Uma nova abertura da economia brasileira?
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Análise semanal – 06/10/2005
6 de outubro de 2005

O mercado de carbono e as oportunidades para o agronegócio brasileiro

Por Mariano Colini Cenamo1

O aumento na concentração atmosférica dos Gases de Efeito Estufa (GEEs) decorrente das atividades humanas, tem sido apontado como principal causador do aquecimento global e das mudanças climáticas. Calcula-se que a alteração na concentração dos GEEs poderá desencadear, nos próximos cem anos, um aumento da temperatura média anual do planeta, entre 1,4 e 5,8oC.

O tema tem sido objeto de grande discussão nas esferas política, econômica e social quanto às suas possíveis implicações sobre o meio ambiente e o modo de vida na Terra. Para lidar com o problema, foi estabelecida a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, que, em 1997, criou o acordo conhecido como Protocolo de Quioto (PQ).

O Protocolo de Quioto entrou em vigor em fevereiro de 2005 e tem como meta principal regular as emissões de GEEs pelos países industrializados, impondo a redução obrigatória de, em média, 5% abaixo das emissões observadas em 1990, no período compreendido entre 2008 e 2012.

Para auxiliar no cumprimento dessas metas foi criado o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). O MDL determina que remoções e/ou reduções de emissões de GEEs realizadas em países em desenvolvimento, podem ser utilizadas pelos países industrializados no cumprimento de suas metas obrigatórias. Desta forma, os países que não consigam atingir integralmente suas metas de redução, podem adquirir os chamados “créditos de carbono” de projetos localizados em países como o Brasil, que não possuem compromissos de redução.

De maneira geral, os projetos de MDL podem ser divididos em duas categorias:

(i) “projetos de redução de emissões”, geralmente associados ao deslocamento de emissões oriundas da queima de combustíveis fósseis e/ou captura e queima de metano; e

(ii) “projetos de seqüestro de carbono”, relacionados à captação e estocagem de carbono em florestas.

Ao contrário do que muitas vezes se associa, o potencial para os projetos florestais ou de “seqüestro de carbono”, no MDL, é ainda incipiente. As regras para tais projetos já foram definidas e somente serão elegíveis projetos que prevêem a implantação de novos reflorestamentos em áreas onde cenário futuro seja a manutenção de pastagens ou outros usos não florestais.

De maneira geral, isso quer dizer que não serão aceitos:

– Projetos de manutenção de áreas de reserva com mata nativa;
– Projetos de reflorestamento em áreas recentemente desmatadas (após 1990);
– Projetos antigos de reflorestamento (implantados antes de 2000);
– Projetos de fixação de carbono em ecossistemas não-florestais (culturas agrícolas, fruticultura, pastagens etc.);

No Brasil, os projetos de MDL tem sido implementados principalmente através das seguintes atividades: co-geração de energia com biomassa; tratamento de Resíduos Sólidos Urbanos e aproveitamento de biogás em aterros sanitários; substituição de combustíveis e eficiência energética em processos industriais; captação e queima de metano com biodigestores em granjas de suinocultura; implantação de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs); e projetos de reflorestamento.

Para serem aceitos no MDL, os projetos devem passar por uma série de etapas no chamado “Ciclo de Aprovação do MDL”, que pode ser resumido da seguinte maneira:

1- aprovação das metodologias utilizadas pelo Conselho Executivo (CE) do MDL – entidade da ONU responsável pela aprovação de projetos (ver: www.unfccc.int/cdm);
2- validação do Projeto por uma “certificadora” credenciada pelo CE;
3- aprovação do governo brasileiro – através da Comissão Interministerial (ver: www.mct.gov.br/clima);
4- registro do Projeto no CE;
5- verificação e certificação, novamente por uma certificadora credenciada; e
6- emissão das Reduções Certificadas de Emissões (RCEs) pelo CE.

Até o momento nenhum projeto completou ainda todas as etapas do Ciclo de Aprovação, cujo término é determinado pelo período de emissão dos créditos e duração do projeto. No entanto, os interessados no mercado não tem esperado pela emissão das RCEs para negociar a compra e venda de créditos, de forma que a grande maioria dos projetos tem negociado a venda dos créditos antes mesmo do registro no CE – etapa que oficializa a aceitação do projeto no PQ.

Ainda que sujeitos a grandes variações entre os acordos bilaterais negociados, os preços atuais das potenciais RCEs (expressas em toneladas de dióxido de carbono equivalente – tCO2e) tem estado em torno de 4 a 6 euros.

O Brasil tem assumido posição de liderança na proposição de projetos de MDL. Em setembro de 2005 existiam 87 projetos brasileiros no Ciclo de Aprovação do MDL, que, se concluírem sucessivamente todas as etapas do ciclo, correspondem a um potencial de redução de aproximadamente 165 milhões de tCO2e.

No agronegócio, o maior volume de projetos, já há um certo tempo, está relacionado ao aproveitamento de resíduos para geração de energia, destacando-se a queima de bagaço de cana no setor sucro-alcooleiro, que corresponde por 30% do total de projetos de MDL submetidos no Brasil.

Esses projetos já possuem um funcionamento estabelecido e bastante conhecido, onde, de maneira geral, a biomassa residual (bagaço) gerada é queimada diretamente para produzir energia, entrando como fonte substituta da geração usual (c/ óleo diesel ou gás natural), deslocando a geração fóssil altamente emissora de CO2 e, resultando assim em créditos de carbono pela redução/deslocamento das emissões que seriam geradas com a queima do diesel.

Entretanto, a atividade do setor agrícola que tem chamado maior atenção no contexto do MDL recentemente, é o tratamento de dejetos suínos em biodigestores para captação e queima do biogás para geração de energia.

No processo usual das granjas suínas, os dejetos são descartados diretamente no meio ambiente ou em lagoas de captação, não havendo qualquer controle das emissões de gases resultantes do processo de decomposição. Entretanto, o metano emitido (CH4) tem um forte “potencial de aquecimento global”, 21 vezes maior que o dióxido de carbono (CO2).

Com a instalação dos biodigestores, capta-se o biogás rico em metano e, através da queima para geração de energia, passa a se emitir apenas dióxido de carbono, resultando em benefícios ao meio ambiente e energia a custo zero para o produtor, redução das emissões de GEEs para a atmosfera e em receita com venda de créditos de carbono para os potenciais investidores. Cabe destacar também que, independente da geração ou não de energia, o simples fato de se substituir a emissão de metano por emissão de CO2 já gera créditos de carbono, aumentando a atratividade do projeto.

Apenas para ilustrar o potencial da suinocultura no cenário brasileiro, existem atualmente 10 projetos em avaliação, distribuídos nos estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Bahia. Desses, 8 encontram-se em validação e 2 já foram aprovados pelo governo brasileiro.

A quantidade total de créditos prevista para ser gerada, durante os 10 anos do ciclo de duração dos projetos, é de cerca de 8,3 milhões de tCO2e. Assim, considerando que os créditos tenham sido negociados aos preços atuais praticados no mercado, os 10 projetos gerarão, nos próximos anos, uma receita total em torno de R$ 110 milhões, ou seja, em média R$ 11 milhões por projeto de MDL.

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1Mariano Colini Cenamo, Engenheiro Florestal, pesquisador da área de economia ambiental e Mercado de Carbono do Cepea/ESALQ-USP, Piracicaba-SP.
mccenamo@carpa.ciagri.usp.br

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  1. Guilherme Lanna Reis disse:

    Aproximadamente 30% da quantidade de gases responsáveis pelo efeito estufa – metano (CH4), gás carbônico (CO2) e oxido nitroso (NO2) – são gerados por mudanças no uso do solo, pois há redução do montante de matéria orgânica no solo aumentando a emissão de carbono na atmosfera. Logo, as pastagens, devido à ocupação de grande extensão de terra, têm papel fundamental nesse fenômeno global.

    Outros agentes que também influenciam no aquecimento terrestre são os bovinos, ao produzirem metano, e a aplicação de fertilizantes nitrogenados na agricultura, respondendo por 22% das emissões de NO2 (Montenegro e Abarca, 2001). Todavia, os sistemas agroflorestais têm-se mostrado altamente eficientes em capturar carbono.

    Sharrow e Ismail (2004), encontraram maior acúmulo de carbono em sistemas agroflorestais em comparação com florestas (p<0,05), pois nesses sistemas, devido ao maior número de extratos, há mais biomassa.

    Os sistemas silvipastoris, nos quais há uma maior densidade de árvores nas pastagens, apresentam várias vantagens em relação à monocultura: reduz a erosão do solo e recicla nutrientes, melhorando assim a fertilidade do solo; reduz o estresse climático, melhorando os índices produtivos e reprodutivos dos animais. Além dessas vantagens, o produtor pode ter outras fontes de receitas como frutos, madeira e receber os créditos de carbono. Infelizmente, principalmente por razões culturais, são pouco adotados no Brasil.