Introdução
Os consumidores de carne bovina se preocupam com o preço, higiene, aspectos nutritivos e características gustativas. Dentre as características gustativas, a maciez é o atributo mais responsável pelo aumento e retenção de consumidores na indústria da carne. Uma inconsistência nessas características reduz o nível de consumo. Este artigo não é uma discussão da qualidade da carne, já que isto envolve higiene, nutrição, preços de varejo, qualidade da carcaça e cor da gordura. Concentra-se nos atributos da carne que as pessoas dizem serem importantes em suas concepções. Quando o consumidor não gosta de carne bovina estes não se incomodam em adquiri-la. Vegetarianos e aqueles que apreciam carnes de aves não se importam se a carne bovina é saudável, nutritiva ou econômica já que os mesmos não a compram.
Avaliações das características gustativas
O atributo mais importante observado em todas as pesquisas com consumidores é a maciez. Como isto é medido? Quais são os componentes da carne que determinam a maciez? Qual é a relação entre maciez e a produção e fatores como o pH, estimulação elétrica, maturação, estresse pré abate e raça?
A maciez pode ser medida usando dispositivos mecânicos que imitam as funções da boca e dos dentes.
O mais comum é um aparelho chamado de Warner Bratzler Shear Force. Consiste de uma lâmina com uma abertura na qual uma amostra de carne cozida é introduzida e arrastada sobre um suporte tipo grampo que exerce o cisalhamento dessa amostra. A força necessária para a ação de cisalhamento, e que é medida em quilogramas é relacionada com o grau de maciez/dureza da amostra.
Existem outros métodos de se avaliar a maciez:
Instron – é um método que avalia a força de compressão necessária a fim de introduzir uma sonda no interior da amostra. É o tecido conjuntivo que oferece a maior resistência à sonda.
Adesão – usado na avaliação da força necessária para romper um pedaço de carne. Um pedaço de carne é preso por duas pinças e a força medida no processo de romper a amostra está correlacionada com uma maior maciez/dureza.
Índice de fragmentação da miofribila – avalia quanto dano sofre a miofibrila quando submetida a um processo de homogeneização.
Solubilidade do colágeno – avalia a facilidade com que o colágeno se desmancha sob efeito do calor.
pH
Para que a carne seja macia o pH tem que ser baixo. O que significa pH baixo e como conseguir isto?
O metabolismo, ou todas as reações químicas que acontecem no animal vivo tem como objetivo fornecer energia para o corpo. No metabolismo dos carboidratos (açúcares) energia é liberada e nas transformações finais o oxigênio é utilizado com produção de dióxido de carbono. Na ausência de oxigênio um novo produto é formado, o acido lático, o qual abaixa o pH. Este processo é o mesmo pelo qual passa o animal quando é abatido. Sem um suprimento de oxigênio após a morte, a formação de acido lático se dá até a completa utilização dos carboidratos. Isto favorece o abaixamento do pH, o que é favorável já que auxilia no processo de maturação da carne. O pH do músculo situa-se ao redor de 7 (neutro como da água). Já na carne deverá ser abaixo de 5,8, o que significa que a carne é mais acida que o músculo vivo. Um pH baixo significa uma carne mais macia.
Estimulação elétrica
O quê acontece quando uma carcaça fresca de um animal recém abatido é resfriada rapidamente? Os músculos se contraem num processo chamado de rigor mortis levando esses músculos ao encurtamento pelo frio. Ao menos que esse processo seja prevenido (ex. tenderstretch) ou mesmo revertido por maturação, a carne será muito dura. Quando a carne de animais recém abatidos é resfriada rapidamente e intensamente, as enzimas que usam os carboidratos não agem apropriadamente e o pH não abaixa. Sem essa queda do pH a maturação não se processa com as miofibrilas se mantendo contraídas, e a carne é dura por encurtamento pelo frio.
Como prevenir esse problema? Resfriamento lento não é recomendado face aos problemas higiênicos. Uma boa cobertura de gordura ajuda a diminuir a velocidade de resfriamento, porém uma quantidade excessiva de gordura subcutânea é um desperdício, assim como não é a melhor solução para alguns músculos tipo contra filé. A melhor solução é a estimulação elétrica do músculo, situação em que os músculos utilizam todos os carboidratos rapidamente. Na ausência de oxigênio nos músculos, uma grande quantidade de acido lático é produzida. O pH desce para níveis normais e a maturação se processa normalmente. Se estes eventos se processarem antes do resfriamento, mesmo um resfriamento rápido a seguir não acarretará um efeito negativo no músculo.
Estresse
Em algumas situações não existe uma reserva de carboidratos (glicogênio) suficiente. Sem essa energia o pH não abaixa o suficiente. A carne será dura e nada poderá ser feito nessa situação. A carne se apresenta de cor escura e aparência firme e seca. Essas carcaças são conhecidas como DFD.
Se a queda do pH não acontece, enzimas inapropriadas agem na carne fazendo com que a mesma se torne pálida, mole e exudativa. Essa condição é mais fácil de ser observada em suínos do que em bovinos.
Quando a quantidade de energia não é suficiente? Isto acontece quando os animais são estressados antes do abate. As reservas de energia são utilizadas durante estresse agudo como quando os animais são misturados, ou ainda durante o transporte, durante o calor ou frio e mesmo devido à desidratação. Como o bovino recompõe sua reserva de energia lentamente, qualquer estresse pré abate implica em o animal ser abatido com energia insuficiente em seus músculos.
O quê acontece durante a maturação?
É um processo no qual a carne é deixada sob resfriamento por um período de tempo após o abate, normalmente de 8 dias até algumas semanas, se tornando então mais macia. A maturação é feita normalmente sob baixa temperatura a fim de evitar a proliferação microbiológica e em sacos plásticos prevenindo odores desagradáveis quando na presença de oxigênio.
Ainda, durante a maturação, enzimas denominadas de calpaínas agem sobre as fibras musculares fazendo com que a carne se torne mais macia embora ainda com a textura característica da carne.
Outras alterações também acontecem durante a maturação. O abaixamento do pH libera cálcio (também pelo uso da estimulação elétrica) que altera as características das proteínas e como efeito dessas transformações a carne se torna mais macia.
Efeitos da raça
O efeito direto da raça nas qualidades gustativas da carne é muito pequeno. Estudos australianos demonstram que os consumidores e as analises sensoriais encontram pequenas ou nenhuma diferença entre raças. A maior parte da confusão a respeito das raças resulta de três problemas. O primeiro é que muitos estudos foram conduzidos nos Estados Unidos da América do Norte onde a produção e os sistemas de processamentos são diferentes dos sistemas australianos. Segundo, em todos os casos os estudos da maciez têm utilizado métodos mecânicos na avaliação da maciez. Muitos estudos mostram que os resultados das avaliações mecânicas não correspondem muito com as percepções do consumidor com relação à maciez. Por ultimo o efeito da raça é normalmente confundido com efeitos do ambiente tais como a nutrição, parasitas, estresse e procedimentos durante o processamento.
Resultados preliminares de um trabalho realizado no Tropical Beef Centre em Rockhampton na Austrália com novilhos criados no National Breeding Station em Belmonte sendo um grupo de Bos taurus consistindo de novilhos Hereford-Shorthorn, Belmont Red e Tuli e o outro grupo de Bos indicus consistindo de Brahma e Boran. Os cruzados eram F1 dessas raças, já os cruzados Bos indicus eram outros cruzamentos e retrocruzas que não F1. Este grupo inclui desde 1/4 até 3/4 de Bos indicus.
A maciez era avaliada de 0 a 100 onde 0 para muito duro e 100 para muito macio. Os grupos eram compostos de 15 Bos taurus, 14 F1, 30 cruzados e 9 Bos indicus.
Não foram observadas diferenças entre as raças quando amostras de contra filé foram maturadas, estimuladas eletricamente, de animais entre 2,5 e 3 anos com pesos vivos na faixa de 550 a 650 Kg. As avaliações foram obtidas em analises sensoriais com um painel de provadores treinados no Tropical Beef Centre.
De onde vem à idéia de que existem diferenças nas qualidades gustativas entre raças?
As mesmas amostras avaliadas por um instrumento chamado Instron (avaliação por compressão da amostra), mostraram que todos os grupos situaram-se abaixo de 2,2 Kg, o que é aceitável. O Bos taurus e os cruzados foram similares. Só o Bos indicus que foi ligeiramente mais duro. Essas diferenças foram estatisticamente significativas, e cientificamente falando, usando estes resultados, existe diferença entre as raças. Diferenças essas que o painel de provadores experientes não observaram.
Qual é a resposta?
A resposta reside no perfeito entendimento do que os consumidores consideram maciez. Esta percepção varia de consumidor para consumidor. Muitas pessoas acreditam que uma carne consumida em um restaurante deve ser mais macia do que aquela consumida em casa. As pessoas gostam de apreciar a carne preparada com diferentes graus de cozimento (mal passada, bem passada, etc.). Está tudo em nossa mente. Embora não se tenham todas respostas, alguns cortes são reconhecidamente mais macios. Essa característica deve fazer parte de nossos planos quando for para se decidir o produto que será ofertado para consumo.
Trabalho de Michael Beer (www.beef.crc.org.au) traduzido e adaptado ao Beefpoint por Albino Luchiari Filho