Kátia Abreu defende prioridade para a defesa agropecuária
29 de julho de 2015
Atacado –28-07-2015
29 de julho de 2015

O Fim do Peneirão? – Por André Bartocci

Por André Bartocci, pecuarista e formado em Direito. Realiza recria e engorda com Integração Lavoura e Pecuária na Fazenda Nossa Senhora das Graças, em Caarapó – MS.

Um grande navio pesqueiro navega nas águas Tropicais do Atlântico. Ha vários dias os marujos pescam no sistema Peneirão com relativo sucesso. Porém em uma manhã, o chefe da pesca se dirige ao Capitão do navio e diz:

– A Peneira furou…

O Capitão pensativo, conclui como seu marujo, que terão de pescar com anzóis e varas!

Há mais de 20 anos a Indústria frigorífica se utiliza de uma criativa forma de compra de bovinos, ela compra a maior quantidade possível sem seleção e transfere toda esta variedade de cores, tamanhos e etnias para que a sala de desossa e o setor de vendas façam a mágica de transformar este desfile carnavalesco em resultado financeiro.

Com este sistema os frigoríficos amenizam dois graves problemas da cadeia da carne brasileira o primeiro é a heterogeneidade de um rebanho de 200 milhões de animais espalhados pelo nosso país-continente, o segundo é a capacidade de abate de uma Indústria que esta pronta para uma produção que somente chegará em 2020 (muito ociosa!).

Logicamente o relacionamento da indústria e do produtor no Brasil traçou uma forma diferente de outros grandes players da carne, principalmente por que aqui temos uma grande variedade de sistemas produtivos e conseqüentemente de produtos. Nos EUA, na Austrália e mesmo no Uruguai os sistemas produtivos são bem mais homogêneos. O sangue zebu do nosso bife também explica esta diversidade devido a sua grande adaptabilidade de produtos puros ou cruzados.

Devido a nossa geografia e clima distintos, temos lotes sendo criados em piquetes rotacionados de 1 ha até vacas que caminham 10 kilômetros para beber água, bois gordos que consumiram somente umidícula em toda sua vida, até sistemas onde novilhos são abatidos aos 12 meses com alto consumo de grãos todos os sistemas economicamente viáveis e produtivos.

Outro ponto diferencial do nosso rebanho é a grande quantidade de animais abatidos que vem da atividade leiteira. Devido à baixa produtividade, nosso rebanho leiteiro é muito grande (o Brasil tem uma alta relação Vaca X Litro de Leite) que automaticamente contribui todos os anos com a reposição de muitos pecuaristas de corte.

E logicamente independente da qualidade destes animais e seus sistemas produtivos, o produto final, a carne não é padronizada.

O Sistema Peneirão utilizado por 90% dos frigoríficos brasileiros consegue conviver com esta diversidade e falta de padronização. Eles resolvem esta equação extraindo do grande volume a qualidade da seguinte forma: o peso, o rendimento de carcaça e as premiações são definidos dentro da Indústria. Da mesma forma ele soluciona problemas de conformação, contusões, cisticercose, idade e resíduos debitando estes valores na fatura do Pecuarista após o abate.

O sistema também permite que a equipe de compra de um frigorífico seja composta por duas pessoas com duas linhas telefônicas e uma planilha de escala de abate. Este complexo sistema de compra consegue comercializar até 200 mil animais em um ano sem sair do escritório e sem sequer visitar qualquer de seus fornecedores, utilizando técnicas de telemarketing com frases curtas: ”Boi, R$120,00. Embarca segunda.”

Os produtores aceitaram e se adaptaram também ao Peneirão. Quando sai para comprar, o Pecuarista procura um “Bezerro Bom”. No máximo inclui alguns adjetivos como: “Quero Nelore” ou “Estou Procurando Cruzados”. Raramente se fala em genética, linhagem, frame, marmoreio, precocidade ou estado corporal. Não existe uma definição de como vai ser o produto final ou para qual mercado este animal vai ser vendido.

Também por conhecer o Peneirão, produtor de modo geral limita a qualidade dos bois fornecida para os frigoríficos, pois ele sabe que o sistema beneficia produtores que produzem um pouco abaixo da média (e conseqüentemente com custos mais baixos) e prejudica produções de alta qualidade.

Esta mesma qualidade limitada é colocada à venda nas gôndolas pelo Varejo. Em geral esta carne bovina de qualidade mediana é “pendurada” ao lado de modernos, chamativos e coloridos balcões de frangos suínos e seus derivados para que o Consumidor faça sua escolha. A Cadeia de Frango e Suíno há muitos anos abandonou o Peneirão!

O lado perverso destas características da cadeia da carne é que ela dificulta parcerias e afasta os seus elos. Perpetuando uma qualidade medíocre para a carne.

Porém em 2015 a peneira deu sinal que pode estar com problemas. A coincidência do pico do ciclo de alta do preço da arroba com uma demanda de consumo fraca do país, esta castigando duramente a Indústria e colocando o incrível sistema em cheque. Se a indústria compra pouco não tem como retirar dali tanta qualidade, da mesma forma o gado inferior comprado encarece o preço médio do dia. Além disto, a ociosidade pode ser fatal.

O processo de mudança também é estimulado por pecuaristas mais capacitados e mais produtivos que perceberam que para se manterem competitivos comparados a outros tipos de exploração agrícola, deverão agregar mais valor a cada quilo de carne produzido. Iniciativas como cooperativas verticalizadas e associações especializadas em carnes superiores começam a surgir. Este é o começo da mudança.

Talvez a cadeia precise pensar em uma forma mais eficiente de comercio, a Indústria deverá definir o que quer e o produtor deverá se alinhar a este pedido. E logicamente todos deverão respeitar e olhar mais para o Rei Consumidor. Com certeza Produtor, Indústria e Varejo deverão traçar estratégias para influenciar e fomentar o consumo.

O Novo Sistema de compra deverá se parecer menos com a pesca de rede e mais com a pesca com varas e anzóis. Ele requer pessoas mais especializadas, processos mais definidos, Produtores mais conscientes. Necessita de confiança entre os elos! Se quiserem lambaris, deverão colocar pequenas iscas, já se quiserem Jaús os equipamentos serão bem mais pesados.

Neste novo sistema o Produtor deverá definir o mercado que venderá seus bois antes de decidir que linhagem de sêmem vai comprar.

Estas mudanças, como tudo em uma Pecuária Continental-Tropical, estão ocorrendo lentamente. Parceria, Transparência e Confiança será a essência deste novo sistema.

Alguns participantes da cadeia já praticam esta nova modalidade, outros talvez precisem de novas crises e tsunamis para rebocá-los.

Por André Bartocci, pecuarista e formado em Direito. Realiza recria e engorda com Integração Lavoura e Pecuária na Fazenda Nossa Senhora das Graças, em Caarapó – MS.

13 Comments

  1. José Francisco F. Micheloni disse:

    Diagnóstico exato do atual processo de comercialização de boi no Brasil. “Boi, 120, embarca segunda”.

    Antes do boi, trabalhava com comercialização de outra commoditie agrícola e fiquei surpreso como é perigosamente simples vender nosso produto acabado, boi gordo, para a indústria. Isso já começa a mudar e espero que esta mudança acelere, para o bem de todos da cadeia, principalmente o consumidor.

  2. Olavo Bottino disse:

    Ouvir quem puxa média da pecuária brasileira pracima, é sempre muito produtivo.
    Obs: Depois da oportunidade que tive de conhecer sua produção de “Jaús” de perto, com um sistema simplista, digno e produtivo de André e sua equipe na N.S das Graças, virei fã.

  3. Ulisses disse:

    André, neste artigo podemos observar a grande mudança que chegou com muita clareza.
    Meus parabéns!!!

  4. Modesto Moreira disse:

    Concordo plenamente com Andre.Ha anos vejo o nosso sistema de produção de carne bovina , pagar apenas por volume e não qualidade. O pagamento por qualidade estimularia e apressaria sobremaneira nosso ganhos de eficiencia na pecuaria. poderiamos liberar mais terras para outras culturas /atividades sem pressionar ambiente.
    Hoje notei que o Mercado esta enfatizando bastante a qualidade. Frigorificos pedem com insistencia , bois de qualidade (bem terminados e com maximo 2 dentes).
    Vamos melhorar as premiações, que teremos acesso facil aos mercados internacionais de melhor preço.
    A pecuaria eficiente é uma atividade lucrativa como varias outras culturas no nosso pais.
    Muito bem Andre.
    Abraços.
    Modesto Moreira

  5. Belkiss Gratão disse:

    Parabéns André, você conseguiu reunir nesse texto o nosso pensamento sobre a cadeia da carne! Onde nós pecuaristas,temos necessidade de conhecer melhor os meandros dessa cadeia e justamente desenvolver a confiança entre os elos!! Você disse tudo, parabéns.

  6. Felipe Picciani disse:

    Caro Andre,

    Voce acaba de retratar de maneira ludica e explicativa a dura realidade que todos nos produtures vivemos ao longo de nossas historias, o que levanta uma duvida Cruel, se tal conformismo ainda ira perdurar por muitos anos? E falo em conformismo, porque entendemos que e asim que funciona e nao nos movimentamos para quebrar esse paradigma, que acontece tbm no mercado do leite, onde a industria, so remunera volume e nao qualidade. Precisamos de lideres lucidos como voce para desmistificar o que foi feito a vida toda, mas que precisa ser atualizado para sobrevivencia e incremento do setor. Parabens pelo artigo a voce que escreveu e ao BeefPoint que se encarregou de publica-lo.

  7. celso de almeida gaudencio disse:

    Prezado André, esse é o cerne da discussão, para avançar eliminando a bica corrida na entrega do produto, para isso o preço tem que ser diferenciado.
    Há de necessidade estabelecer Padrão informações que acompanharão até o consumidor, a negociação seria pelo Padrão como a tentativa a seguir:
    O produtor será enquadrado em um dos Padrões de Produção (PP) de bovinos, fundamentado no sistema de produção predominante ou combinação deles, tais como:

    • Padrão 1 – Produção com qualidade natural a pasto, indicando a raça ou cruzamento racial (sendo optativo indicar a marca e a idade);
    • Padrão 2 – Produção com terminação em confinamento, indicando a raça ou cruzamento racial (sendo optativo indicar a marca e a idade);
    • Padrão 3 – Produção com terminação com grãos, indicando a raça ou cruzamento racial (sendo optativo indicar a marca e a idade);
    • Padrão 4 – Produção a pasto com suplementação com uréia, mistura mineral múltipla ou concentrada, indicando a raça ou cruzamento racial (sendo optativo indicar a marca e a idade);
    • Padrão 5 – Produção de gado de dupla aptidão destinado ao abate, indicando a raça ou cruzamento racial (sendo optativo indicar a marca e a idade);
    • Padrão 6 – Matriz de corte descarte destinada ao abate;
    • Padrão 7 – Raças de leite destinadas ao abate.

  8. Kaju disse:

    Otimo artigo, com uma analogia precisa.
    Implantar uma compra qualificada atraves da tão esperada tipificaçao de carcaças, transformaria a pecuaria brasileira como revolucionou a gaucha a 15 anos atras, liderada pela industria ( frig Mercosul).
    Somos testemunhos desta mudança e não compreendemos porque ,no Brasil ,não sai do papel…

  9. FELIPE AUGUSTO LOPES FAGGIONI disse:

    TUDO BEM EXPLICADO.

    MAS O PEQUENO PRODUTOR TEM QUE UNIR EM ASSOCIAÇÕES E COOPERATIVAS PARA PODER VENDER O SEU PRODUTO COM SEGURANÇA E RESPEITO. DIFICILMENTE O PEQUENO PRODUTOR TERÁ UM PORTA DE NEGOCIAÇÃO ONDE PODERÁ COMERCIALIZAR O SEU PRODUTO COM VALOR AGREGADO.

  10. Jose Ricardo Rezende disse:

    O retrato da atual comercialização do boi no Brasil é preciso. Há sim uma pequena diferenciação comercial feita pelos grandes frigoríficos para quem tem qualidade e / ou volume, ainda que não divulgada. Mas que não invalida o quadro desenhado pelo André. Pelo contrário. Nada ainda de diferenciação de preço por qualidade que lembre o mercado americano. Por isto poucos se animam a alterar mais significativamente seus processos produtivos. Quando muito fazem pequenas concessões, ajustes marginais. Afinal a lógica predominante da industria brasileira ainda é comprar volume o mais barato possível. E subir demais seus custos em prol da qualidade pode ser perigoso para o pecuarista. Até porque os clientes dos frigoríficos, distribuidores e varejistas, na maioria das vezes, estão também atras de preços baixos. Provavelmente porque assim agem a maioria dos consumidores. Mas nichos começam a crescer, bem como o atendimento dos mesmo. Ainda absorvem um percentual pequeno da produção e pagam “prêmios” relativamente baixos aos pecuaristas, mas crescem muito acima do mercado padrão. Tanto a participação de mercado como a remuneração ao produtor. E quem não tem como se diferenciar comercialmente por volume deveria avaliar ainda com mais atenção as oportunidades que estes nichos oferecem. Dependendo da localização da fazenda, do tipo de manejo adotado, da raça, etc podem existir boas oportunidades na diferenciação dos seus animais. Em atender um programa de carne de qualidade / orgânica / rastreada / ambientalmente correta / etc. Nem todos os ajustes no processo do produtor elevam os custos e alguns deles podem ate ajudar a reduzi-lo. É preciso sempre analisar caso a caso.

  11. priscila disse:

    Bom dia,
    Corrija-me se estiver errada, ao ler essa matéria e alguns comentários me lembrei da produção de leite, se é que podemos fazer essa analogia. O mercado da produção leiteira só começou a mudar quando a indústria viu a importância de passar a bonificar o produtor por qualidade do leite produzindo, pagando a mais para quem se encaixava nesses padrões. Com isso o produtor viu a importância de se adequar as normas pois o resultado estava tendo impacto direto no financeiro, ainda estamos longe de se chegar ao ideal mas estamos caminhando. Levando para a produtividade de carne, concordo que muitas vezes as compras são feitas apenas por telefone, não temos um padrão de qualidade para a carne bovina. Com isso todos saímos perdendo, produtores, consumidores, e a indústria. A indústria precisa levar em consideração que uma matéria prima de melhor qualidade muitas vezes demanda um custo mais elevado, e a mesma matéria prima que ela ira pagar a mais para obter, vai trazer um retorno financeiro bom, pois terá um bom acabamento de carcaça, enfim uma carne de melhor qualidade, onde o preço final estará acoplado todo o investimento.

    • Ande bartocci disse:

      Priscila,
      Entendo que no caso do leite, o consumidor final fez a cadeia mudar.
      Produtos lácteos de melhor qualidade vendiam muito mesmo com preços mais altos. Então a indústria começou a sair do “peneirao” e formulou sua tabela de classificação e sanidade beneficiando ( em alguns momentos) o produtor.
      Acho que o caminho da melhora via consumidor é a alternativa para a carne. E deve iniciar pelo marketing com a participação do produtor. A cadeia deve se alinhar e lembrar que estamos no mesmo barco.
      Porém temos duas diferenças com o leite:
      1- A qualidade de queijos, iogurtes e outros derivados dependem muito mais do processo(indústria) do que do leite (produção). A qualidade da carne só existe com a qualidade do boi.
      2- Quando a cadeia paga mais por 1 litro de leite, o produtor sobe a ração das vacas e em 4 dias ele aumenta muito sua produção. Quando a carne sobe no açougue, o criador tira sua vaca da escala e… Só em 4 anos sua produção chega ao mercado!
      *somos um transatlântico, nossas mudanças de rota são lentas,temos que planejar.
      André Bartocci

  12. JURACI DE SOUZA FERREIRA disse:

    concordo com analise do Andre. Vivo diariamente todos esses problemas , pois atuo como produtor e temos empresa de abate,distribuicao e e vendas de carne bovinas. O assunto e bastante complexo,muito vem se mudando na atividade, mas longe de corrigirmos toda estas irregularidades existentes . Vejo que e a grande oportunidade do produtor se qualificar, se capacitar e se tornar produtivo. O potencial è muito grande, a melhor remuneracão, ainda longe de ser a ideal ja premia quem se produz , seja em valores,segurança,rendimento de carcaça e maior produtividade, no minimo. Portanto nos produtores devemos nos prepararmos(se capacitar) para sermos mais competentes.