Atualmente ouve-se muito sobre tipificação de carcaças para atender aos novos mercados para a carne brasileira. Há alguns pontos que precisam ser discutidos para que o procedimento possibilite rentabilidade ao produtor e segurança alimentar ao consumidor.
Atualmente ouve-se muito sobre tipificação de carcaças para atender aos novos mercados para a carne brasileira. Há alguns pontos que precisam ser discutidos para que o procedimento possibilite rentabilidade ao produtor e segurança alimentar ao consumidor.
Em todos os países, o movimento pela classificação de carcaças não resistiu à tentação de subordinar as classes a uma hierarquia, ou seja, a tipificação pretende dizer ao mercado o que tem melhor e o que tem pior qualidade. E o faz sem a preocupação de provar tecnicamente o que está proclamando.
Para se falar de carcaça bovina, é bom lembrar, de início, que existem várias maneiras de se produzir carne. Diferentes e variados sistemas são adotados em diferentes países: Irlanda, Inglaterra, França, Austrália, Canadá, EUA, Uruguai, Argentina, Brasil.
É também importante dizer que esses sistemas se diferenciam entre eles quanto ao tempo que os animais permanecem nos pastos e em confinamentos, à variedade das dietas utilizadas, ao percentual de volumoso e concentrados, ao uso ou não de anabolizantes, aditivos etc. As raças que geram as carcaças também diferem quanto à qualidade de sua carne, no tocante a atributos intrínsecos, como maciez, sabor, quantidade e tipo de gordura (se entremeada ou não, escassa ou mais abundante).
A forma como cada sistema atua na produção dos bois tem conseqüências direta sobre esses atributos e sobre a lucratividade dos elos que compõem a cadeia: produtores, frigoríficos, distribuidores.
Na definição dos critérios para a tipificação, certamente os elos mais organizados tentarão, graças a seu maior poder, impor suas regras quanto ao que é melhor, com o objetivo de salvaguardar suas margens. E pretenderão determinar como ideais o alto peso das carcaças (para melhorar seus rendimentos industriais, pois se auto-intitulam uma indústria de desmontagem). Também afirmarão que as churrascarias querem peças maiores, o que pode até ser verdade quando esses estabelecimentos também estão preocupados exclusivamente com seus lucros e não com um bom serviço aos cliente. Churrascaria digna desse nome, com padrão de qualidade no atendimento, quer é cortes de animais jovens, padronizados, macios e suculentos.
Vez por outra se ouve dizer que a carne brasileira é considerada por alguns importadores como não merecedora da qualificação de boa qualidade. Mas ninguém define com clareza e precisão que qualidade está sendo procurada. O conceito de qualidade, por sinal, é muito questionável. Há palestrante conceituado que aponta o zebuíno como produtor de uma carne com pouca maciez e ausência de marmorização. No entanto, já se viu que o único corte de um bom Nelore que requer maior força de cisalhamento é o contrafilé. Nos demais, como a alcatra, o filé, a picanha, a maminha, a fraldinha, não há diferença estatística na diferenciação da força de cisalhamento, ou seja, a maciez desses cortes é semelhante à dos taurinos, com a vantagem de oferecer muito mais sabor.
Será que essa diferença no contra filé é suficiente para denegrir o padrão de qualidade da carne brasileira? Na França, pátria da culinária de alto padrão, um dos cortes de carne que agrega maior valor no Limousin é proveniente do abate de vacas com 4 a 5 anos de idade, portanto de menor maciez. Justificativa dos gourmets: abrem mão da maciez para ganhar em sabor.
Impor padrões estrangeiros à carne brasileira me parece pouco razoável. Primeiro porque sempre restará a dúvida: todos os importadores estão preocupados ou estão dispostos a pagar mais pela marmorização? E os criadores sabem que, para colocar marbling, ou gordura intramuscular na carcaça do zebu, terão de mudar a forma de produzir carne no Brasil. Mudando a forma de produzir, a carne do Brasil perderá o selo de natural, saudável e custará mais cara.
Não custa imaginar que isso pode ser altamente interessante para nossos concorrentes. Seremos menos competitivos e certamente perderemos mercado. E aí sim, estaremos dando munição aos detratores da carne vermelha. O próprio Departamento de Saúde Americano já pôs sob suspeição essa carne marmorizada. Critica a forma de obtê-la, em confinamentos que requerem dietas ricas em grãos, para oferecer animais cada vez mais pesados ao abate. Com certeza, dessa carne, o consumo deverá mesmo ser limitado a 500 gramas/adulto/semana.
Na avicultura já há sinais de que o mercado exigirá protocolos de produção mais saudáveis. O Mc Donalds e a Unilever (multinacional que utiliza 650 milhões de ovos/ano na Europa, que para ter atendida essa demanda, serão necessárias 2,5 milhões de galinhas), a partir de 2010, só irão comprar ovos de poedeiras criadas soltas (free range).
Por tudo isso, é bom analisar bem o que se quer em termos de carcaça bovina no Brasil. Existe um grande e inexplorado mercado para carne saudável, produzida exclusivamente a pasto, cuja produção o Brasil tem todas as condições de liderar no mundo, e sem competição.
É possível agregar valor a essa carne para mercados, onde os consumidores discordam filosoficamente do sistema de produção com longa duração em confinamentos e dietas recheadas de aditivos. Existem inúmeros mercados para carne de alto valor agregado para os quais, com nossos recursos genéticos e conhecimento de manejo, podemos produzir carne com adequado acabamento a pasto ou em confinamentos com 60-90 dias de duração.
Enfim, devemos ter em mente que há uma grande variabilidade nos mercados importadores, e o Brasil tem condições de ser seu supridor preferencial, com carne que apresente maior ou menor grau de acabamento, mas sempre produzida com certificação de boas práticas.
Por isso, o sistema de tipificação de carcaça a ser imposto no País precisa primar pela simplicidade de critérios utilizados. Seu objetivo deverá oferecer parâmetros que orientem a produção e comercialização da carne bovina, com respeito aos diferentes sistemas de produção e atributos, sem pretender determinar o que é de melhor qualidade, separando o que é diferente e agrupando o que é semelhante.
No caso específico da carne bovina, não se pode esquecer que a demanda acontece tanto pelos atributos intrínsecos de qualidade como, maciez, sabor e quantidade de gordura quanto pelas características de ordem ou natureza voltadas para as formas de produção, processamento (a velocidade de resfriamento influencia muito mais a maciez do que outros fatores inerentes à raça, idade, serem castrados ou não), comercialização (dimensionamentos das porções, pré-prontas) etc.
A meu ver, a tipificação deve classificar as carcaças das principais categorias, ordenando-as segundo outros indicadores tradicionalmente utilizados nas avaliações de gado de corte, como a conformação, musculosidade e precocidade no acabamento de gordura. Em tese, as melhores carcaças dariam carne de melhor qualidade, associada a maior rendimento de desossa, condição que favorece o abate de animais jovens com qualidade e a pasto.
O sucesso da carne brasileira depende de um excelente trabalho de marketing (diferentemente do que muitos pensam, não significa propaganda e sim mercadologia, estudo de mercado), desenvolvimento de novos sistemas de produção e de distribuição, com atenção total às exigências de um mercado atento às práticas sustentáveis não só do ponto de vista econômico, mas também social e ambiental.
A crescente concorrência entre países e entre fontes alternativas de proteína tem estimulado as indústrias a dar atenção crescente às exigências do mercado. E, cada vez mais, o consumidor moderno deixa de comprar produtos para comprar “conceitos”.
Na produção, como de resto em toda a cadeia, o que inclui a tipificação das carcaças, o fundamental é que a implementação de sistemas operacionais, processamento e comercialização atenda aos “conceitos” de segurança alimentar, respeito às condições sociais dos que trabalham e preservação do meio ambiente. País ou indústria que não se adequar a essa realidade, em breve estará fora do mercado.
Esse artigo foi publicado na revista DBO, reproduzido com autorização do autor.
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É muito importante discutirmos a tipificação de carcaça, mas para o produtor de carne, nós pecuaristas, é de fundamental importância discutirmos a limpeza ou toalete da carcaça, pois é uma briga constante entre o produtor e a industria, pois não temos um padrão de toalete, o qual poderia ser fiscalizado pelo próprio Ministério da Agricultura ou seja o próprio SIF.
Prezado Cavalcanti
Inicialmente gostaria de lhe parabenizar pelo espetacular artigo, o qual explica e caracteriza muito bem a importancia da tipificação de carcaça, principalmente para nós brasileiros, ao se falar da qualidade da carne de nosso zebu (principalmente o Nelore) que já foi colocado várias vezes em pauta.
Concordo plenamente quando o senhor afirma que mudar a nossa forma de produção (impondo padrões estrangeiros) para obtermos maior marmoreio na carne (sobre tudo a do zebu) para atendermos as exigências de alguns de nossos clientes iremos perder a nossa principal caracteristica que é a produção a pasto, e consequentemente, aumentando bastante o custo de produção (o que é devantagem aos produtores) e provavelmente perdendo mercado para outros Países concorrentes.
Deixo meu abraço e novamente meus cumprimentos pelo extraordinário artigo.
Gostaria de parabenizar o Sr. José Cavalcanti pela abordagem direta, profunda e correta do sistema de produção de carne bovina brasileira. Enquanto não houver uma conscientização, de toda a cadeia, sobre a importância da gestão da informação entre os diversos segmentos e gestão de marketing; continuaremos sendo vítimas vulneráveis deste teatro chamado mercado internacional.
Precisamos fazer uma reflexão ou até mesmo um benchmark, utilizando outras cadeias produtoras de proteína animal, as quais buscaram diversas ferramentas para corrigir sua imagem frente ao mercado consumidor. Pois caso contrário continuaremos sendo vistos como o mercado do boi “baratão”.
Precisamos gerir sistemas e não burocratizá-los.
Mais uma vez parabenizo o sr. José pela brilhante reportagem.
Eu acredito muito na tipificação bovina, seja ela para Bos indicus e/ou Bos Taurus. Respeito e qualidade ao consumidor. Principal ferramenta da qualidade cárnea do mercado formal, informalidade ainda é um dos maiores problemas da maior nação produtora de carne bovina do globo terrestre.
Também a melhor e eficaz forma de acabar com o achismo, manias, crenças entre outros, que norteiam a pecuária nacional.
Com isto tipificar nada mais é que atender o consumidor com qualidade total e premiar o pecuarista profissional, infelizmente os amadores tendem a desaparecer do mercado.
Conceito de tipifação é bem diferente classificação, como o de segurança do alimento e a segurança alimentar, único pecado que enxergo é não termos no Brasil uma tipificação nacional rodando padronizada, existe porém desatuzalizada mercadologicamente.
Seria lógico que, como pecuarista, devessemos concordar com boa parte dos conceitos emitidos pelo autor do artigo.
Entretanto, no que diz respeito à questão da tipificação de carcaças tal não acontece. É que, de saída, a questão da tipificação já vem mesclada a outras questões, como rentabilidade ao produtor e segurança alimentar do consumidor; e aí fica difícil concordarmos.
Ademais o autor considera que a tipificação “pretende dizer ao mercado” alguma coisa e que teria que “provar tecnicamente o que está proclamando”.
Seria bem mais lógico não confundir os sistemas de classificação de carcaça universalmente empregados na quase totalidade dos países produtores de gado bovino com esse modismo velhaco que vem se insinuando no mercado brasileiro, inventado já por varios frigoríficos, de criar cada um seu próprio sistema de remuneração ao produtor de boi gordo, no qual as penalizações superam em muito as premiações, se considerarmos as características médias da nossa produção.
Exatamente por não termos tido, nós pecuaristas, condições até hoje de exigir do poder público a definição de um sistema de tipificação de carcaças que seja universalmente adotado, tal como existe em outros lugares, – e que nada mais é do que atribuir valores ordenados de referência às carcaças, classificando-as pela semelhança de suas características morfológicas – é que se ofereceu o espaço para a criação desses inúmeros programas de premiação exibidos pelos abatedouros.
Nos sistemas universais de classificação em vigor são atribuidos os mesmos valores às carcaças que se assemelham pela sua conformação, tamanho, e condições de acabamento, em escalas que variam geralmente de 1 a 6. Esse mecanismo bastante simples foi capaz, historicamente, de cumprir o seu papel de atender às necessidades de bom funcionamento da cadeia da carne na maior parte dos mercados onde tem sido praticado.
Para que isso tenha acontecido, ninguém se deteve no exame das condições de criação, que é uma outra discussão, ou na questão da segurança alimentar, igualmente um questão diversa e bem mais recente.
Uma vez em funcionamento normal, o estabelecimento de diferenciais de preço entre os vários tipos de carcaça seria uma consequência natural do funcionamento do mercado, sendo lógica portanto a flutuação desses diferenciais ao longo do tempo.
Um sistema oficial de classsificação de carcaças, uma vez em funcionamento, refletindo em seus preços o encontro das legítimas aspirações do consumidor com as possibilidades do produtor, certamente teria o condão de proporcionar um sistema de remuneração mais justo tanto ao produtor como à industria, sem que esta tenha que recorrer a tantos subterfugios, que findam por desestimular a produção, para tentar manter suas margens.
Rastreabilidade? Sistemas de produção? Bem, isto é uma outra questão e uma outra discussão.
No Brasil o que acontece é que se produzirmos animais de origem Europeia e com gordura marmorizada o frigorificos querem classificar o animal alegando falta de gordora superficial na carne, ou seja uma forma de explorar o produtor.
Sugiro um comparativo do que os frigorificos pagam para o produtor, nos EUA, Australia, e a forma real de classificação.
Porque um animal jovem de carne macia não tem gordura de cobertura.
E se temos que ter animais precosses temos que fazer o cruzamento das raças zebuinas x Europeias, ai termos animais jovens de carne macia e gordura marmoreada, ai os picaretas classificam animais jovens em até menos 20 %, por falta desta gordura extena!
Temos que mudar este cenario, porque isto só é valido para vacas de leite de descarte!
Primeiramente gostaria de parabenizá-lo pelo excelente artigo.
Compartilho da mesma opinião com relação a carne brasileira, que muitas vezes é injustamente classificada como de pior qualidade que a carne proveniente de animais cruzados ou puros de raças européias. Acredito que todas as raças e cruzamentos tem o seu devido valor e não podemos deixar de valorizar a carne proveniente de animais zebuínos, que na grande maioria são da raça Nelore, e perfazem a totalidade do nosso rebanho.
Não podemos lutar contra isso, podemos apenas lutar para melhorar isso!
Acredito também que o caminho para solucionar o problema da falta de homogeneidade do produto “carne bovina” não é a padronização do sistema de produção de carne, mas sim fazer um trabalho sério quanto a classificação e tipificação, separando adequadamente os diferentes produtos dentro de um frigorífico, destinando-os devidamente para seus respectivos mercados, e disso não temos dúvida, que para tudo que produzimos temos um mercado.
E assim como foi dito, também acredito que o marketing é um forte aliado para entrar em novos mercados, temos um ótimo trabalho feito pelo SIC e Abiec, que sempre estão divulgando a carne brasileira. E um trabalho de estudo de mercado é de suma importância, pois temos que deter desde os pequenos e menos exigentes até os grandes com listas intermináveis de exigências, pois não podemos esquecer que nosso boi não é só contrafilé, filé mignon e picanha, tem muita coisa boa além disso!
Deixo um grande abraço e mais uma vez meus cumprimentos pelo belo artigo e pelo entusiasmo contagiante de sempre por gerar discussões tão interessantes.
Belissimo artigo. Parabens!