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O impacto da ciência na indústria da carne bovina na Austrália

Nos dias 07 e 08 de Março, ocorreu aqui em Armidale, NSW, Austrália, o Congresso “Australian Beef – the Leader! The impact of science on the beef industry“. O objetivo do evento foi fazer uma retrospectiva da pesquisa aplicada à indústria da carne bovina nos últimos anos e destacar o impacto que as novas tecnologias terão na produção desta cadeia no futuro.

Além disso, o congresso homenageou o Prof. Bernard Michael Bindon, que por 40 anos contribuiu com a cadeia da carne bovina Australiana, tendo sido Diretor Excutivo do Beef CRC (Cooperative Research Center) por 13 anos, ou seja, desde a criação do Centro de Pesquisa Cooperativa da carne bovina em 1993.

As grandes conquistas do Beef CRC para a cadeia da carne Australiana, destacadas em diversas apresentações, envolvem os seguintes aspectos:

1 – Melhoria genética das carcaças, da qualidade da carne e da eficiência na conversão alimentar

Para este projeto, dois testes de progênie foram realizados, abrangendo as 7 raças ou compostos mais utilizados na Austrália. Cruzamentos terminais de touros de 9 raças com 20.000 vacas (com dados de pedigree) resultaram em uma progênie de 12.000 animais destinados ao abate.

Herdabilidades e correlações genéticas foram avaliadas, assim como foi criado um modelo para cruzamentos ou raças puras, visando a melhoria dos índices de marmoreio, maciez, coloração da carne, palatabilidade, rendimento dos cortes de varejo e aumento da eficiência líquida alimentar.

Outras características correlacionadas geneticamente, porém de seleção indireta, também foram avaliadas, tais como a relação inversa entre flight time (tempo de fuga, i.e, a velocidade com que o animal sai do brete) e maciez, por exemplo.

Através dos testes de progênie realizados pelo Beef CRC, dados genéticos (Estimated Breeding Values, ou EBVs) de 600 touros de 7 raças foram disponibilizados aos produtores Australianos através das associações de raça e do programa BREEDPLAN, possibilitando grandes avanços em produtividade graças a melhoria genética.

2 – Desenvolvimento da genética molecular e marcadores genéticos aplicados à produção pecuária

A identificação de marcadores moleculares associados à coloração da carne, coloração da gordura, marmoreio, maciez e eficiência alimentar são algumas das importantes conquistas da pesquisa australiana nessa área.

O lançamento comercial de testes de DNA pela empresa Genetics Solutions sinaliza o interesse em aplicar tais descobertas de maneira prática. O impacto comercial destas tecnologias dependerá, no entanto, da importância do seu efeito e do desenvolvimento de métodos que possam incorporar estas informações para a produção de EBVs melhorados, contribuindo para a melhor avaliação genética da característica em questão.

3 – Investigações sobre crescimento e nutrição animal

As pesquisas do Beef CRC também abordam a genética e as bases biológicas do consumo alimentar líquido (Net Feed Intake), os efeitos da administração de promotores de crescimento na qualidade da carne e também as diversas estratégias nutricionais que podem ser usadas para manipular o marmoreio e os efeitos do crescimento na carcaça e na qualidade da carne.

A característica de consumo alimentar líquido teve a herdabilidade confirmada tanto em raças Britânicas quanto em raças tropicalmente adaptadas, e EBVs para esta característica foram liberados para a indústria, com pelo menos 300 touros recomendados.

O Fator de Crescimento Semelhante à Insulina-I (IGF-I), baseado em um teste de sangue patenteado pela empresa PrimeGRO Ltda., demonstrou ser geneticamente correlacionado com o consumo alimentar líquido e está sendo usado pela indústria na busca de animais mais eficientes nesse quesito.

As pesquisas com promotores de crescimento (aplicados por um período máximo de 300 dias) demonstraram resultados positivos quanto ao crescimento corporal, porém tiveram um efeito negativo na qualidade da carne.

4 – Saúde e Bem-Estar Animal

Estudos sobre métodos mais radicais ou atenuados de desmame foram comparados, visando avaliar o desempenho futuro desses animais em situações de confinamento. Animais cujo desmame foi menos radical tiveram ganhos de peso significativamente maiores (+25%) e graus de mortalidade significativamente menores do que animais desmamados radicalmente.

Além disso, a vacinação prévia ao confinamento também aumentou o ganho de peso no confinamento. As pesquisas do Beef CRC nesta área levaram ao desenvolvimento de duas vacinas comerciais contra Doenças Respiratórias Bovinas: Pestiguard, pela Pfizer, contra pestvirus (Diarréia Bovina Viral – BVD), e Bovillis MH, da Intervet, contra pneumonia causada por Mannheimia haemolytica.

5 – Meat Science

Os abates e mensurações de mais de 12.000 carcaças oriundas dos testes de progênie forneceram a base de dados para as análises realizadas pelo Departamento de Ciências da Carne da Universidade de New England. Mensurações pré-abate incluíram as medidas de acabamento de gordura, área de olho de lombo, marmoreio, entre outras, obtidas por ultra-som.

Graças às pesquisas do Beef CRC, o sistema Meat Standards Austrália – MSA foi desenvolvido, e dados de painéis sensoriais realizados com mais de 400.000 consumidores puderam ser analisados sistematicamente, contribuindo para o estabelecimento deste sistema, que é um dos mais modernos do mundo.

O MSA identifica pontos críticos de controle na produção, pré-abate, e processamento e quantifica sua importância relativa através de painéis sensoriais realizados com consumidores. Estes pontos críticos de controle são usados no gerenciamento da palatabilidade de duas formas: primeiro, servem como critério obrigatório para a classificação de carcaças (pelo sistema AUS-MEAT).

Em segundo lugar, outros pontos críticos de controle são incorporados em um modelo que prediz a palatabilidade de músculos individuais. Assim, os pontos críticos de controle da produção (raça, curva de crescimento e implante de hormônio de crescimento) e do pré-abate e processamento (pH/temperatura, modo de suspensão da carcaça, marmoreio e maturação) permitem a predição da palatabilidade para músculos específicos de acordo com a técnica culinária desejada.

O MSA foi lançado em 1997 e mais de AU$ 80 milhões de dólares foram gastos em pesquisas. Até agora, 700.000 carcaças já foram classificadas e cerca de 50.000 estão sendo classificadas por mês.

O MSA, além de ser o único sistema atualmente em uso a garantir efetivamente ao consumidor a certeza de qualidade do que estará comprando, permite que a carcaça seja remunerada de acordo com seu valor real, a partir do nível de qualidade individual de cada músculo.

Produtores e indústria trabalhando em conjunto, na produção e processamento da carne, promovem a maior valoração possível do produto, beneficiando a todos na cadeia.

6 – Educação e treinamento

Mais de 60 estudantes de Doutorado e Mestrado, centenas de estudantes de graduação e escolas técnicas, além de profissionais da indústria são beneficiados através das diversas bolsas de estudos, cursos e escolas patrocinadas pelo Beef CRC.

Mais de AU$ 400.000 são investidos por ano no Departamento de Ciências da Carne da Universidade de New England, como apoio aos projetos do Beef CRC.

7 – Manejo de Resíduos de Confinamento

Diversos estudos realizados pelo Beef CRC visam minimizar o impacto ambiental da capacidade instalada de 850.000 cabeças nos confinamentos australianos. Os resultados têm servido como base para orientação das autoridades reguladoras australianas, que anteriormente utilizavam dados baseados na realidade norte-americana, um tanto distinta.

Assim, a irrigação de terras com o resíduo dos confinamentos é permitida na Austrália, melhorando o status de matéria orgânica na área utilizada, e reduzindo o problema em nível de confinamento.

8 – Comparações entre raças: Resultados de cruzamentos nos territórios do Norte da Austrália

Cruzamentos terminais baseados em 1.000 vacas Brahman foram realizados no Norte da Austrália, permitindo um melhor entendimento sobre os efeitos diretos da raça sobre a qualidade da carne bovina.

As vacas foram acasaladas por 3 anos com touros das raças Brahman, Angus, Belmont Red, Hereford, Charolês, Limousin, Santa Gertrudis e Shorthorn. A progênie foi terminada a pasto (no norte) ou em confinamento (no norte ou no sul da Austrália), e destinada para os mercados doméstico, Coreano ou Japonês (baseado no peso final).

Todas as características de crescimento, mensuradas em ultra-som no animal in vivo e na carcaça e medidas laboratoriais foram realizadas, e os resultados comparativos entre as raças paternas foram os seguintes:

a) Houve efeito significativo da raça dos touros sobre todas as características de crescimento – idade ao abate (dias), gordura (mm), rendimento de cortes de varejo (RBY%), cortes primários de varejo (kg) e percentual de gordura intra-muscular (marmoreio).

b) As carcaças mais pesadas foram produzidas nas progênies dos touros Charolês e as carcaças mais leves, pelas progênies dos touros Santa Gertrudis, Belmont Red e Brahman.

c) As carcaças mais magras foram produzidas por touros Charolês e Limousin.

d) O maior índice percentual de gordura intra-muscular (marmoreio) foi registrado pelas progênies dos touros Angus, Shorthorn e Belmont Red.

e) As novilhas apresentaram grau de marmoreio consistentemente maior do que os novilhos.

f) Conforme o esperado, a progênie terminada a pasto teve menor grau de marmoreio. As progênies dos confinamentos do sul tiveram maior grau de marmoreio de comparadas com o confinamento do norte, provavelemente devido a fatores climáticos.

g) Com relação às medidas de laboratório, o teste de shear force, que prediz a maciez através da mensuração de uma força mecânica aplicada a carne, indicou que os novilhos Brahman apresentaram menor grau de maciez (o que equivale a uma maior medida de shear force) do que a progênie das demais raças.

h) Amostras de carne dos grupos de animais a pasto e confinamento foram analisadas no sistema MSA (através de painéis sensoriais) que classifica a carne como sendo: insatisfatória, 3 estrelas (Good Everyday), 4 estrelas (Better than Everyday) e 5 estrelas (Gourmet). No grupo terminado a pasto, com exceção do cruzamento Angus X Brahman, todos os demais cruzamentos não conseguiram obter o mínimo de 3 estrelas. Já no sistema de confinamento, todos os cruzamentos atingiram a qualidade desejada. Os animais puros Brahman, no entanto, não atingiram 3 estrelas nem mesmo no confinamento.

i) importante destacar que nenhuma carcaça sofreu tratamento por tenderstrech, o que certamente contribuiria para a melhoria da qualidade da carne de modo geral.

j) A análise econômica dos benefícios dos cruzamentos tem estimulado a adoção de raças compostas por criadores de Brahman (principalmente em Central Queensland), em função do cruzamento permitir que estes criadores atinjam as metas de qualidade que desejadas pela indústria da carne.

Assim, além dos palestrantes ligados ao Beef CRC, que apresentaram com grande propriedade toda a evolução da pesquisa na cadeia da carne australiana, convidados como Larry Cundiff, um dos pais da genética quantitativa e Rod Polkinghorne, do Meat and Livestock Australia, engrandeceram o evento.

Este congresso mais uma vez mostrou a grande preocupação e deferência dos Australianos com relação à pesquisa aplicada aos interesses do agronegócio.

O Beef CRC é um grande exemplo de como o governo, a indústria privada, os produtores e a academia podem interagir na busca de resultados concretos e efetivos para toda a cadeia.

A pesquisa é gerada a partir da necessidade dos membros da cadeia, o que facilita o seu desenvolvimento e implementação. De 1993 até agora, mais de AU$ 300 milhões já foram investidos, e mais AU$ 122 milhões estão previstos para os próximos 7 anos.

É a certeza da indústria australiana de que carne bovina é um grande investimento.

_______________________
Marcia Dutra de Barcellos, Médica Veterinária, Mestre e Doutoranda em Agronegócios, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Centro de Estudos e Pesquisas em Agronegócios, atualmente na University of New England, Meat Science Department – Armidale, Australia.

0 Comments

  1. Fenelon Santos Velludo disse:

    Creio que esta seja a solução para o nosso problema investir mais no trabalho acadêmico, reduzir as falsas informações e interagir mais o setor industrial com o produtor, pois todos querem o sucesso e este só virá com muito trabalho.

    Precisamos saber qual o melhor animal para o nosso meio climático e que apresente a melhor qualidade de carne para que possamos caminhar nesta direção e ofereçer ao mercado exportador e interno a melhor carne, com valor agregado maior.