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O setor público e o apoio à agropecuária

Por Xico Graziano 1

1. O Estado brasileiro não dispõe de um Ministério da Agricultura à altura de seus modernos desafios no campo da agropecuária. O Ministério é marginal no processo de tomada de decisões de governo. Sua fraqueza reflete o fato de que a política agrícola continua considerada à margem, distante, da política econômica. Em decorrência, a geração de empregos, a renda agregada no interior, as divisas de exportações, variáveis fundamentais, são excluídas da política macroeconômica. Que ninguém duvide: a valorização do câmbio está provocando um efeito arrasador na agropecuária, inviabilizando a manutenção e expansão das novas fronteiras do desenvolvimento brasileiro.

2. O processo de interiorização do desenvolvimento brasileiro, puxado nos últimos 15 anos pelos agronegócios, exige formulação própria da política de Estado, com investimentos em infra-estrutura (energia, comunicações, armazenamento, etc), logística de transporte (ferrovias, hidrovias e rodovias) e geração de tecnologia adaptada. Somente assim será o país capaz de se aproveitar da chance histórica, que pela primeira vez oferece a possibilidade de progresso nas fronteiras do cerrado, da baixa Amazônia e do interior nordestino. Seja na produção de proteína, seja na agricultura energética, os mercados globais favorecem de forma inusitada o progresso no interior do Brasil.

3. O Ministério da Agricultura não dispõe de nenhuma autonomia para tratar dos assuntos econômicos, sempre dependendo de decisões “superiores”, como se inferior fossem os problemas do desenvolvimento relacionados com a agropecuária. Nem mesmo o financiamento rural, nos limites evidentemente orçamentários, é comandado pela Pasta, em tudo dependendo do Ministério da Fazenda e de resoluções do CMN-Conselho Monetário Nacional. Resulta enorme lerdeza no atendimento das demandas do setor. Semelhante situação se verifica na área do comércio externo, onde a inoperância do Ministério da Agricultura é total.

4. No jogo interno das cadeias produtivas ligadas à agropecuária, a presença de fortes oligopólios, seja na venda de tecnologia, seja na compra e processamento da produção, acaba espremendo a renda do produtor rural, o elo fraco da cadeia produtiva. O agricultor é “tomador” de preços, enquanto que seus parceiros na esfera da produção trabalham com “margens” controladas. Dependendo das condições do mercado, o agricultor entra no prejuízo, mesmo trabalhando com boa produtividade e custos reduzidos. Na microeconomia ele vai bem, na macroeconomia ele se ferra.

5. O cooperativismo e a organização setorial conseguem apenas em parte contrapor esse jogo de interesses, próprio da economia moderna. Aos particulares cabe fazer melhor sua “lição de casa” e aprender a melhor negociar, antes e depois da porteira da fazenda. Compete ao Estado, todavia, implementar políticas que protejam a renda dos agricultores, especialmente os de menor porte, preservando o emprego no campo. Deixadas operar livremente, as livres forças do mercado acabarão por destruir boa parcela dos produtores rurais.

6. Certos casos de competição nas cadeias produtivas da agropecuária configuram cartelização do mercado, crime contra a ordem econômica tratado no âmbito do CADE- Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência, ligado ao Ministério da Justiça. Recentemente tal ocorre com a pecuária bovina, na sua relação com frigoríficos, e na citricultura, com esmagadoras de laranja. Tais processos se arrastam com participação apenas acessória do Ministério da Agricultura.

7. Proposta formulada pela Comissão de Agricultura, da Câmara dos Deputados, transformada em projeto-de-lei (PL 6855/06), sugere a reformulação do atual e inoperante CNPA – Conselho Nacional de Política Agrícola, substituindo-o pela CONAGRO – Comissão Nacional da Agropecuária, um órgão deliberativo, enxuto, de representação paritária, visando promover o entrosamento e a efetiva parceria entre o setor privado e público.

8. Propõe ainda, de forma inovadora, a criação do TACA – Tribunal Administrativo de Controvérsias do Agronegócio, com funções de arbitrar conflitos entre setores público e particular, ou entre particulares quando afetados por norma pública. O Tribunal, formulado nos moldes dos órgão de controvérsias da OMC- Organização Mundial do Comércio, será a porta de entrada das demandas que afetam os agricultores e, de forma expedita, o canal de encaminhamento de soluções para suas, às vezes, infindáveis reclamações.

9. A maior lacuna na política de Estado para a agropecuária reside na falta do Seguro Rural. Ao contrário de todas as grandes Nações, no Brasil o agricultor corre por conta própria os riscos da atividade rural, sem mecanismos adequados e modernos de proteção de sua renda. A não-privatização do IRB- Instituto de Resseguros do Brasil, enclave político de grupos contumazes em assaltar os cofres públicos, atrasa indefinidamente a criação de efetiva política de seguro rural, que não atrai fundos suficientes e continua onerosa para os agricultores. A fórmula é simples: cabe ao poder público subsidiar o prêmio do seguro rural aos produtores. É melhor aplicar dinheiro antes, no seguro da safra que, depois, arcar com a conta do endividamento rural.

10. Na geração de conhecimento, os investimentos em Ciência e Tecnologia agropecuária continuam restritos, padecendo a EMBRAPA de reforço institucional. Em verdade, todo o sistema brasileiro de pesquisa agropecuária, formado pelos órgãos estaduais e Universidades de Ciências Agrárias, se encontra desconectado e carente. Na prospecção da biotecnologia, tarda a funcionar a CTNBio, paralisada devido aos vetos presidenciais que exigem maioria absoluta para decisões elementares sobre liberação de pesquisas. O Brasil está perdendo terreno na competição global, face aos fortíssimos investimentos em biotecnologia e engenharia genética aplicados por concorrentes como a China, Índia, Cuba, Austrália, Canadá, Argentina, sem falar nos EUA e nos países da EU.

11. A certificação da qualidade dos produtos agropecuários não recebe a atenção que merece, ainda mais considerando a competição mundial. O recente episódio da aftosa no rebanho bovino foi a ponta do iceberg, mostrando que o sistema nacional de defesa agropecuária está obsoleto. Os sistemas estaduais não se entendem com o nacional, laboratórios encontram-se desestruturados, dependendo de ajuda privada para funcionar. Na rastreabilidade bovina, a indecisão governamental ameaça perder mercados mais exigentes da EU. Gripe aviária passou a ser assunto da saúde. Garantir a sanidade de plantas e animais é tarefa relevante e moderna do Estado, juntamente com as empresas do setor.

12. Como se não bastasse a fraqueza institucional do Ministério da Agricultura para enfrentar os desafios da agropecuária nacional, verifica-se uma inaceitável divisão no aparelho de Estado, que compõe outro Ministério para o chamado “desenvolvimento agrário”. Inadvertidamente, provoca-se uma distinção entre os “agronegócios” e a “agricultura familiar”, o primeiro tratado com assunto dos grandes produtores rurais, vinculados à exportação, e o segundo como interessado aos pequenos agricultores e ao abastecimento alimentar interno. Nada mais falso. Milhares de agricultores familiares se aglutinam em cooperativas (no café, na soja) e participam do mundo dos agronegócios, seja vendendo aqui dentro seja exportando para o mundo. Só não pratica “agronegócio” quem produz para si, ou seja, os agricultores de subsistência.

13. A verdadeira política agrícola deve assegurar que os pequenos e médios produtores rurais se capitalizem, tornem-se empreendedores, melhorem a tecnologia e a produtividade, agreguem valor aos seus produtos, enfim, que cresçam na vida através dos negócios que possam realizar. Incluem-se aqui as milhares de famílias assentadas em projetos de reforma agrária, que vivem miseravelmente em seus lotes. A tarefa do Estado será conectá-las ao mercado, promovendo sua integração sócio-econômica e seu aprimoramento tecnológico. Consolidar a reforma agrária já executada, dando-lhe qualidade, é prioritário a fazer novos assentamentos.

14. Outros ramos, que nos demais países por tradição pertencem ao Ministério da Agricultura, encontram-se no Brasil gerenciados por estruturas distanciadas. Assim ocorre na Secretaria Especial da Pesca e Aqüicultura, transformada em Ministério para agradar ao amigo do poder, quando deveria compor uma Secretaria do Ministério da Agricultura, unificando as políticas de apoio aos produtores de pescado. Tal separação se verifica também na gestão de florestas plantadas, que se dá no âmbito do Ministério do Meio Ambiente, confundindo a produção florestal com a preservação ambiental. O meio ambiente deve caminhar junto com a produção, configurando o desenvolvimento rural sustentável.

Idéias básicas apresentadas por Xico Graziano no seminário Renovar Idéias: O Futuro da Agropecuária no Brasil, com o tema: O setor público e o apoio à agropecuária, promovido pelo ITV/PSDB em 17/04/06 em Cuiabá/MT.

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1 Xico Graziano, agrônomo, foi presidente do Incra (1995) e secretário da Agricultura de São Paulo (1996-98).

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