Por Luciana Marques Vieira1
O papel das instituições no desenvolvimento de um sistema confiável de segurança alimentar
Recentemente, o debate sobre a necessidade ou não do sistema de rastreabilidade para a exportação de carne fresca para os mercados pertencentes a União Européia voltou a tona. Um debate que já deveria estar resolvido, já que todos os indicativos dos acordos internacionais, como o acordo SPS (Sanitary and Phitosanitary Standards) da Organização Mundial do Comércio, e o Codex Alimentarius, das Nações Unidas, seguem na mesma direção. O Brasil é signatário de ambos acordos, que apontam para o desenvolvimento de um sistema confiável de produção de alimentos (no caso, carne). Para que o sistema seja confiável e reconhecido pelos outros jogadores do comércio internacional, é preciso a confiança e troca de informações técnicas e de mercado entre os participantes da cadeia produtiva, não só daqueles que adicionam valor ao produto final, mas englobando também as associações de classe, governos locais e federal e certificadoras.
Além disso, cabe ressaltar que empresas privadas também vêm exigindo de seus fornecedores padrões de qualidade e segurança ainda mais rígidos do que os ditames internacionais. Veja-se o caso dos fornecedores da marca própria Carrefour. A regulamentação privada pode encorajar o aumento da competitividade internacional, mas não punir a falta de segurança alimentar ou casos de contaminação. Este é papel da legislação pública.
Exemplos de países como a Austrália podem ser aproveitados. A Austrália exporta em torno de 60% de sua produção de carne (o Brasil em torno de 10%, mas tem um grande mercado doméstico). Este país foi o pioneiro no desenvolvimento da rastreabilidade, embora fosse limitado ao rastreamento da carcaça. Seguindo as normas da União Européia, desenvolveu um amplo sistema de rastreamento, com a participação de instituições públicas e privadas, permitindo rastrear o corte na prateleira do supermercado até o nascimento do bezerro.
No Reino Unido, berço da EEB (conhecida como vaca louca), os supermercados fizeram grandes esforços para recuperar a confiança do consumidor de carne britânica. Uma forte integração (desenvolvimento de produtos, troca de informações técnicas e mercadológica) com os frigoríficos e pecuaristas permitiu que hoje, através do código de barra na bandeja do corte, seja possível saber qual a fazenda produtora deste.
Ficam as lições de que o Brasil não pode depender somente do Governo Federal para desenvolver um sistema confiável de produção alimentar. Para que isto realmente aconteça, todos os outros elos (ligados de alguma forma) da cadeia produtiva devem estar comprometidos na tomada de decisão e implementação deste sistema, num discurso único.
_______________________________
1Luciana Marques Vieira é Professora Comércio Exterior e Doutoranda no Dept de Agricultural and Food Economics, University of Reading, Inglaterra