O treinamento dos funcionários de plantas frigoríficas melhora a eficiência do processo de insensibilização de bovinos de corte

É cada vez maior a conscientização sobre a necessidade do bem-estar em animais de produção, com ênfase na forma de abate, caracterizando-o como abate humanitário. Uma estratégia almejando a melhoria do abate está na implantação de programas de treinamento em manejo racional.

Por José Rodolfo Panim Ciocca, Patrícia Cruz Barbalho, Julia Eumira Gomes Neves, Gerusa Naves, Victor Abreu de Lima, Mateus J.R. Paranhos da Costa¹

É cada vez maior a conscientização sobre a necessidade do bem-estar em animais de produção, com ênfase na forma de abate, caracterizando-o como abate humanitário. Uma estratégia almejando a melhoria do abate está na implantação de programas de treinamento em manejo racional.

Segundo ROÇA (1999), abate humanitário pode ser definido como o conjunto de procedimentos técnicos e científicos que garantem o bem-estar dos animais desde o embarque na propriedade rural até a operação de sangria no frigorífico. Os métodos convencionais de abate de bovinos envolvem a operação de insensibilização antes da sangria, com exceção dos abates realizados conforme os rituais judaicos ou islâmicos (CORTESI, 1994).

O atordoamento ou a insensibilização pode ser considerado a primeira e a mais crítica operação do abate propriamente dito. O processo consiste em colocar o animal em um estado de inconsciência, que perdure até o fim da sangria, não causando sofrimento desnecessário e promovendo uma sangria tão completa quanto possível (GIL & DURÃO, 1985).

A eficácia do atordoamento é de extrema importância uma vez que as exigências das auditorias em relação ao bem-estar no manejo pré-abate estão cada vez mais rigorosas para que então a carne possa ser exportada.

Segundo os padrões de AMI (American Meat Institute), frigoríficos que apresentarem eficácia no atordoamento menor que 95%, são automaticamente desclassificados para aquele comprador que exige esse tipo de controle de qualidade.

O método mais utilizado de atordoamento, em frigoríficos autorizados com alguma certificação, é a pistola pneumática, a qual produz uma grave laceração encefálica promovendo inconsciência rápida do animal e pode ser considerado um método eficiente de abate de bovinos (ROÇA, 1999). Porém, se sua utilização for inadequada, resultando em mais de um disparo para levar o animal à inconsciência, há prejuízos ao bem-estar do animal, que sente dor e tem seu nível de estresse aumentado, o que pode causar queda na qualidade da carne.

O tipo de Box de atordoamento também é um fator fundamental para que a eficácia pretendida seja alcançada, pois com uma correta imobilização do animal, o trabalho do atordoador é facilitado e conseqüentemente a eficácia do atordoamento é melhorada (Figura 1).


Figura 1: Box de atordoamento com correta imobilização do animal.

Após a insensibilização, o animal desliza sobre a grade tubular da área de vômito e é suspenso ao trilho aéreo por um membro posterior, com o auxílio de um gancho e uma roldana. Nesse local e também na canaleta de sangria deve ser observada a eficiência da insensibilização. Os sinais de uma insensibilização deficiente são: vocalizações, reflexos oculares presentes (piscar), movimentos oculares, contração dos membros dianteiros e respiração rítmica. Em geral considera-se o seguinte critério para análise do processo de insensibilização em bovinos (GRANDIN, 2000):

– Excelente: menos que 1 por 1.000 de animais insensibilizados parcialmente.

– Aceitável: menos que 1 por 500 de animais insensibilizados parcialmente.

Conforme a necessidade da eficiência do atordoamento para promover uma excelente insensibilização, alguns trabalhos foram realizados pelo Grupo ETCO da Unesp-Jaboticabal, com o objetivo de avaliar o efeito do treinamento em manejo racional e bem-estar de bovinos sobre o desenvolvimento no processo de atordoamento, prévio ao abate de bovinos.

Foram avaliadas plantas frigoríficas, sendo que em cada uma das plantas os procedimentos foram realizados pelas mesmas pessoas, utilizando os mesmos equipamentos. As observações foram realizadas de forma direta e contínua, acompanhando a rotina normal de trabalho de cada planta.

Neste estudo foi avaliada a eficácia do atordoamento, medida pela porcentagem de animais atordoados com apenas um disparo da pistola pneumática. Esta prática é descrita como um indicador de bem-estar animal em plantas frigoríficas por Grandin (1998). O treinamento trouxe melhoria da qualidade do serviço (eficiência do atordoamento) e conseqüentemente no bem-estar dos animais (Figura 2).


Figura 2: Porcentagem de animais atordoados com um único disparo da pistola pneumática antes e após o treinamento

Um outro critério analisado foi quanto à eficácia do treinamento no processo de atordoamento de bovinos para o abate através da avaliação do número de animais insensíveis logo após o atordoamento. Os resultados mostraram que o treinamento promoveu uma tendência de aumento de animais insensíveis no momento da sangria (Figura 3), com exceção de uma planta, por problemas com equipamentos (baixa pressão na pistola pneumática).


Figura 3: Porcentagem de animais insensibilizados antes e após o treinamento

Logo, os propósitos do treinamento foram conscientizar os colaboradores sobre a importância de ter atenção ao bem-estar animal e desenvolver habilidades de manejo, de forma a minimizar estresse e sofrimento. Com isto, para melhorar a realização de um serviço, e neste caso o bem-estar animal, além de treinar pessoas, é imprescindível fornecer os recursos necessários para o bom desenvolvimento do trabalho.

Bibliografia consultada

– BARBALHO, P. C., PARANHOS DA COSTA, M. J. R., O treinamento dos funcionários de plantas frigoríficas melhora a eficiência do processo de atordoamento de bovinos., Anais I Congresso Internacional de Conceitos em Bem-estar Animal, Rio de Janeiro-RJ, 2006.

– CIOCCA, J. R., PARANHOS DA COSTA, M. J. R., Programas de treinamento em bem-estar animal: Efeitos na insensibilidade de bovinos logo após o atordoamento, Anais I Congresso Internacional de Conceitos em Bem-estar Animal, Rio de Janeiro-RJ, 2006.

– GIL, J.I., DURÃO, J.C. Manual de inspeção sanitária de carnes. Lisboa: Fundação Caloustre Gulbenkian, 1985. 563p.

– CORTESI, M.L. Slaughterhouses and humane treatment. Revue Scientifique et Tecnnique Office International des Epizooties, v.13, n.1, p.171-193, 1994.

– GRANDIN, T. Assessment of stress during handling and transport. Journal of Animal Science, Champaing, v.75, p.249-257, 1997. Internet: http://www.grandin.com/references/handle.stress.html . 2000. 13p

– MUCCIOLO, P. Carnes: estabelecimentos de matança e de industrialização. São Paulo:Íncone, 1985. 102p.

– ROÇA, R.O. Abate humanitário: o ritual kasher e os métodos de insensibilização de bovinos. Botucatu: FCA/UNESP, 1999. 232p. Tese (Livre-docência em Tecnologia dos Produtos de Origem Animal) – Universidade Estadual Paulista.

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¹Grupo ETCO – Grupo de Estudos e Pesquisas em Etologia e Ecologia Animal, Departamento de Zootecnia, FCAV-UNESP, 14884-900, Jaboticabal-SP, Brasil.

6 Comments

  1. Adriano da Silva Gomes disse:

    Tive uma matéria no curso técnico em agropecuária pela EAFMUZ, que focava esse assunto, etologia, os resultados apresentados pelos estudos, foram excelentes na prática do manejo do gado leiteiro, resultando em maior produtividade, apenas com uma mudança de comportamento dos humanos para com os animais, isso mostra que os animais apresentam comportamento igual aos dos seres humanos, por tanto devem ser tratados com respeito e mansidão.

  2. Rodrigo Bisco Ward disse:

    Posso afirmar que através da implantação do manejo racional tivemos uma melhora imediata nas condições de trabalho e da qualidade do produto(carne).

    É um fato que o nos dias de hoje todos nós da cadeia produtora de carne temos que buscar soluções que melhorem tanto a qualidade do trabalhador quanto a do produto.

    Com mudanças aparentemente simples de comportamento podemos atingir patamares que com certeza vão nos igualar aos padrões exigidos pelo mercado externo.

  3. Tereza de Castro Guinart disse:

    É preciso que o funcionário tenha consciência que precisa ser treinado para melhorar, e que os animais não podem sofrer durante o abate.

    É dificil convencer o homem desse fator, porém o treinamento é o caminho mais eficaz para isso.

  4. José Rodolfo Panim Ciocca disse:

    Obrigado, Rodrigo Bisco Ward pelo comentário. Isto faz com que nos estimule cada vez mais com nosso trabalho.

  5. Adalberto Macedo disse:

    Com a evolução natural dos mercados consumidores de carne, o manejo racional durante a cria, recria e engorda do gado será cada vez mais presente nas propriedades criadoras e a forma de abate humanitário, aliado as boas práticas de produção nas unidades frigoríficas, garante ao Brasil um nível de qualidade primordial não apenas em carne bovina, com também carne suína e de frangos.

    O constante aprimoramento e capacitação dos colaboradores e de todos que participam de alguma forma da cadeia produtiva da carne é algo natural e irreversível.

  6. Samuel Mercês disse:

    Gostaria de saber o valor de cada box desses que estão sendo mostrado nas figuras;
    Trabalho atualmente em um matadouro e frigorífico, sou Téc. em Segurança e estamos sempre procurando nos adequar, até por que com esse surgimento da NR-37, teremos que fazer umas real transformação nos nossos setores.

    Sem mais,
    Samuel Mercês!

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