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Opções para hidrólise de cana-de-açúcar

Por Lucas José Mari1 e Luiz Gustavo Nussio2

1. Introdução

A grande adoção da cana-de-açúcar como forma de volumoso suplementar para a seca baseia-se na facilidade e tradição de cultivo e, sobretudo, por constituir-se em opção competitiva quando comparada às outras fontes de volumosos. Em simulações de sistemas de produção animal (Nussio et al., 2000; Nussio et al., 2002) a cana-de-açúcar vem prevalecendo como uma das opções mais interessantes para minimização do custo de rações e do produto animal e maximização da projeção de receita líquida da atividade. Além disso, os principais pontos que justificam a utilização da cana-de-açúcar na alimentação de ruminantes são:

    1. Simplicidade operacional para a manutenção e a condução da cultura;
    2. Pico de produção e do valor nutritivo coincidente com o período de escassez de forragens;
    3. Manutenção do valor nutritivo por longo espaço de tempo após a cana-de-açúcar atingir a sua maturidade;
    4. Grande desenvolvimento de tecnologia para cultivo e melhoramento genético devido à produção de açúcar e álcool.

2. Métodos de tratamento hidrolítico

Foram desenvolvidos tratamentos biológicos, físicos e químicos para utilização em resíduos de palhadas e forragens com a finalidade de melhorar a composição química e promover conseqüente aumento na digestibilidade e consumo pelos ruminantes. A eficiência dessas estratégias de tratamentos são variáveis, sendo o processo biológico o menos eficiente, havendo eficiência intermediária para os processos físicos e químicos.

2.1. Tratamento biológico

Trata-se de fungos, bactérias ou suas enzimas utilizadas para decomposição da lignina de qualquer que seja o substrato, podendo se constituir de palhadas, bagaço ou mesmo a cana-de-açúcar in natura.

Em trabalho realizado na década de 80, Vitti et al. (1985), utilizaram um produto comercial contendo bagaço de cana, 0,5% de uréia, 2,25% de melaço e uma mistura biológica de fungos e bactérias, que permanecia em fermentação durante oito horas, sendo observado aumento da digestibilidade de 21,98% para 31,92% quando comparado ao material que não recebeu as culturas de microrganismos. Entretanto, em outro trabalho seguindo a mesma linha, D´Arce et al. (1985) concluíram que o mesmo produto comercial nada diferiu do bagaço de cana-de-açúcar que lhe deu origem, apresentando, portanto, as restrições econômicas já conhecidas para a alimentação de ruminantes.

2.2. Tratamento físico

Foi utilizado no tratamento do bagaço de cana-de-açúcar com pressão e vapor, muito difundido na década de 80 e surgiu como uma nova opção para alimentação animal, entretanto, hoje em dia esse processo tem sido pouco utilizado em virtude do custo de oportunidade do bagaço na co-geração de energia.

O método consiste na aplicação de alta pressão de vapor por um determinado tempo. Vários trabalhos de pesquisa foram conduzidos visando otimizar essa pressão e tempo de tratamento. Em trabalho realizado por Burgi (1985) o autor verificou que a otimização da pressão aplicada e tempo de aplicação da mesma ocorreu com o nível de 17 kg/cm2, durante 5 minutos.

As principais modificações referem-se às alterações na fração da hemicelulose e ao aumento no teor de compostos fenólicos e carboidratos solúveis.

De acordo com Gutmanis (1987), no processo físico ao se submeter o bagaço de cana-de-açúcar ao vapor sob pressão ocorrerá, por ação da água, o intumescimento da matriz da parede celular. Por ação do aumento da temperatura, alguns pontos terminais da estrutura ramificada da hemicelulose sofrerão hidrólise gerando ácido acético, também capaz de provocar o intumescimento intercristalino. Paralelamente, ocorrerá a hidrólise da parte mais amorfa da celulose e da hemicelulose, produzindo açúcares redutores. Após abrupta descompressão da massa, parte do vapor condensado se vaporizará, mesmo dentro da fibra, o que provocará dilatação da mesma. As fibras tratadas desta forma são muito mais permeáveis e susceptíveis à degradação no rúmen. Porém este tratamento não pode ser drástico a ponto de se produzir, por reações secundárias, furfural e compostos fenólicos em quantidades suficientes para se inibir a flora do rúmen.

Segundo Burgi (1986) a aplicação do processo físico de hidrólise requer o uso de autoclave e disponibilidade de vapor sob pressão o que onera sua utilização direta pelo produtor, sendo próprio para utilização junto às usinas e destilarias associadas, onde se dispõe de vapor a baixo custo.

2.3 Tratamento químico

É comum a utilização de agentes alcalinos para melhorar a digestibilidade de alimentos volumosos de baixo valor nutritivo. Esses compostos químicos, hidróxido de sódio (soda cáustica – NaOH), hidróxido de cálcio [Ca(OH)2], amônia anidra (NH3) e, mais recentemente, óxido de cálcio (cal virgem – CaO), são utilizados em resíduos agrícolas como palhadas, sabugos de milho e bagaço de cana-de-açúcar. Esses agentes atuam solubilizando parcialmente a hemicelulose, promovem o fenômeno conhecido como “intumescimento alcalino da celulose”, que consiste na expansão das moléculas de celulose, causando a ruptura das ligações intermoleculares das pontes de hidrogênio, as quais, segundo Jackson (1977), conferem a cristalinidade da celulose, além de promoverem o aumento na digestão da celulose e hemicelulose. De acordo com Klopfenstein (1980) o teor de lignina normalmente não é alterado pelo tratamento químico, mas a ação desse tratamento leva ao aumento da taxa de digestão da fibra, provavelmente devido às quebras das ligações entre as frações celulose e hemicelulose.

A utilização de 4 a 5% de NaOH em relação à matéria seca dos volumosos elevou a digestibilidade in vitro da MS da palhada de cevada e de sabugo de milho, entretanto, o mesmo efeito não foi verificado em ensaios de digestibilidade in vivo (Berger et al., 1979). Embora a literatura apresente grande diversidade de respostas ao uso do NaOH, os dados obtidos no Departamento de Zootecnia da USP/ESALQ com a utilização do tratamento de cana-de-açúcar com NaOH mostraram não haver diferenças na utilização do produto no intuito de elevar a digestibilidade e melhorar o desempenho animal de bovinos alimentados com ração contendo esse volumoso tratado quando comparado aos que receberam a cana-de-açúcar sem o tratamento. Uma das justificativas para essa observação seria o tamanho de partícula da cana-de-açúcar após o corte. Para que a soda cáustica promovesse alterações positivas na cana-de-açúcar o tamanho médio das partículas deveria ser inferior a 8 mm, objetivo difícil de ser alcançado em virtude da indisponibilidade de equipamentos com precisão de corte para obtenção de partículas inferiores a tal medida.

Normalmente a recomendação para a utilização de soda cáustica como agente hidrolisante seria em torno de 3% da MS tanto para o bagaço de cana-de-açúcar, como para a forragem in natura. Entretanto, cuidado especial na aplicação deve ser tomado quando utilizado esse tipo de produto, uma vez que comumente pode ser observada intoxicação da vias respiratórias de indivíduos que fazem a aplicação do produto, além de constantemente haver notícias de lesões epiteliais dos mesmos. Por isso, e somado ao fato do nível de sódio (Na) na dieta dos animais elevar-se em demasia, a utilização desse produto tem sofrido sérias restrições.

Com vistas ao exposto, tem sido sugerida a utilização da cal virgem ou óxido de cálcio (CaO) e o hidróxido de cálcio como agentes oxidantes para a hidrólise da cana-de-açúcar. Entretanto, os resultados científicos de tais técnicas são escassos, havendo recomendações baseadas em experiências de campo e observações empíricas.

A adição da cal virgem pode melhorar, segundo Silva et al. (2004), a digestibilidade do bagaço, por exemplo, de 35 para 60%. Para tanto recomenda-se a aplicação de 100 L de uma solução a 3% de cal virgem para cada 125 kg de bagaço de cana-de-açúcar picado. A composição química do bagaço de cana-de-açúcar tratado está apresentada na Tabela 1. Caso o material seja a cana-de-açúcar a dosagem pode ser de 1 kg de cal dissolvido em 40 L de água e, poderá ser misturado em 100 kg de cana-de-açúcar in natura. Depois de tratado o material poderá ser usado após 48 horas de fermentação.


Deve-se ressaltar que tais informações merecem investigações científicas para sua definição e adoção e que esses métodos poderão criar dificuldades com o destino da solução aquosa utilizada, uma vez que nem toda a água será absorvida pelo material, havendo o inconveniente do descarte dessa solução que poderia se comportar como agente contaminante. Também, a grande quantidade de água sugerida certamente causaria dificuldade operacional de manejo. Uma possibilidade para se melhorar a técnica exposta acima, seria diminuir a proporção de água no método e, se necessário, esperar por um tempo de hidrólise maior antes do fornecimento aos ruminantes.

Na técnica da hidrólise através do tratamento com hidróxido de cálcio é necessária uma maior quantidade e um tempo de ação do produto mais prolongado para que as reações sejam de eficiências semelhantes ao tratamento com hidróxido de sódio, pelo fato do primeiro não ser tão cáustico como o último. Além disso, o íon Ca++ não é metabolizado da mesma maneira que o Na+, por isso, níveis elevados de hidróxido de cálcio podem não ser tão preocupantes como de NaOH. A dosagem recomendada seria de 40-50g Ca(OH)2 para cada kg de MS, sendo necessária umidade do material maior que 40%, para que a reação possa ocorrer.

Comentários

O processo de hidrólise do bagaço ou mesmo da cana-de-açúcar in natura deve ser analisado com critério, sobretudo no que diz respeito ao custo e riscos dessa tecnologia. São necessários resultados técnico-científicos para definir a recomendação da técnica de hidrólise química com o óxido e o hidróxido de cálcio.

Literatura consultada
BERGER, L.; KLOPFENSTEIN, T.; BRITTON, R. Effects of sodium hydroxide on efficiency of rumen digestion. Journal of Animal Science, v.49, p.1317-1327, 1979.
BURGI, R. Produção de bagaço de cana-de-açúcar auto-hidrolisado e avaliação do seu valor nutritivo para ruminantes. Piracicaba, 1985. Dissertação (Mestrado) – Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo.
BURGI, R. Utilização de resíduos agro-industriais na alimentação de ruminantes. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE PASTAGENS, Piracicaba, 1986. Anais. Piracicaba: FEALQ, 1986. p.101-117.
D´ARCE, R.D. et al. Avaliação do valor nutritivo de bagaço de cana-de-açúcar tratado biologicamente. Revista da Agricultura, v.60, n.1, p.17-24, 1985.
GUTMANIS, D. Utilização do bagaço auto-hidrolisado na alimentação de bovinos. Piracicaba, 1987. 45p. Seminário (Pós-graduação em Nutrição Animal e Pastagens) – Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo.
JACKSON, M.G. The alkali treatments of straws. Animal Feed Science and Technology, v.2, n.2, p.105-130, 1977.
KLOPFENSTEIN, T. Increasing the nutritive value of crop residues by chemical treatment. In: HUBER, J.T. (Ed.). Upgrading residues and by-products for animals. Boca Raton: CRC Press, 1980. p.40-60.
NUSSIO, L.G.; LIMA, L.G.; MATTOS, W.R.S. Alimentos volumosos para o período da seca. In: SIMPÓSIO SOBRE MANEJO E NUTRIÇÃO DE GADO DE LEITE, 1., Goiânia, 2000. Anais. Goiânia: CBNA, 2000. p.85-100.
NUSSIO, L.G.; CAMPOS, F.P.; PAZIANI, S.F. et al. Volumosos suplementares – estratégias de decisão e utilização. In: EVANGELISTA, A.R. et al. (Ed.). Forragicultura e pastagens – temas em evidência. Lavras: Editora UFLA, 2002. p.193-232.
SILVA, V.M. da; PEREIRA, V.L.A.; LIMA, G.S. de. Produção, conservação e utilização de alimentos para caprinos e ovinos. http://www.ipa.br/OUTR/CAPR/teproag.htm (25 fev. 2004).
VITTI, D.M.S.S. et al. Tratamento químico, físico e biológico do bagaço de cana-de-açúcar. Comunicado Científico da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo, v.9, n.2, p.139-142, 1985.
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1Médico Veterinário, Mestre em “Ciência Animal e Pastagens” – USP/ESALQ
2Professor do Departamento de Zootecnia – USP/ESALQ

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