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O lado útil da febre aftosa…

Por Francisco Vila1

Crises são ótimos momentos para a reflexão. Primeiro tivemos a “crise do bem” da super-oferta de carne bovina em função do salto qualitativo e quantitativo provocado pelas tecnologias da intensificação.

Como se não bastasse, juntou-se a isso a “crise do mal” como resultado do desleixo com a questão sanitária. Porém, a situação existe e é preciso gerenciá-la. A ordem do dia é: resolver e aprender com os erros. Adianta pouco lamentar e xingar os culpados, pois estes parecem ser vários.

Antes de tudo, convém manter a cabeça fria. Estes desastres acontecem em todo lugar, até nos países com uma tradição de controle sanitário mais efetivo. E além de atuar com foco e sem barulho desnecessário o momento pode ser aproveitado para colocar algumas verdades no devido contexto.

Reflexão sobre o verdadeiro papel do Brasil como exportador

O Brasil tornou-se maior produtor em volume por um conjunto de razões. Em primeiro lugar vem, com certeza, o trabalho extraordinário que todos os elos da cadeia produtiva realizavam ao longo da última época.

Em termos de genética e sistemas de produção, incluindo as técnicas de manejo e o confinamento, as boas empresas brasileiras deixam pouco a desejar quando foram comparadas com os “top 100” dos principais países concorrentes. Todos estão de parabéns a começar com a Embrapa. Também os organismos públicos fizeram grandes esforços no requisito “sanidade”, nomeadamente entre 1995 e 2002.

Como costuma acontecer na vida, a sorte se une a quem merece. Assim, a seca secular da Austrália e os problemas da vaca louca na América de Norte deram um empurrão decisivo na explosão das exportações brasileiras. Talvez como castigo dos Deuses (por desleixo no foco da sanidade) o País agora volta ao patamar normal de seu tamanho como exportador.

Não devemos subestimar a natureza específica do aumento dos volumes exportados entre 2000 e 2005. Não foi mérito exclusivo da capacidade de marketing dos frigoríficos ou das organizações ligados a esta temática, mas sim, foram os compradores que vieram buscar a carne aqui. Tratou-se do chamado “sellers market”.

Este momento de verdade serve perfeitamente para desmistificar algumas questões. Nós entregamos carne brasileira commoditizada a preços fixados pelos compradores. E os paises compram a carne de nosso jeito por que há falta de suprimento global.

No momento em que se estabeleça um equilíbrio entre os volumes de demanda e oferta no mercado internacional, os consumidores da Europa e de outros cantos do mundo querem comprar a carne deles, ou seja, com especificação de qualidade, sabor, maciez, sanidade alimentar, confiabilidade, apresentação e embalagem conforme os critérios individuais de cada região importadora e, naturalmente, devidamente certificada.

Vai acabar a facilidade de colocar carne brasileira do jeito como ela está. Dentro de pouco tempo, vamos enfrentar a mudança do paradigma da “supply” para a “demand orientation”.

Afinal, o cliente é rei e isto passa a ser mais visível à medida que a oferta se aproxima do nível da demanda.

Como lidar com a crise dupla?

Baixa de preços por causa do excesso de oferta + crise sanitária

Como nós fomos beneficiados com o fechamento dos mercados na altura da vaca louca nos Estados Unidos, estamos sendo castigados com o foco de aftosa no coração geográfico da produção bovina nacional. É lamentável, mas faz parte da vida.

Vejamos o exemplo do desastre do “apagão”. Quase ninguém se lembra mais. Porém, na altura acreditava-se ter chegado o fim do mundo. O que aconteceu? Todos fizeram a sua parte e passamos também esta crise. O mesmo vai acontecer com o problema da aftosa.

Devemos aperfeiçoar a cultura de pensar na “linha” histórica e não apenas no “ponto” do momento. Desde que nós dispomos de um Plano de Negócio detalhado podemos rever em muito pouco tempo o conjunto da ações para adequar o nosso programa de produção ao novo cenário da crise dupla (preços e sanidade).

Como a questão do mensalão nos acordou como cidadão (isto independentemente do seu desfecho já é um ganho) devemos mergulhar numa auto-reflexão sobre “o que mudar para sobreviver e reforçar nossa posição no mercado”.

Mesmo se confirmar-se a hipótese de ação criminosa não deveríamos nos contentar com esta explicação. Pois, a aftosa pode surgir sempre, a qualquer momento e em qualquer país.

O fato de o primeiro foco parece ter surgido numa fazenda bem estruturada ajuda muito para reduzir a polêmica destrutiva que costuma acompanhar estes eventos.

Um dia vamos ter também o nosso caso da vaca louca. O importante é preparar-se para estas eventualidades e inseri-las como “risco residual´ em nossa estratégias empresarias, uma vez que a parte tecnológica dos sistemas de produção está muito bem resolvida.

Os pontos positivos da crise

O que nós devemos enxergar como elementos construtivos desta fatalidade?

1- É importante gravar em nossa memória que nada na vida empresarial está garantido. Ganhamos o primeiro tempo do jogo (maior exportador em volume) com o vento a favor dos problemas dos concorrentes. Agora, logo no início do segundo tempo onde a ordem do dia seria “aumentar o preço do produto” fabricamos um gol contra e assim vamos ter que recolher para reordenar as tropas e começar de novo em 2006. Pudemos observar que a competição global é mais severa que os aumentos apetitosos de dois dígitos nas exportações fizeram crer ao longo dos últimos 5 anos!

2- Aprendemos, também, que a segurança alimentar é tarefa obrigatória (e não capricho de marketing). Ela não se limita a algumas empresas de ponta, mas é fruto de um esforço coletivo constante. O desleixo de uma das muitas partes do negócio estraga a festa para todos, independentemente se fizeram a sua parte ou não.

3- Outro ponto é o desenvolvimento da sensibilidade para uma gestão racional das coisas. Neste caso é o governo a criticar. Se a receita de divisas bovinas poderia ter chegado ao patamar dos 3 bi US$ (7 bi R$) em 2005, o investimento de 120 mi R$ num programa satisfatório de sanidade animal representaria apenas 1,7% deste montante. Nem estamos falando dos 80% de produção de carne que vai para o consumidor nacional.

Porém, dos 120 mi R$ só foram “liberados” 35,3 mi R$ e efetivamente gastos foi, até agora, o montante ridículo de 0,553 mi R$. Não dá para imaginar o que se passa (ou melhor, não se passa) na cabeça dos responsáveis pela política de sanidade animal ao despender apenas 0,0075 % (0,5 mi R$ sobre 7 bi R$) da receita de exportação. É como comprar uma BMW e economizar no seguro!

Quanto custa a viagem da comitiva presidencial (de onde chega neste momento a noticia de: “Quem é o responsável pelo gado é o dono!”) para 4 países europeus, e quanto será o resultado tangível desta iniciativa? Provavelmente teria sido mais efetivo investir este montante no reforço da estrutura de vigilância sanitária aqui em casa.

Assim, temos que lembrar no futuro de fazer a devida pressão sobre os serviços públicos para que eles recebam as verbas de custeio e para a recomposição de seus quadros.

4- Ainda podem existir muitas dúvidas sobre o formato adequado do rastreamento. Porém, uma coisa ficou clara. Este assunto veio para ficar. E ainda, a organização desta questão acoplada à introdução de Sistemas Integrados de Produção (tipo SAPI do Embrapa ou “selos de qualidade” da Associação Brasileira do Novilho Precoce) vai acelerar a prática de receber preços diferenciados em função da premiação de carne com qualidade, pontualidade e fidelidade superior. Assim, ganhamos uma etapa nesta difícil questão. A confiabilidade passa a ser fator decisivo na determinação do funcionamento ao longo da cadeia produtiva. Isto beneficia tanto a carne de exportação quanto o consumidor brasileiro.

Tenho certeza de que, ao receber hoje em Roma a condecoração da Medalha Agrícola (!), o presidente e seus assessores refletirão sobre o custo/benefício direto do investimento em medidas de segurança alimentar.

Este tema será reforçado durante a negociação do acordo comercial que este mesma equipe vai negociar no final de semana em Moscou. Não vai ser fácil manter a boa disposição quando chega o item “importação de carne”.

Porém, a nossa preocupação é com o futuro do setor. Os governos mudam, mas a pecuária veio para ficar e vai continuar fortalecendo seu posicionamento competitivo no mercado internacional.

A febre aftosa, quem sabe, proporcionou uma pausa de reflexão saudável para a preparação do próximo salto que prevê a oferta de carne de primeira com preços do primeiro mundo.

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1Francisco Vila é economista e consultor

0 Comments

  1. Luis Ernesto Guerreiro disse:

    Parabéns.

    Essa postura deveria ser apresentada em horário nobre da TV brasileira…com o aval de todos nós, técnicos, produtores, pessoas de bom senso e as entidades que a esses representarem…

    Felicito-o pela explanação abrangente e oportuna…..

    Um grande abraço.

    Guerreiro

  2. Heli Nogueira Fernandes disse:

    Boa tarde,

    Afinal de contas, a culpa do governo está clara, pelo não investimento que se faz necessário. Mas, por outro lado, como pôde acontecer tal fato em uma fazenda, que segundo esta matéria, é de bom padrão?

    Heli

  3. Rogério Rondineli Nóbrega disse:

    Parabenizo o autor pelo excelente esclarecimento no espaço aberto deste renomado site, e dizer da importância de se cuidar da sanidade, que é um dever de casa do produtor e governo, para que possamos um dia realmente alcançar o status de maior produtor e exportador de carne mundial, mas com conhecimento das responsabilidades, onde cada um no seu papel de importância na cadeia da carne, aprenda e trabalhe para o crescimento do setor.

    Mas é preciso aprender com os nossos erros.

  4. Moisés Prado dos Santos disse:

    Eu acho que diante da crise que se alastrou, devemos nos preparar para certificarmos nossas propriedades.

  5. Ana Tereza Rodrigues da Cunha disse:

    Primeiramente gostaria de parabenizar Francisco Vila pela idoneidade do artigo escrito e pela clareza de seus dados….

    Mas gostaria de deixar meu ponto de vista. A febre aftosa é um problema de todos e devemos, primeiramente, conscientizar o produtor de que a vacinação deve ser feita, por que há muitos que apresentam suas notas e jogam suas doses fora, isso é muito comum ainda. Acho que este acontecimento poderia diminuir se a vacinação fosse feita por responsáveis técnicos (médicos veterinários), assim como a vacinação de brucelose, e o produtor receberia então seu atestado.

    Sem dúvida acho que esta seria uma das “saídas” para que nós produtores ficássemos mais seguros em relação aos produtores que podem colocar em risco, mais uma vez, a produção e a questão do mercado brasileiro.

    Grata pelo espaço e pela oportunidade.

    Ana Tereza Rodrigues da Cunha
    Uberaba-MG.

  6. Haroldo Pires de Queiroz disse:

    O Sr. Francisco está de parabéns pelo texto brilhante.

    Esta é a serenidade que deveria substituir o alarmismo, entusiasmo de fogo-de-palha, bravatas e posturas retrógradas que freqüentemente vemos no setor rural brasileiro. O equilíbrio que depreende deste artigo é um emblema da maturidade que o setor precisa atingir.

  7. carlos affonso junqueira neto disse:

    Concordo plenamente e gostaria de acrescentar.

    Estamos vendo que quem paga o pato são sempre os que estão fazendo as coisas com seriedade.

    É inadmissivel ver gado vindo do Paraguai para ser abatido aqui sem nenhum controle sanitário.

    Fora com os maus produtores que trazem, fora com os maus caminhoneiros ou empresas de transporte, fora com os maus fiscais de fronteira, fora com os maus frigoríficos que compram, enfim dá para perceber que a “lei do Gerson” está vencendo quem vacina, quem rastreia, quem aposta na genética, quem paga impostos, quem dá emprego.

    Estamos precisando de liderança em todo o setor rural e uma liderança com bom senso e firmeza.

    Carlos Affonso Junqueira Neto
    Produtor rural – Médico Veterinario
    Poços de Caldas/MG

  8. Fernando Martins Araújo disse:

    Quero parabenizá-lo pelas palavras ditas, dizer que concordo com tudo o que foi dito, e dizer ainda que o mundo precisa de homens de coragem e sabedoria como você.

  9. antonio augusto fonseca cardoso disse:

    Caro Francisco, como diz o ditado: nada na vida vem por acaso, tudo tem um porque. Você explicitou muito bem este porque. Parabéns