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Os nomes dos bois

A sociedade de consumo possui ferramentas sofisticadas e inteligentes de promover ajustes no mercado em favor da sustentabilidade. A disposição dos consumidores em comprar produtos e serviços sustentáveis já foi amplamente confirmada por pesquisas no Brasil, repetindo um fenômeno que já se consolidou na maioria dos países desenvolvidos. Entender o consumo como um ato político é um sinal de maturidade civilizatória, de respeito à vida e ao próximo.

O Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) considerou insuficientes as informações dadas pelas três maiores redes varejistas do país – Carrefour, Pão de Açúcar e Wal-Mart – a respeito da origem da carne bovina vendida nestes estabelecimentos. Através das respostas enviadas ao Instituto, chegou-se à conclusão de que os supermercados não dispõem hoje de meios seguros e isentos para aferir se a produção de carne causa desmatamento ou explora mão-de-obra escrava ou infantil.

A rastreabilidade da carne é condição fundamental para a redução do desmatamento em uma região onde, de acordo com o IBGE, a população de bois dobrou nos últimos 10 anos, alcançando a marca de 73 milhões de cabeças de gado (três vezes superior à população de brasileiros que vivem na área da Amazônia Legal). Um terço da carne hoje exportada pelo Brasil tem origem na Amazônia.

Considerando que 18% da maior floresta tropical úmida do mundo já foram destruídos, e que a derrubada de árvores na Amazônia para a abertura de novos pastos responde por 80% dessa devastação, o consumidor de carne torna-se, na prática, um avalista dessa tragédia ambiental. A inexistência de carne certificada inviabiliza qualquer tentativa de privilegiar os segmentos do mercado que atuam na legalidade em toda a cadeia produtiva. Os bons pecuaristas têm a reputação abalada pela impunidade dos que atuam na clandestinidade, e tornam-se competitivos apenas porque não recolhem impostos.

Para piorar a situação, a construção de frigoríficos em áreas de floresta vem sendo financiada por bancos oficiais e privados sem qualquer estudo prévio que possa revelar com clareza os impactos ambientais causados pela aplicação desses recursos. Segundo o relatório produzido pela organização não-governamental Amigos da Terra (“O reino do gado – uma nova fase na Pecuarização da Amazônia Brasileira”), “a proliferação de abatedouros, assim como a compra de muitos deles por grandes grupos que os ampliam e equipam, é financiada principalmente com apoio financeiro do BNDES, e em certa medida de bancos multilaterais como o IFC (grupo ligado ao Banco Mundial) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e de bancos comerciais, entre os quais Itaú, Banco do Brasil e Bradesco”.

O que deveria valer para a carne é igualmente importante para os mercados de soja e de madeira. A moratória da soja – renovada recentemente – assegura aos importadores europeus o fornecimento de grãos plantados em áreas onde não houve desmatamentos recentes (de 2006 para cá). Por que não ampliar essa exigência para o mercado interno?

No mercado madeireiro, o exemplo também poderia vir de cima. Toda a madeira bruta ou processada comprada pelos governos (federal, estaduais e municipais) deveria ser certificada, priorizando-se nas licitações públicas os fornecedores que seguem à risca os planos de manejo.

A certificação não está imune à fraude, e qualquer movimento nesta direção demandará novos esforços de fiscalização e controle. Mas é muito bem-vindo o compromisso do Ministério do Meio Ambiente de mobilizar os esforços necessários para identificar a origem desses produtos e dividir com o consumidor a tarefa de proteger a floresta.

A rigor, quando a certificação obtida por meios confiáveis é entendida como algo elementar e referencial nas relações comerciais, todo e qualquer produto ou serviço – não apenas os da Amazônia – são passíveis de algum selo que ateste o cumprimento desse check-list socioambiental. Imóveis, veículos, roupas, eletrodomésticos, tudo o que demanda uso de mão-de-obra, matéria-prima e energia, merece algum tipo de certificação. Entramos no século XXI experimentando uma crise ambiental sem precedentes, com direito à exploração de crianças e escravos em linhas de montagem abomináveis. Quem compra o resultado dessa lógica perversa é responsável por isso.

A sociedade de consumo possui ferramentas sofisticadas e inteligentes de promover ajustes no mercado em favor da sustentabilidade. A disposição dos consumidores em comprar produtos e serviços sustentáveis já foi amplamente confirmada por pesquisas no Brasil, repetindo um fenômeno que já se consolidou na maioria dos países desenvolvidos. Entender o consumo como um ato político é um sinal de maturidade civilizatória, de respeito à vida e ao próximo.

*Este artigo foi publicado no jornal O Globo. O autor recomenda o site www.mundosustentavel.com.br, como fonte de leitura sobre assuntos ligados à sustentabilidade.

0 Comments

  1. Antonio Pereira Lima disse:

    Os supermercados podem afirmar com segurança, que a produção de carne brasileira não causa desmatamento e muito menos explora a mão de obra escrava e infantil.

    Todo desmatamento feito no Brasil tem como primeiro objetivo vender a madeira e não formação de pastagem, primeiro porque a madeira de lei vale mais do que o boi e depois formar pasto não é só derrubar o mato, tem que plantar o capim, fazer a cerca, mangueiro, água, casa para peão e isto tudo pelos preços que estão sendo ofertados as fazendas de pecuária no Brasil é melhor comprar tudo pronto porque com certeza é mais barato.

    Com relação à exploração infantil os centros urbanos exploram sim as crianças, obrigando-as ao trabalho de mais de doze horas por dia, para o bel prazer dos seus pais, para se tornarem ginastas, manequins, atores ou atrizes, passando vontades se privando de uma infância normal e outros.

    Com relação ao trabalho escravo nenhuma propriedade rural do Brasil fez com que estes trabalhadores ficassem nesta situação, muito pelo contrário, encontrou-os nesta situação e ofereceu trabalho, comida e moradia. Não é um trabalho de escritório muito menos um palácio para morar e nem um banquete regado a vinho branco, mas se estes trabalhadores aceitaram viver e trabalhar desta forma é porque estavam numa situação muito pior, consequência da falta de estudo, de apoio de governo e da sociedade, excluídos e discriminados muitas vezes por um crime cometido.

    Lembrem-se, “embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim.”

  2. Breno Augusto de Oliveira disse:

    Mais uma notícia provando que as certificações (popular selos de qualidade) próprias dos hipermercados e supermercados nacionais e transnacionais são uma farsa, pois além de não garantir quase nada sobre a origem dos agroalimentos comercializados aqui na região amazônica é possível ver sacos pláticos e folhetos de promoções de empresas que nem aqui possuem unidades, apenas chegam sujeiras que levam milhares de anos para degradarem.