A Polícia Federal (PF) prendeu nesta sexta-feira o empresário sócio do grupo J&F Joesley Batista, em investigação que apura a atuação de uma suposta organização criminosa na Câmara dos Deputados e no Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA). Também foram presos o vice-governador de Minas Gerais, Antonio Andrade (MDB), o ex-ministro da Agricultura Neri Geller (PP-MT), eleito deputado federal no pleito deste ano, e o deputado estadual João Magalhães (MDB-MG).
Edinho Silva, tesoureiro da campanha de reeleição da então presidente Dilma Rousseff (PT) em 2014 e atual prefeito de Araraquara (SP), foi também um dos alvos da operação. Agentes da PF estiveram na residência de Silva pela manhã para cumprir mandado de busca e apreensão.
A Operação Capitu, um desdobramento da Lava-Jato, cumpre 63 mandados de busca e apreensão e 19 de prisão temporária, na investigação de suposto pagamento de propina pelo grupo J&F, entre 2014 e 2015, a um grupo liderado pelo então deputado federal pelo MDB do Rio de Janeiro, Eduardo Cunha. As ações ocorreram em São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Paraíba e no Distrito Federal.
Houve ainda a prisão do ex-executivo da J&F Ricardo Saud e de Demilton Antonio de Castro, também do grupo, além de Mateus de Moura Lima Gomes, que foi vice-presidente da estatal mineira de energia elétrica, Cemig. Ele estaria tentando se desfazer de dinheiro supostamente obtido ilicitamente, jogando notas no vaso sanitário, quando os agentes da Polícia Federal foram à sua residência.
Eduardo Cunha, de acordo com as investigações, exigiu R$ 30 milhões do grupo de Joesley em troca de medidas e normas que beneficiariam a empresa. Antônio Andrade foi ministro da Agricultura durante parte do período em que o esquema teria funcionado.
A PF aponta que dos R$ 30 milhões, R$ 15 teria ido para Andrade, então presidente do MDB mineiro. Os recursos, segundo as investigações, teriam sido usados para ajudar a bancar campanhas de deputados federais emedebistas mineiros em 2014 e para garantir o apoio deles à eleição de Cunha à presidência da Câmara federal.
Redes de supermercados, segundo a PF, também teriam integrado a engrenagem de lavagem de dinheiro oriundo do esquema, repassando aos destinatários finais os valores ilícitos em dinheiro vivo e em contribuições
“oficiais” de campanha. O total de doações “oficiais” feitas por empresas vinculadas e administradas por um empresário do ramo de supermercados nas eleições de 2014 totalizou cerca de R$ 8,5 milhões, segundo a investigação.
Os supermercados, de acordo com a apuração da PF, compravam produtos da J&F e eram orientados pela própria empresa a pagar parte do que devia a ela diretamente ao esquema envolvendo os políticos mineiros do MDB.
O dinheiro teria sido repassado “por meio de simulação de recebimento de duplicatas pela grande empresa de processamento de proteína animal e pela transferência financeira a seis escritórios de advocacia por serviços, supostamente não realizados, acobertados por contratos simulados e notas fiscais de tais escritórios”.
De acordo com fontes da PF, duas grandes redes supermercadistas de Minas Gerais, o Supermercados BH e o EPA, estariam entre os alvos da operação. O Valor ainda não conseguiu contato com representantes dos dois supermercados.
Contexto
A PF instaurou um inquérito policial em maio, baseado em declarações prestadas pelo doleiro e delator Lúcio Bolonha Funaro, sobre supostos pagamentos de propina a servidores públicos e agentes políticos que atuavam direta ou indiretamente no MAPA em 2014 e 2015. Foi descoberto que uma organização criminosa atuaria na Câmara dos Deputados e no MAPA, integrada por empresários e executivos da J&F, segundo as investigações.
A JBS, empresa do grupo J&F, dependia de normatizações e licenciamentos do MAPA e teria passado a pagar propina a funcionários do alto escalão do ministério em troca de atos de ofício, “que proporcionariam ao grupo a eliminação da concorrência e de entraves à atividade econômica, possibilitando a constituição de um monopólio de mercado”, afirma a PF.
As supostas propinas eram negociadas, geralmente, com um deputado federal e entregues aos agentes políticos e servidores do MAPA por Lúcio Funaro, de acordo com o inquérito.
Entre os atos de ofício praticados pelos servidores do ministério, destacam- se a expedição de atos normativos, determinando a regulamentação da exportação de despojos; a proibição do uso da ivermectina de longa duração; e a federalização das inspeções de frigoríficos.
O grupo empresarial teria pago R$ 2 milhões pela regulamentação da exportação de despojos e R$ 5 milhões pela proibição do uso da ivermectina de longa duração, conforme a investigação. Um deputado federal da Paraíba à época dos fatos teria recebido R$ 50 mil do grupo como contrapartida, em decorrência da tentativa de promover a federalização das inspeções sanitárias de frigoríficos por meio de uma emenda, cujo objeto tinha natureza totalmente diversa do escopo da Medida Provisória (MP) 653, de 2014, na qual foi inserida.
O vice-governador de Minas Gerais, Antonio Andrade (MDB), já havia perdido prestígio e poder no governo e no seu partido. O período de maior prestígio político foi quando tornou-se ministro da Agricultura no primeiro mandato do governo Dilma e em sua eleição como vice-governador em 2014 na chapa encabeçada pelo governador Fernando Pimentel (PT).
Andrade havia sido deputado federal e desde 2009 era presidente do MDB mineiro. Foi o principal arquiteto da aliança com o PT na disputa ao governo – um movimento que teve forte influência para a vitória de Pimentel há quatro anos.
O convite de Dilma para ele se tornasse ministro, no início de 2013, foi descrito à época por petistas e emedebistas de Minas Gerais como um passo que fazia parte da costura da aliança eleitoral entre MDB e PT no Estado.
Como vice-governador, Antonio Andrade perdeu prestígio no governo em fins de 2016. Petistas o acusavam de infidelidade a Pimentel. O governador enfrentava forte desgaste por conta das investigações da Operação Acrônimo e Andrade foi acusado de conspirar para assumir o posto de governador. Andrade perdeu influência e cargos no governo. O afastamento foi marcado ainda pelo apoio do emedebista ao impeachment de Dilma.
“Durante as apurações, houve clara comprovação de que empresários e funcionários do grupo investigado — inicialmente atuando em colaboração premiada com a PF — teriam praticado atos de obstrução da Justiça, prejudicando a instrução criminal, com o objetivo de desviar a PF da linha de apuração adequada ao correto esclarecimento dos fatos”, aponta a investigação policial. Daí o nome da operação, “Capitu”, a personagem dissimulada da obra de Machado de Assis, “Dom Casmurro”.
A procuradoria regional da República da 1a Região (PRR-1), segunda instância do Ministério Público Federal (MPF) em Minas Gerais, se manifestou contrariamente aos pedidos de prisões preventivas requeridos pela Polícia Federal (PF) na Operação Capitu. A PF havia requerido prisões preventivas de 18 investigados, mas a desembargadora Monica Sifuentes julgou improcedentes os pedidos.
“Se mostra ilícita a decretação da prisão preventiva como forma de interromper as atividades delituosas por eles supostamente perpetradas, bem como impedir a destruição de provas e intimidação de testemunhas, de maneira a resguardar a ordem pública e a instrução criminal”.
A desembargadora decidiu decretar prisões temporárias, seguindo a manifestação da PRR-
Fonte: Valor Econômico.