster Dulles, referindo-se ao poder dos EUA: “Nós não negociamos duro porque somos poderosos. Nós somos poderosos, porque negociamos duro”. Essa lição vale para nós fazendeiros, e também para os membros do governo brasileiro, que terão a ingrata missão de negociar a ALCA.

Pretendo mudar totalmente o tema de meus próximos dois artigos, pelo menos. Estou cansado de fazer o papel necessário, porém desgastante, de profeta da desgraça. E creio que você, fiel leitor, também preferiria um texto mais leve. O texto poderá ser mais leve, mas não o assunto, pois pretendo escrever sobre um tema que há tempos me fascina e horroriza: escravatura. Pela simples razão que, meus sabidamente limitados neurônios, não conseguem entender como um ser humano pode-se arvorar no direito de ser “proprietário” de outro ser humano.

0 Comments

  1. Hugo Zampieri Sobrinho disse:

    Gostaria de parabenizá-lo pelo artigo, que muito me ajudou.