Quando terminei este artigo, mostrei-o a dois amigos, que foram unânimes em duas coisas: corrigir diversos erros de ortografia, e desaconselhar-me a publica-lo. Eu estaria me expondo demais, disseram eles.
Pode ser, mas se chegar o dia em que um cidadão não puder expor suas idéias livremente no Brasil, por medo de represálias, teremos mergulhado novamente na mais negra das ditaduras: a punição pelo exercício do direito de opinião. Como creio que este dia ainda não chegou, vou em frente.
Eu confesso carregar comigo uma espécie de maldição. Acerto quase sempre em previsões negativas, ao passo que erro quase sempre quando são boas ou positivas. Sou, portanto, um Oráculo de Delfos da desgraça.
Em entrevista concedida ao BeefPoint em setembro de 2002, ou seja, antes do 2o turno das eleições, e há seis meses atrás, foi-me feita a seguinte pergunta:
O que o senhor acha da frase do Lula durante uma reunião com pecuaristas, de que ele é o único que tem condições de “segurar o MST”?
Ao que respondi (resposta editada):
“Lamentável, em todos os sentidos. Primeiro, porque não cabe ao presidente da República “segurar” este ou aquele movimento. Isto é papel da Justiça, através de ações de reintegração de posse, no caso em questão. Assim como cabe aos Governos Estaduais cumprirem ordem judicial. Não o fazendo, como quase sempre ocorre, por lei deveriam sofrer intervenção federal. Aí sim, o presidente da República teria papel constitucional a cumprir.
O que boa parte das pessoas não percebe, ou prefere ignorar, é que uma fazenda não é apenas o ganha pão de uma família. É também seu lar. Uma invasão (ou o neo-eufemismo “ocupação pacífica”), causa não apenas perdas patrimoniais, como também lucro-cessante e danos morais expressivos. E quem indeniza ou já indenizou estas famílias, que viram trabalho de gerações ser destruído sob a complacência dos poderes executivo e judicial?
Em segundo lugar, porque o Lula, que é um homem inteligente, e todo mundo que é bem informado no Brasil, sabem que o MST não está interessado em reforma agrária e em justiça social. O MST, de forma brilhante, diga-se – apropriou-se e adaptou a teoria do filósofo comunista italiano Antonio Gramsci: a “Revolução sem Sangue” (ou quase). Aos líderes do MST não interessa uma Reforma Agrária bem elaborada e bem sucedida (o que, aliás, até hoje jamais ocorreu no Brasil). Se isto acontecesse, perderiam suas legiões, sua massa de manobra. O MST é um movimento político cujo objetivo é assumir o Poder. Aliás, um dos líderes máximos do MST – Gilmar Mauro – já declarou exatamente isto, e que a “luta contra o latifúndio” era apenas o veículo. E o MST o faz de forma muito inteligente, embora com pouco vestígio de ética, e sem qualquer respeito às leis vigentes. Admire-se, porém, a inteligência operacional do MST:
Não são um Partido Político – e, assim, não podem sofrer sanções da Justiça Eleitoral – embora elejam seus representantes através do PT e de outros Partidos de extrema esquerda.
Não são um Sindicato – e, assim, não podem sofrer sanções da Justiça Trabalhista, como ano retrasado ocorreu com o Sindicato dos Petroleiros, mas promovem greves, passeatas e invasões a próprios públicos e privados.
Não são uma empresa – e assim, não sofrem fiscalização da Secretaria da Receita Federal.
Quando muito, formam cooperativas. Aí têm pela frente apenas o INCRA.”
Nessa mesma entrevista, eu listava como maiores percalços do agora presidente Lula: os radicais de esquerda de sua própria coligação (a Senadora Heloísa Helena, o Deputado Babá e outros, confirmam minha previsão), obter maioria no Congresso Nacional (esperem até o Governo Federal realmente começar a votar reformas à Constituição, e verão o fisiologismo revigorado e de volta) e o MST – não necessariamente nesta ordem.
Vamos fazer um corte de seis meses, e passarmos para fevereiro e março de 2003. Tomemos como fonte de informações, os jornais O Globo (de 02 e 19/02 e de 07 e 08/03), e O Estado de São Paulo de 20/02. Há outros, mas não é necessário, para os fins deste artigo.
O que justifica o título deste artigo? Não estarei exagerando ao afirmar que o MST (está) no Poder?
Toda área fundiária do Governo Federal foi entregue ao MST. Foram indicados ou aprovados pelo MST:
– Ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA): Miguel Rossetto.
– Assessor Especial do MDA: Carlos Mário Guedes de Guedes.
– Chefe de Gabinete do Ministro (MDA): Luiz Felipe Nelsis.
– Secretário-Executivo do MDA: Guilherme Cassel.
– Secretário de Agricultura Familiar do MDA: Valter Bianchini.
– Secretário de Desenvolvimento Territorial do MDA: José Humberto Oliveira.
– Secretário de Reestruturação Fundiária: Eugênio Conolly Peixoto.
– Presidente da CONAB: Luis Carlos Guedes Pinto (fundador da ABRA (Associação Brasileira de Reforma Agrária).
– Presidente do INCRA: o geógrafo mineiro Marcelo Resende.
– A maioria das 29 Superintendências Regionais (estaduais) do INCRA. Há poucos dias, declarou um dos principais líderes do MST (João Paulo Rodrigues): “O nosso objetivo maior é indicar nomes para todas as 29 Superintendências do INCRA. Até o momento, temos sido bem atendidos”.
– Mas a influência direta do MST não se extingue no MDA ou no INCRA: há aliados declarados do MST no Ministério da Educação, Ministério das Cidades, Ministério do Meio Ambiente, IBAMA, Corregedoria Geral da União, entre outros. Com inegável competência, o MST criou uma rede de aliados não apenas no MDA e no INCRA, como também em diversos postos chave do Governo Federal – e essenciais para o sucesso de sua linha de atuação em futuro próximo. Muito próximo.
Não há qualquer ilação de que estas pessoas, por serem umbilicalmente ligadas ao MST, sejam tecnicamente ineptas. O que se discute aqui não é competência técnica, e sim IDEOLOGIA. O MST foi fundado na década de 70. Durante 30 anos teve governos que lhe eram adversários, e adversos. Finalmente, chegou ao poder. Foram eles que ganharam as eleições, e não nós. Por quê iriam desistir de tudo o que pregaram durante 30 anos? É perfeitamente compreensível que desejem implantar no Brasil o modelo agrário, agrícola e político que julgam ideais. Como é perfeitamente compreensível e legítimo que nós nos oponhamos a este desiderato, se não o considerarmos bom para o Brasil. Não se trata aqui de conjecturas, e sim de fatos.
Durante o Carnaval, ocorreram invasões a fazendas, e a sedes do INCRA em diversos estados. E o MST anuncia uma nova onda de invasões para o mês de abril, sem excluir – como de hábito – o uso de violência para tal. Por vezes, chega-se à verdade não pelo que é dito, e sim pelo que não é dito. Vamos a algumas frases recentes, e às suas análises:
– Jaime Amorim (Coordenador do MST em Pernambuco): “A democracia tem como limite principal a concentração de renda e a concentração de terra. O latifúndio precisa ser o quanto antes ser exterminado no Brasil”. Minha leitura: primeiro, ele relativiza a democracia. Democracia terá a definição que se desejar. Segundo, fala-se em latifúndio, sem mencionar o termo “improdutivo”. Ou seja, todo latifúndio é ruim e deve ser exterminado, independentemente de ser produtivo e cumprir suas funções sociais, ou não.
– Marcelo Resende (presidente do INCRA, indicado pelo MST): minimizou as invasões e a violência dizendo ser compreensível que “quem vive debaixo de uma barraca preta, e em condições subumanas, não entenda como funciona o governo”. Minha conclusão: concordo. Quem vive nessas condições, não tem capacidade de organizar e efetivar invasões. Essas pobres pessoas são apenas massa de manobra. Ao tentar justificar o injustificável, o presidente do INCRA deixa claro, via ato falho, que essas pessoas são comandadas e induzidas, já que por si, não têm condições de decidir, e nem de organizar nada.
– José Dirceu de Oliveira e Silva (ministro chefe da Casa Civil): que, por seguidas vezes, em dúbia condenação à baderna, bateu sempre na mesma tecla: “Os limites do governo, são os limites democráticos” Minha leitura: reparem que o senhor ministro não fala o que seria óbvio – que os limites são os da lei – já que “democracia” é um conceito volátil e subjetivo. Leia-se logo acima o que declarou o sr. Jaime Amorim, a esse respeito. E não se subestime a inteligência e a fluência do sr. ministro José Dirceu. São enormes. Não foi sem segundas intenções que ele insistiu em conceito subjetivo como “democracia”, e não em conceitos concretos, como “lei e Constituição”. Por declarações anteriores, o senhor ministro sempre se manifestou contra a mera existência de grandes propriedades rurais, ou latifúndios, como também sempre relativizou o termo “democracia”.
Estarei sendo injusto? Não creio. Tomemos o exemplo do próprio PT, quando da indicação do sr. Armínio Fraga para a presidência do Banco Central, ainda no governo FHC. Sem entrar no mérito das qualificações do sr. Fraga, fato é que, por ter ligações com o mercado, foi satanizado pela esquerda em geral, que literalmente dizia que sua indicação equivalia a “chamar a raposa para tomar conta do galinheiro”. Eu poderia, portanto, colocar em suspeição imediata toda a extensa lista de nomes acima, pelo fato de terem estreitas ligações com o MST. Desde o Ministro de Desenvolvimento Agrário e seu secretariado, ao presidente do INCRA, e seus auxiliares.
Não o estou fazendo, porque acho que a alternância de poder prevê alternância de pensamento e de políticas. E o Brasil elegeu um governo de esquerda. Os métodos para se atingir essas mudanças é que precisam ser criteriosamente analisados. E é sobre isso que eu quero tratar agora. Abandono temporariamente “fatos”, e passo para “deduções”. Por serem muitas, e não necessariamente com ordenamento lógico, vou lista-las.
Dedução no 1: tendo o MST assumido toda a área de política fundiária do governo federal, essas invasões de fazendas e de prédios do INSS, INCRA e Banco do Brasil – não passam de “cortina de fumaça”, para despistar as reais intenções.
Dedução no 2: às vezes é necessário afirmar-se o óbvio. O MDA e o INCRA vão tentar impor limites e entraves que tornem impraticável a existência de grandes propriedades rurais. E por que não? Foi o que o MST sempre defendeu e, repito, o MST está no Poder.
Dedução no 3: o que está em andamento é uma radical alteração de parâmetros da GEE (eficiência ou produtividade) e da GUT (grau de utilização da terra). Dessa forma, muitas propriedades rurais, hoje consideradas como “produtivas”, tornar-se-ão “improdutivas”. Isso, acoplado a uma tabela de taxação do VTN (com limites mínimos aumentados) com alíquotas expressivamente crescentes, inviabilizaria economicamente a existência de qualquer propriedade rural com tamanho que o MST julgar “inadequado”. E, se não for suficiente, o Ministério do Meio Ambiente e/ou IBAMA, podem dar uma “mãozinha”. É pouco provável que ocorra ainda este ano, por falta de tempo hábil. Aguardem 2004.
Dedução no 4: tudo o que está dito acima é besteira, pois estes índices só podem ser alterados através de lei, votada e aprovada pelo Congresso Nacional. Concordo. Mas há diversas formas de esfolar o gato. Exemplo: a IN 10 (que está “sub judice”), e nem foi do governo Lula, e sim ao apagar das luzes do mandato de FHC.
Dedução no 5: novamente, tudo o que está dito acima é besteira, pois o próprio autor disse que sem a pujança da agropecuária, o Brasil já teria “quebrado”. Em 2002, o agronegócio foi o único setor superavitário da economia brasileira: Exportou US$ 24 bilhões, e importou apenas US$ 4 bilhões. E isso vem ocorrendo há muitos anos. Então, seria contraditório ter-se, ao mesmo tempo, uma agricultura pujante, e conflitos fundiários. Novamente, concordo. Mas o processo mencionado na Dedução no 3 não será feito de uma só vez. Primeiro atingirá propriedades de, digamos, mais de 10.000 ha, e talvez direcionada mais à pecuária de corte extensiva. Como em nossa cultura ibérica acha-se que “todo rico é ladrão”, os proprietários rurais de 200, 500 ou 1.000 ha extrairão algum prazer sádico da desgraça alheia. Espero que riam muito, pois isso é um processo, que quando iniciado não se sabe onde vai parar. Possivelmente atinja aqueles que se julgavam imunes.
Dedução no 6: o autor pirou de vez. Se ele mesmo diz que o MST nada mais é que um projeto político para ascender ao poder de forma não democrática, e se os correligionários do MST militam pela mesma ala à esquerda que boa parte do PT, não seria suicídio político dar-se a potencial adversário Ministério e presidências de diversos órgãos e autarquias importantes? Afinal, o PT não deu o mesmo tratamento para a CUT, sua velha (e até o momento, fiel) aliada. Mais uma vez, concordo. E aí, minha “dedução” é que, sendo o PT um partido com diversas e irreconciliáveis tendências, exista um “Cavalo de Tróia” dentro do governo que esteja querendo promover exatamente isto: uma ruptura da democracia, e uma tomada do governo por vias não eleitorais. Maluquice minha? Pode ser, e espero que seja, mas a História está repleta desses “íncubos”. Em tempo: o presidente Lula certamente não participa dessas maquinações, até porque ele seria a primeira vítima.
No próximo artigo, vou tentar oferecer soluções não apaixonadas para esse assunto apaixonante.
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Caros amigos do BeefPoint
Faço as palavras do sr Carlos Arthur as minhas também com mais um pensamento de que essa situação ainda vai se transformar em uma guerra civil nos moldes da Colômbia, pois vão fazer dessa massa de manobra futuros guerrilheiros de uma política comunista falida nos seus países de origem e que meia dúzia de baderneiros querem ressucitá-las novamente.
Sem mais, agradeço
Concordo com as suas observações. São oportunas, muito claras e importantes.
O min. José Dirceu usou a palavra democracia onde deveria ter usado a palavra lei no nosso entender.
Mas, é bom lembrar que democracia é uma palavra simples é quer dizer governo do povo pelo povo como você bem sabe, mas também:
i) a influência do povo em um governo,
ii) a política ou a doutrina democrática,
iii) o povo, as classes populares.
Não conheço o uso da palavra democracia como sinônimo de lei. Assim, para defender os nossos interesses precisamos ter a opinião pública a nosso favor e o Congresso.
As ações do governo no dizer do ministro, são no sentido de dar força ao MST conforme você deixou claro em seu artigo provavelmente para aplacar segmentos importantes das suas bases.
O governo LULA no geral felizmente mudou o seu discurso, mas parece que o nosso setor será moeda de troca com as bases. Assim, só muito organizados é que conseguiremos nos defender.
Parabéns, saúde e paz