Por Helton Perillo Ferreira Leite1
Há um projeto em andamento no Governo Federal brasileiro propondo o aumento dos índices mínimos de produtividade rural para fins de reforma agrária. Em decorrência desta elevação, deve aumentar o estoque de propriedades rurais passíveis de serem desapropriadas por não atingirem tais mínimos. A justificativa seria ajustar os novos índices de produtividade às novas tecnologias de produção. A produtividade é encontrada dividindo a produção pela área ocupada, é uma conta fácil, seria adequada?
Esta deve ser uma análise técnica, objetiva, livre de ideologias e crenças. Vou tentar fazer assim.
Em primeiro lugar devemos lembrar que estamos todos no mesmo barco, grandes e pequenos agricultores, grandes e pequenos pecuaristas, agricultura empresarial e familiar, plantadores de soja e alface, criadores de frango ou de nelore, veterinários e agrônomos, vendedores de adubos e tratores, beneficiadores de arroz e fabricantes de queijo, padeiros e açougueiros, feirantes e donos de supermercados.
Estamos todos no mesmo barco, produzimos comida, madeira, combustíveis, fibras, couro e até flores. Somos os responsáveis por cerca de 40 % das exportações, do PIB e dos empregos brasileiros. Em 2004 o saldo líquido do comércio exterior brasileiro foi de R$ 36,6 bilhões, sendo R$ 34 bilhões o saldo do agronegócio (R$ 39 bi exportados menos R$ 4,8 bi importados) ou 93 % do saldo comercial líquido.
Isto mesmo, 93 % do saldo comercial brasileiro em 2004 foi decorrente do nosso trabalho e apenas 7 % (R$ 2,6 bilhões) foi originário daquela parte da economia brasileira que está fora do agronegócio. Estamos ou não no mesmo barco?
Questiona-se nossa eficiência, mas a produção rural cresceu mais que a população, embora proporcionalmente a população rural tenha diminuído muito: nos anos 70 produzíamos cerca de 611 kg de grãos para cada brasileiro, hoje são 661 kg; antes criávamos 0,67 bovino para cada habitante, hoje já criamos 1,08; nem vamos falar dos frangos, suínos, flores, combustíveis, papéis, etc.
Não existe mais no país um sistema eficiente de divulgação da tecnologia rural. O simples conhecimento da tecnologia não está disponível para todos, o acesso é caro, é preciso pagar. Todos podem?
O projeto, da forma como está sendo divulgado, fará um nivelamento “por cima” dos produtores. Deverão ser exigidas metas mínimas elevadas, algumas muito elevadas, outras muito acima da média regional. Pergunta-se: o produtor rural não tem o direito de não ser tão capaz quanto os melhores da região? Não pode ele ser menos eficiente? O industrial pode, o comerciante pode, o professor pode, o político pode, o médico pode. O produtor rural não? Será que o produtor menos eficiente sobreviverá às exigências atuais do mercado? Não seria aceitável que o próprio mercado decidisse sobre sua permanência? Porque empurrá-lo para fora?
Grande parte da tecnologia que permite altas produtividades só é viável para produções extensivas, em larga escala. Criticadas como antiecológicas ou antinaturais. Aquelas exigências prejudicarão os pequenos produtores, a produção familiar e até os assentados de programas da reforma agrária. Argumentarão que para os pequenos basta o associativismo, o cooperativismo, em grupo eles terão acesso à máquinas mais produtivas (leia-se mais caras) que se tornarão viáveis com seu uso intensivo. Mas deve-se lembrar que as primeiras cooperativas criadas no Brasil foram as de leite, mesmo assim apenas 20% do leite produzido aqui é processado por elas, no resto do mundo isto gira entre 80 e 90%. Lá fora o sistema protege o cooperado e sua cooperativa, aqui ninguém liga. Seria diferente amanhã?
Alta produtividade geralmente implica em alto índice de mecanização, que estimula o desemprego rural. Quanto maior a máquina, menor o uso de mão de obra. Quanto mais sofisticada a tecnologia, maior a exigência em escolaridade. Como estão nossas escolas rurais? Vamos importar mão-de-obra?
Não basta atingir índice de produtividade, é necessário saber sobre lucratividade, sobre viabilidade financeira. Teoricamente é possível obter altíssimas produtividades do milho, da soja ou da vaca. Será isto economicamente interessante? É preciso buscar rentabilidade, lucro. De nada adianta 10 bois por hectare, ou 5.000 kg/ha de soja se não der lucro. E isto é variável ao longo do tempo, os insumos tem seus preços alterados em taxas diferentes dos produtos, assim é possível que uma certa produtividade seja interessante em 2004 e não o seja em 2005. Tudo depende do quanto ela é rentável. Altíssima produtividade não significa alto lucro, em geral muito pelo contrário.
No Brasil existe um sistema de classificação do solo baseado em sua capacidade de uso sustentável, não se trata de modismo ecológico, é um conceito antigo, na agronomia sempre se pensou em conservação do solo. A exigência de altos níveis produtivos nem sempre respeita a capacidade produtiva do solo, ou do ambiente. Para garantir alta produtividade é esperável o uso de mais adubos químicos, de mais agrotóxicos, etc. Seria isto interessante para o ambiente? Seria sustentável para todos solos? Erosão, assoreamento dos rios e enchentes são sintomas do uso intensivo e inadequado do solo.
O solo é uma entidade viva, formado a partir da decomposição das rochas. Incrivelmente velho, é comum solo com alguns milhões de anos. Parte do cerrado brasileiro tem cerca de um bilhão de anos, sim um bilhão, com B de bola. Merece mais respeito, não pode o bicho homem que vive menos de 100 anos decidir sobre a vida desta entidade.
Como ficarão os produtores orgânicos (aqueles que não usam química artificial)? Eles não estão buscando alta produtividade, mas sim alta qualidade do produto e sustentabilidade da produção. Serão eles prejudicados? O boi orgânico ou o boi verde, alimentados a pasto, deverão ter sua alimentação alterada e ficarem suscetíveis à “vaca louca” (vaca louca é uma doença que atinge bovinos alimentados com rações com resíduos animais)? As aves e suínos em alto índice de confinamento também podem ser vulneráveis a novas doenças como a “gripe do frango”. O mesmo se dá com as plantas, quanto maior a exigência em produtividade maior o risco sanitário e maior a necessidade por artificialidades. Transgênicos e clones são tecnologias modernas que tentam aumentar a produtividade.
O caminho correto seria mesmo exigir alta produtividade para todos? A qualquer custo? Ambiental? Sanitário? Econômico? Não haveria outras opções mais adequadas? Alega-se que os índices são antigos, tem cerca de 30 anos, estariam defasados. Será que o método de aferição baseado em rendimento em peso por área também não estaria defasado? Pouco abrangente, não seria por demais simplista?
_____________________________
1Helton Perillo Ferreira Leite, Engenheiro Agrônomo, Lorena/SP
0 Comments
Parabéns pelo artigo Helton; fiquei desanimado quando vi no jornal a proposta absurda de 2.950kg de soja/ha como produtividade mínima para fins de reforma agrária. É só na nossa republiqueta das bananas que isso pode passar pela cabeça de algum burocrata ou, pior, de alguém mal intencionado desse governo. Mas seu artigo trouxe de volta o bom senso necessário a mim e, mais importante, aos formuladores dos “índices de produtividade politizados”, que no mundo, só o Brasil deve ter….
Parabéns ao autor pela lucidez com que embasa o artigo e pela oportunidade de sua divulgação para que possa servir de contraponto nas discussões entre os que devem decidir sobre a aprovação ou não das novas medidas.
Muito bom o artigo.
Perguntaria o seguinte, caso essa lei passe no Congresso, o que acho difícil: o sem terra assentado, estará sujeito aos mesmos índices de produtividade rural?
Parabéns pelo artigo.
Quero acrescentar: Tirar terra que não atinge índices para dar para quem não se identifica com a terra é ainda pior.
Muito interessante e elucidativa a forma que o Sr Helton Leite conduz o artigo sobre os índices de produtividade e dada a importância do assunto, acho relevante como produtor rural erepresentante do Sindicato Rural da Alta Noroeste, Araçatuba, SP, que seja dada ampla divulgação e levar ao debate com a sociedade, inclusive questionando até onde é interessante dar continuidade neste modelo de reforma agrária distributivista, que penaliza o produtor desapropriado e que com altíssimo gasto de dinheiro público traz resultados sociais quase nulos.
Meu caro amigo Helton,
Não podemos esquecer que o modelo de reforma agrária brasileiro não prima pela sua eficiência e nem busca solução para os graves problemas sociais e fundiários.
É coisa para dar satisfação à opinião pública, principalmente internacional. Quem faz reforma agrária dessa forma não pode exigir nenhuma forma de eficiência do campo.
Concordo com seus argumentos, contudo, o que mais me preocupa é a ganância tributária desse governo.
Tenha a certeza de que ele não tem caixa para sair desapropriando terras. O grande risco está em se usar essas produtividades para aumentar a arrecadação, de forma generalizada ou sob a forma de retaliação com desafetos.
Hoje, com a informática e com os parâmetros que se pretende colocar, é muito fácil se estabelecer o que o produtor deveria pagar de imposto para não ter aborrecimento com o Ministério do Desenvolvimento Agrário/MST.
Prezado Helton Perillo,
Muito boa e bastante pertinente sua abordagem a respeito dos índices de produtividade da terra para fins de reforma agrária. Talvez seja mesmo verdade que os índices atuais estejam velhos e ultrapassados.
No entanto, fazer uma revisão de tais índices e das metodologias que os geram não significa, necessariamente, aumentá-los, tendo como única justificativa o aumento do nível tecnológico da agricultura brasileira.
Resido e trabalho em Campo Verde, em uma grande fazenda produtora de soja e algodão, inserida em uma região cujo nível tecnológico é muito elevado. Mas, nem por isso todos os agricultores e pecuaristas daqui são ricos e tecnificados, ou seja, nem todos conseguem os mesmos índices de produtividade.
E isto não pode ser determinante para afirmar que eles não são mais dignos de produzir e de permanecer em suas propriedades. O Brasil, feliz ou infelizmente, ainda dispõe de muita área desocupada, passível da utilização para a reforma agrária, reforma a esta de grande necessidade para o país, mas que precisa de critérios muito bem definidos para acontecer.
Acho que pessoas como você, e como eu, devem ser chamadas à mesa na hora de discutir índices de produtividade e reforma agrária, e que isto não deveria ficar restrito aos legisladores brasileiros, pois muitos deles, se fossem instituídos índices de produtividade do seu trabalho a exemplo do que acontece com a terra, certamente perderiam seus cargos. Seria uma “reforma agrária de cargos políticos”?
Marcelo Augusto Barbosa Figueiredo Alves
Engenheiro Agrônomo
Campo Verde/MT
Prezado conterrâneo Helton F Leite,
Minha cordial visita!
A canoa, realmente, comporta todo setor produtivo do nosso país, penalizado com essa política econômica de arrasa-terra.
Mas o setor agropecuário é o que mais leva cacetadas desse governicho autoritário e perigoso que aí está.
Não dá para entender o descaso dessa gentalha com a área produtiva, que mais tem contribuído com os superavits da balança comercial e criação de empregos nesse país.
O que esse bando quer de verdade, é tentar implantar um governo estatizante aos moldes leninista/stalinista, que só acarretou sofrimentos aos paises da antiga cortina de ferro durante longas décadas.
Portanto, parabenizo-o pela sua análise profunda e correta, sobre os tendenciosos índices de produtividade a serem requeridos, com propósitos escusos contra o setor agropecuário.
Acredito na bancada ruralista do Congresso Nacional, que deverá derrubar mais essa outra coisa canhestra e por sinal, muito vermelha.
Aceite um grande abraço do seu conterrâneo lorenense,
Gilberto Theodoro dos Santos
Excelente artigo.
A questão da produtividade rural e reforma agrária tem sido tratada como dogma religioso e não como estratégia de desenvolvimento.
Está na hora de discutir de verdade os princípios básicos da questão agrária e não simplesmente atualizar índices de significado obscuro .
Se o objetivo do ministro Rosseto fosse aumentar a produtividade rural não haveria nada a fazer: ela já vem aumentando de maneira espetacular.
O objetivo não tão secreto é outro: criar instabilidade no campo e se segurar no emprego por mais algum tempo, apoiado por conhecidas organizações.
Se fosse para tratar do assunto seriamente deveriam ser respondidas todas as perguntas propostas pelo articulista,coisa que parece não interessar a ninguém.
Assim sendo só nos resta encontrar e apoiar representantes políticos que tenham visão clara sobre o tema e que tenham coragem de dizer a verdade publicamente.
Assunto político se trata politicamente.
Eduardo Miori
As cooperativas de leite no Brasil, benefiaciam algo em torno de 40% do leite formal produzido no país, e não apenas 20%, como é citado no artigo (ver recente Censo realizado pela Confederação Brasileira de Cooperativas de Laticínios).