Por Mariana de Aragão Pereira Pesquisadora da Embrapa Gado de Corte.
A beleza de uma escultura certamente encanta a quem observa ou interage com ela. Da mesma forma, um boi jovem bem acabado e de boa aparência nos deixa admirados. O que dizer então da picanha suculenta ou de uma peça de lagarto preparada ao molho? Fez encher a boca de água? Poderíamos alegar então que a escultura, nesse caso o boi ou a carne bovina, é o mais importante, certo? Errado, pois estamos pensando como consumidores. Se pensarmos, porém, do ponto de vista da produção, o escultor é sempre mais importante, pois sem ele a escultura não é lapidada. Mais ainda: um escultor mal preparado pode comprometer a escultura. O mesmo se aplica à produção bovina, com a diferença que nesse caso não há um escultor apenas, mas vários deles. A produção de carne é feita a várias mãos, o que significa que além das habilidades individuais, é preciso, sobretudo, harmonia dentro da equipe de trabalho. Daí a importância da gerência de pessoas.
Em 2001, analisei a questão do gerenciamento de recursos humanos (RH) na pecuária de corte como tema do meu mestrado. O artigo completo só saiu alguns anos depois, na revista científica Organizações Rurais e Agroindustriais (Pereira, Vale & Mancio, 2004), da Universidade Federal de Lavras. Em pleno ano de 2012, resolvi revisitar o tema por considerá-lo ainda bem atual, visto que as relações empregado – empregador no meio rural continuam a ser um desafio à gestão das fazendas.
Algumas das considerações aqui feitas, no entanto, vão além do âmbito da pecuária, pois tratam da natureza humana e podem, teoricamente, ser aplicadas em qualquer atividade econômica. Entender a natureza humana é algo complexo, mas importante para quem lida com pessoas. E apesar de a pecuária de corte historicamente ser pouco intensiva em mão-deobra, isso vem mudando à medida que os sistemas produtivos se tornam mais intensivos e tecnologicamente avançados. O papel do homem e das relações humanas vem ganhando, portanto, novas dimensões.
Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que qualquer pessoa, ao oferecer sua força de trabalho e suas habilidades, procura satisfazer suas necessidades pessoais, presentes e futuras, dentre elas as necessidades fisiológicas (alimentação, moradia), de segurança (renda na aposentadoria, por exemplo), sociais (afeição, reconhecimento), de estima (própria e de terceiros) e de auto-realização. Além disso, deve-se considerar algumas premissas básicas:
É com isso em mente, então, que se deve organizar todo o sistema de gestão de recursos humanos. Esse sistema normalmente envolve as sub-áreas: (i) descrição e análise de cargos, (ii) planos de salários e de benefícios sociais, (iii) recrutamento e seleção de empregados, (iv) avaliação de desempenho, (v) higiene e segurança do trabalho, (vi) banco de dados e sistemas de informações, e (vii) programas de treinamento, e desenvolvimento de recursos humanos (Chiavenato, 1997).
O conteúdo e a formatação de cada uma dessas sub-áreas, bem como a forma como elas se integram, devem ser definidos pelo produtor (gestor), com base nos objetivos pretendidos pela fazenda, em questões culturais, no mercado de trabalho, na capacidade financeira da empresa e, naturalmente, nas habilidades do produtor quanto a gerir pessoas.
O estudo que realizei com pecuaristas de corte no Triângulo Mineiro, em 2001, apontou diferenças interessantes entre fazendas, no que diz respeito à gestão de recursos humanos. Para melhor caracterizar essas diferenças, os 43 pecuaristas participantes foram divididos em três grupos, conforme a lotação das pastagens: até 0,95UA/ha (grupo I), de 0,96 a 1,35UA/ha (grupo II) e acima de 1,35UA/ha (grupo III). Na formação dos grupos, pressupôs-se que uma maior lotação seria reflexo de uma maior capacidade produtiva e, portanto, uma referência da produtividade. Apesar das limitações que isso implica (por exemplo, o desconhecimento do nível de degradação das pastagens), os resultados encontrados foram bastante coerentes.
Diversos indicadores na área de recursos humanos foram então analisados para cada grupo. Observou-se que o grupo III, de maior lotação, apresentava a melhor configuração do sistema de gestão de pessoas,obtendo, consistentemente, os melhores indicadores de RH. Apenas para citar alguns indicadores, as fazendas deste grupo concediam, em média, três benefícios sociais não-obrigatórios por lei para seus empregados (por exemplo, plano de saúde), realizavam nove reuniões por ano com a equipe, e ofereciam 1,3 treinamento anual, sendo dois colaboradores treinados anualmente. O desempenho da equipe foi analisado em 80% dessas fazendas e, entre essas, 90% usava o resultado para premiar os funcionários.
Em contraste, as fazendas do grupo de menor lotação (grupo I) concediam cerca de dois benefícios sociais não-obrigatórios, reuniam-se com a equipe cinco vezes por ano e organizavam treinamentos com intervalos superiores a 12 meses. Em média, três funcionários foram treinados em um período de dois anos. Cerca de 68% das fazendas desse grupo avaliavam o desempenho dos funcionário e um número ainda menor usava essa informação para recompensar a equipe financeiramente. O grupo II obteve resultados intermediários em todos os indicadores mencionados. Um fato curioso foi o percentual de funcionários analfabetos: 50%, 28,6% e 10% para os grupos I, II e III, respectivamente.
As análises prosseguiram e incluiram também alguns indicadores técnicos, cujos resultados seguiram a mesma tendência dos observados na área de RH. A taxa de natalidade, por exemplo, foi de 70% para o grupo III contra 65,8% para o grupo I. Já o número de UA´s por funcionário foi de 183 e 208 para os grupos I e III respectivamente.
O que esses resultados sugerem? Sugerem que há fortes indícios de uma relação direta entre o sistema de gestão de pessoas e a melhoria nos indicadores técnicos. Isso quer dizer que do ponto de vista gerencial é fundamental dar a devida atenção à gestão de pessoas, visto serem elas as peças-chave capazes de transformar recursos em produtos (a pedra em escultura), e esses, em lucro. Essa importância fica ainda mais evidente quando se considera os constantes aumentos da folha salarial nos custos de produção, e em decorrência disso, a maior necessidade de eficiência do trabalho. Segundo a ScotConsultoria, em 1994 eram necessárias 2,6 arrobas de boi gordo para se pagar um salário mínimo (sem contar os encargos). Atualmente, esse valor chega a 7 @. Nesse contexto, é primordial que o pecuarista invista tempo e recursos para aprimorar sua equipe e assim reter os talentos necessários ao sucesso do negócio.
Muitos podem alegar que o mercado está ruim, a legislação trabalhista é arcaica, a mão-deobra não é qualificada etc. Eu até concordo, mas isso é outra história e que nada invalida, ou até reforça, os argumentos aqui apresentados, já que é em tempo de tempestade que se revela o bom timoneiro…
4 Comments
Investir em pessoas é o primeiro passo para o sucesso de qualquer atividade. Parabéns pelo ótimo trabalho!
Parabéns Mariana!
Visto que questões trabalhistas sempre serão temas atuais em qualquer tempo e que o sucesso dos grandes empreendimentos está intimamente dependente de uma boa gestão.
Excelente exposição.
Ótimas colocações no texto…e excelente trabalho Mariana!! necessariamente teremos que estar atentos com relação à esse grande recurso que se chama HUMANOS; em qualquer seguimento da economia e na PECUÁRIA não deve ser diferente!!
Sucessos!!
Muito bom Texto Mariana, precisamos de mais trabalhos nesse sentido na agropecuária.